Após o assassinato de crianças em Suzano, pululam explicações simplistas. O real problema permanece: os mesmos que querem controlar as armas também querem destruir a família |
Tão logo se teve notícia
do horrendo assassinato em massa numa escola em Suzano (SP), ocorreu a segunda
tristeza quase inevitável em uma sociedade que perdeu a noção de luto e
sagrado: a politização e tentativa de lucro político sobre a tragédia. Após a
primeira eleição descaradamente ideológica do país, com a segurança
determinando o vencedor, a principal tentativa de dividendos políticos sobre o
massacre envolveu a liberação das armas.
As principais tentativas
de auferir lucrinhos pessoais e políticos vieram da esquerda, que promoveu o
estatuto do desarmamento e as políticas de foco na “ressocialização” que
determinaram o estado da segurança brasileira nos últimos anos. Mas também
nosso vice-presidente culpou… videogames.
O debate é
manjado, e quase tudo o que poderia ser dito já foi dito (e deveria ser dito em
outra hora, não durante o luto). Armas são instrumentos. E, afinal, são
praticamente proibidas no Brasil atual: seria como alguém advogar que devemos
proibir o crack para melhorar a situação da Cracolândia. Uma sandice que
ninguém na esquerda diria – mas que é repetida como um estudo científico
irrefutável a cada frase no debate sobre armas.
É claro que a culpa
primordial de um assassinato é do assassino – ou melhor, seria claro, não
vivêssemos tempos em que a ideologia surpassa a realidade. Qualquer feminista
diz isso no caso de um estupro – mas imediatamente inverte o discurso no caso
de um assassinato: aí, a única binaridade que consegue entender é a da luta de
classes, colocada no lugar de “homem x mulher” (pensados sempre como entidades
arquetípicas coletivas).
É notoriamente brilhante
a definição de Theodore Dalrymple:
A única causa
inquestionável da violência, tanto política como criminosa, é a decisão pessoal
de a cometer. (Excluo aqueles casos raros nos quais está em jogo uma
malformação neurológica ou distúrbio fisiológico). Deste modo, qualquer estudo
sobre a violência que não leve em conta os estados de espírito é incompleto e,
na minha opinião, seriamente insuficiente. É Hamlet sem o Príncipe.
Ainda assim, muitos
componentes podem ser colocados como adicionais à decisão de um
indivíduo de puxar o gatilho em termos psicológicos, de segurança pública,
políticas policiais ou mera sociologia criminológica. São elementos que podem
ajudar a entender o histórico, o ambiente, as circunstâncias e, não raro, a
loucura que leva um ser humano a matar outro – e nunca, como é o vezo da classe
falante atual, serem considerados os elementos determinantes, excluindo
o monólogo interno e o “ser ou não ser”.
Causa espécie a
dificuldade de pessoas adultas, educadas, universitárias, trabalhadoras e
vacinadas em não conseguir entender algo tão óbvio que qualquer capiau sem
instrução domina com rigor absoluto. Livros são escritos em tons de surpresa,
seja sobre um assassinato específico ou sobre bandos de criminosos, sobre “pobres”
que viram assassinos ou sobre black blocs, abismados pela descoberta de que
tais pessoas muitas vezes apresentam uma racionalidade fria e ordenada, e que
não é possível amacetá-las em platiformas explicações “sociais”, como pobreza
ou, o que é ainda pior na era da doutrinação ideológica, shibboleths da
lactação como “machismo” ou “discurso de ódio”.
Na verdade, em comum em
quase todos os casos está sempre um fator simples: a ausência de uma família
estruturada. Pais ausentes, mães sem autoridade, crianças que cresceram sem
amor (um sentimento gratuito, mas que significa sacrifício e entrega absolutas
– o que apenas uma família, e não o Estado, pode dar), sem nenhum sentido na
vida além de uma busca desenfreada por prazeres que, no mais das vezes, são incapazes
de materializar.
Como escreveu Fernanda Takitani:
Posse de armas,
segurança nas escolas, bullyng, isto tudo é superficial. O massacre de Suzano
vai pra conta de quem passou as últimas décadas defendendo o divórcio, a
fragmentação da família, o envenenamento do tecido social com desdobramentos do
modelo de luta de classes (feminismo, gayzismo, racialismo etc) e, sobretudo,
pra quem faz guerra contra a presença de Deus em nossa cultura e sociedade.
Desconsiderar estes
fatores na hora de entender o ocorrido é fechar os olhos para o tamanho do
problema.
É ainda mais chocante
notar que uma mãe usuária de crack que larga o filho para ser cuidado pela avó,
que faleceu recentemente, não chame a atenção de nossos esquerdistas, tão
ávidos a falar em “ódio” e armas – e como se todo ódio, de aversão o comunismo
até assassinar crianças, fosse o mesmo sentimento, e como se esquerdistas que
votam no PSOL, o partido de Adélio Bispo, fossem integralmente desprovidos de
sentimentos de repulsa.
Enquanto a mente
esquerdista, que funciona apenas preenchendo slots de 0 e 1, não
encontra uma dicotomia maniqueísta, como “pobre x rico” ou “mulher x homem” ou
“gay x hétero”, não entenderão a complexa estrutura do mal, que qualquer beata
analfabeta domina e vence.
Uma vitima do mal,
apreendemos com o narrativa da queda dos anjos, é muito mais propensa a
praticar o mal ela mesma. O mal não existe como uma falta de controle, o
objetivo final da esquerda: ninguém atira com uma arma por falta de controle
total sobre as armas, uma impossibilidade material e ontológica, e sim porque
alguém decide cometer o mal. É uma decisão também muitas vezes completamente
racional (por isso seria interessante que nosso Direito abolisse expressões
abobalhadas como “crime de ódio”). O sujeito argumenta em sua mente perturbada,
reflete, prometida – e apenas depois de muito cálculo, decide de estro próprio
que irá descer no vórtex do mal, com freqüência preferindo abandonar uma vida
vazia, sem esperança, sem fé e sem caridade (sem nem mesmo ter alguém para ter
conhecido a caridade e praticá-la com o próximo da fila) a enfrentar mais um
dia em nossa curta passagem por este vale de lágrimas.
O ser humano é o animal mais
frágil quando nasce de toda a natureza. Precisa de cuidados, ou não sobrevive.
Em suma, precisa de uma família: a estrutura basilar de toda a sociedade, antes
de Estados, antes de tribos, antes de ideologias. O ser humano sabe reconhecer
como natural o afeto pela mãe, pelo pai, pelo irmão, pela avó, até pelo primo
ou tio ou cunhado: tudo isso vem antes de leis, de planos de governo, de
ideologias de controle, seja de armas ou da economia, em nome da planificação.
Retire a família, a
figura do pai provedor e da mãe como autoridade, dos laços de afeto mútuo, e o
animal humano será criado pelos lobos. Será instinto sem auto-controle, será
prazer imediato sem limites e disciplina para o futuro, será um pária e, do choque
com desconhecidos, só trará uma carga psíquica de desarranjo. De “falho”.
Os jovens que cometem o
mal, muito mais do que armas, tinham falta de sentido em suas vidas. “O ser
humano carrega um buraco do tamanho de Deus dentro de si”, como definiu Dostoievsky.
Queriam meninas bonitas sem terem se preparado para o cortejo cavalheirístico,
queriam glória sem entenderem o que é sacrifício, queriam ser aceitos por um
grupo sem terem antes sido acolhidos por uma família. Queriam fugir das
frustrações da vida em fóruns anônimos de internet, sem desenvolverem sua
masculinidade, sua busca de sentido, seu status de protetores e provedores, que
é o que as mulheres esperam de homens. Queriam sexo só como resposta às paixões
e hormônios, não buscando, afinal, construir uma família como patriarcas, já
que não possuíram uma. Como disse Gustavo Corção, citando um amigo:
“Quando a onda do sexo
passar, e os impotentes de amor descobrirem a enjoada monotonia do sexo sem
amor, sem grande amor, passarão a matar. A matar em grupos. Comunitariamente.
Haverá cursilhos para ensinar a matar sem ódio, como hoje se ensina o sexo sem
amor”.
Aqueles que falam em
controle sobre armas, aqueles que ferem o luto, aqueles que buscam explicações
baseadas em “masculinidade tóxica” ou “videogames”, são binários platiformes (e
totalitários) do mesmo matiz. Enquanto juram que algum dia vão “controlar” todo
o mal impondo sua ideologia, a maldade, desde Caim e Abel, segue a mesma
estrutura arquetípica: aqueles mesmos que falam em “irracionalidade” e criticam
instrumentos e papéis sociais são os primeiros a destruir a família e pregar um
hedonismo doentio, só satisfeito nas entranhas do abismo da deep web.
O mal não acontece
porque escaparam do controle de armas e de aulas de feminismo: o mal acontece
precisamente por causa deles.
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Senso Incomum
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