HOMILIA
Missa de encerramento do
Encontro sobre Proteção dos Menores na Igreja, no Vaticano
Domingo, 24 de fevereiro de
2019
Amados irmãos e irmãs!
Ao dar graças ao Senhor que nos acompanhou nestes
dias, quero agradecer também a todos vós pelo espírito eclesial e o empenho
concreto que manifestastes com tanta generosidade.
O nosso trabalho levou-nos a reconhecer, uma vez mais,
que a gravidade do flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenômeno
historicamente difuso, infelizmente, em todas as culturas e sociedades. Mas,
apenas em tempos relativamente recentes, se tornou objeto de estudos
sistemáticos, graças à mudança de sensibilidade da opinião pública sobre um
problema considerado tabu no passado, ou seja, todos sabiam da sua existência,
mas ninguém falava nele. Isto traz-me à mente também a prática religiosa cruel,
difusa no passado em algumas culturas, de oferecer seres humanos – frequentemente
crianças – como sacrifícios nos ritos pagãos. Todavia, ainda hoje, as
estatísticas disponíveis sobre os abusos sexuais contra menores, compiladas por
várias organizações e organismos nacionais e internacionais (Oms, Unicef,
Interpol, Europol e outros), não apresentam a verdadeira extensão do fenômeno,
muitas vezes subestimado, principalmente porque muitos casos de abusos sexuais
de menores não são denunciados, sobretudo os numerosíssimos abusos cometidos no
interior da família.
De fato, as vítimas raramente desabafam e buscam
ajuda. Por trás desta relutância, pode estar a vergonha, a confusão, o medo de
retaliação, os sentimentos de culpa, a difidência nas instituições, os
condicionalismos culturais e sociais, mas também a falta de informação sobre os
serviços e as estruturas que podem ajudar. Infelizmente, a angústia leva à
amargura, e mesmo ao suicídio, ou por vezes a vingar-se, fazendo o mesmo. A
única coisa certa é que milhões de crianças no mundo são vítimas de exploração
e de abusos sexuais.
Seria importante referir os dados gerais – na minha
opinião, sempre parciais – a nível global e sucessivamente a nível da Europa,
da Ásia, das Américas, da África e da Oceânia, para ter um quadro da gravidade
e profundidade deste flagelo nas nossas sociedades. Para evitar discussões
desnecessárias, quero antes de mais nada salientar que a menção de alguns
países tem por único objetivo citar os dados estatísticos referidos nos citados
Relatórios.
A primeira verdade que resulta dos dados disponíveis é
esta: quem comete os abusos, ou seja, as violências (físicas, sexuais ou
emotivas) são sobretudo os pais, os parentes, os maridos de
esposas-meninas, os treinadores e os educadores. Além disso, segundo os dados
Unicef de 2017 relativos a 28 países no mundo, em cada 10 meninas-adolescentes
que tiveram relações sexuais forçadas, 9 revelam que foram vítimas duma pessoa
conhecida ou próxima da família.
De acordo com os dados oficiais do governo americano,
nos Estados Unidos mais de 700.000 crianças são, anualmente, vítimas de violência
e maus tratos. Segundo o Centro Internacional para Crianças Desaparecidas e
Exploradas (Icmec), uma em cada 10 crianças sofre abuso sexuais. Na Europa, 18
milhões de crianças são vítimas de abusos sexuais.
Se tomarmos o exemplo da Itália, o relatório 2016
de «Telefone Azul» salienta que 68,9% dos abusos acontece dentro
das paredes domésticas do menor.
Palco de violências não é apenas o ambiente doméstico,
mas também o do bairro, da escola, do desporto e, infelizmente, também o
ambiente eclesial.
Dos estudos realizados, nos últimos anos, sobre o
fenômeno dos abusos sexuais contra menores, resulta também que o
desenvolvimento da web e dos mass-media contribuiu para aumentar
significativamente os casos de abusos e violências perpetrados on-line. A
difusão da pornografia cresce rapidamente no mundo através da internet. O
flagelo da pornografia assumiu dimensões assustadoras, com efeitos deletérios
sobre a psique e as relações entre homem e mulher, e entre estes e os filhos.
Um fenômeno em crescimento contínuo. Uma parte considerável da produção
pornográfica tem, infelizmente, por objeto os menores, que deste modo ficam
gravemente feridos na sua dignidade. Estudos neste campo documentam que isto
acontece sob formas cada vez mais horríveis e violentas; chega-se ao extremo
dos atos de abuso sobre menores comissionados e seguidos ao vivo através da
internet.