É famosíssimo o extrato
de Maquiavel, no mais famoso speculum
principis do Ocidente, o libreto O Príncipe:
é desejável ser amado
e temido,
mas, caso seja necessário escolher apenas um deles, é mais seguro ser temido do
que amado, pois as pessoas temem mais ofender quem se faz temer do que quem se
faz amar (Livro XVII). Apesar do choque da exposição, é uma constatação óbvia,
que qualquer malandro, ladrão, psicopata, bicheiro, traficante, gigolô e
desajustado de menor potencial ofensivo já traz em seu DNA.
Maquiavel foi talvez o
principal pensador a definir o que é isso que chamamos hoje de modernidade, inclusive em
termos científicos, através de uma manobra simples e drástica: a separação, na
ciência política, da prática e da moral. As áreas de estudo passaram a caminhar
cada vez mais apartadas, e o que antes era feito como um ato de maldade, falha
da carne e queda da graça passou a ser mera descrição “científica”. Os efeitos
chocantes foram imediatíssimos.
Os maiores
revolucionários do mundo beberam muito da fonte maquiavélica: Napoleão
Bonaparte escreveu notas sobre todo O
Príncipe, que são consideradas definitivas até hoje. Marx o tinha
como um dos seus filósofos preferidos e leitura de cabeceira. Lenin,
fidelíssimo a uma lição maquiavélica de tomada de poder de outro príncipe (não
deixar seus descendentes vivos), mandou fuzilar toda a família Romanov,
incluindo cinco filhos (leninistas pululam com a maior normalidade em qualquer
curso de História ou Ciências Sociais hoje). Toda a “filosofia” de Antonio
Gramsci, o guru intelectual do PT, é um copy/paste de
Maquiavel, falando do Príncipe moderno: o Partido.
Os resultados são
conhecidos – embora, como Maquiavel, Marx, Lenin e Gramsci sejam do cânone
acadêmico, o exercício mais comum das Universidades seja fugir às suas
conseqüências mais inescapáveis, e tratar como “extremista” qualquer posição
que torça o nariz para suas idéias.
Não é preciso ser
propriamente um leitor de Maquiavel para ser maquiavélico, neste sentido.
Qualquer desajustado tentou esta “jornada do herói”. tentou ser amado, just like everybody else does.
Tentou ser, afinal, admirado.
Ter algum prestígio. Ser reconhecido como um líder. Ser o 01. Habitar os
pensamentos de alguém além de si próprio. Ser lembrado.
Quando não se é aceito,
um outro sentimento vem junto. Não é um amor que se transforma em ódio, como é
comumente dito: é um amor não-correspondido que exige obediência e não aceita a
vergonha. No dizer de Dante, um “amor,
que ao amado não perdoa o não amar”.
Se não é amado,
admirado, nem mesmo acolhido, aceito, ou nem sequer tolerado, ele ainda quererá
o mesmo: ser lembrado. Ter algum prestígio. Ser reconhecido como um líder. Ser
o 01. Habitar os pensamentos de alguém além de si próprio. Ser lembrado. Se não pelo amor, pela
dor.
Erra muito feio
quem fala simplesmente em “ódio”, como se fosse pura aversão monomaníaca que
gerasse massacres. É uma vontade de glória, ainda que para mentes
doentias. A glória é ser cantado em hinos até muito tempo depois de sua morte.
É fazer com que os menestréis do futuro contem a sua história. Se não podem
como heróis, tentarão como vilões. É a dúvida de Aquiles na Ilíada: morrer
jovem e glorioso na guerra ou velho e esquecido no oblívio? Aquiles tinha uma
vida já invejável. A decisão se torna bem mais fácil quando sua vida é de um
adolescente solitário e desajustado.