terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Caminho da Páscoa


Com o Primeiro Domingo da Quaresma, entramos plenamente no período de conversão que nos conduzirá à Páscoa, ao encontro com Cristo Crucificado, Morto e Ressuscitado. Todos nós que percorremos a via quaresmal devemos passar por esse drama da existência humana, onde sofrimento purificador e restauração estão intrinsecamente vinculados. A passagem do evangelho de São Marcos, que a liturgia deste domingo nos oferece, mostra claramente essa realidade.

É um trecho breve: apresenta Cristo sendo “impelido para o deserto” e travando a batalha espiritual com o demônio, que culminará em sua vitória sobre o maligno e, também, o anúncio evangelizador através da pregação: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho.” (Mc 1, 15).

Na Primeira Leitura (Gn 9,8-15), estão as belíssimas palavras de Deus, que renova sua aliança com Noé e, através desse, com toda a humanidade: “Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra.” (Gn 9, 13)

Deus faz uma aliança com Noé. Mas, ao lado das promessas de salvação, Ele, conhecendo a fragilidade humana, toma para si nossas dores. Será Seu filho a ser crucificado para resgatar de modo definitivo toda a humanidade. Deus se compraz de cada um de nós, conhece nossas fraquezas e nos resgata. Estabelece conosco a nova e eterna aliança em seu Filho, a ser contemplado no alto da Cruz. Agora, já não são as cores do arco-íris que vemos, mas água e sangue que jorram de seu peito transpassado. Eucaristia e batismo. Igreja e sacramento. Grão que morre para dar vida.

A água do dilúvio é uma prefiguração da água do Batismo. Esse sacramento nos transforma em filhos de Deus, nos faz Igreja. Somos da realeza divina, não para mandar, mas para servir e conduzir todas as criaturas a Deus. Assim, como nos indica São Pedro na Segunda Leitura (1Pd 3,18-22): “Também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados – o Justo pelos injustos – para nos conduzir a Deus.” (1 Pd 3, 18).

A aliança do Batismo é plena e, em Cristo, constitui a Igreja Peregrina. Ele nos dá seu Corpo, a Santa Eucaristia, para caminhar pelo deserto da vida. Ler a passagem que a liturgia nos oferece hoje, através do apóstolo Pedro, é realizar um verdadeiro mergulho na história. Mas uma imersão que nos permite renovar o presente. Estamos diante de um Hino Cristológico, uma catequese dedicada aos que estavam sendo introduzidos na fé.

Assim como Cristo foi lançado ao deserto após seu encontro com o Batista no Jordão, também nós, batizados, somos chamados a viver estes quarentas dias com Cristo no deserto, com a certeza de que sairemos vitoriosos. O objetivo desta batalha é renovar nossa aliança batismal, que o faremos liturgicamente na Vigília Pascal.

Só é possível transmitir aquilo que cremos, experimentamos, possuímos. E como nossa fé é fruto de um encontro, de ouvir a pregação, de acolher o dom do Espírito Santo, só poderemos ser luzes se deixarmos que Cristo transforme nossas vidas.
Aproveitemos este domingo para colocar nossas vidas diante de Cristo, pedindo-lhe a graça de tomarmos a decisão definitiva de viver com entusiasmo e amor a Quaresma. Temos a oração, o jejum e a esmola como caminhos que nos conduzem a Cristo.

Aproveitemos para transformar nossa fé em ação. Para isso, temos a Campanha da Fraternidade que, há meio século, foi idealizada pelo nosso amado predecessor, o Cardeal Eugênio Sales, momento forte para unirmos a oração e a ação caritativa.

Sejamos missionários do amor, da caridade, do perdão e da reconciliação. Somos conscientes de que a ação do cristão só é plena quando nasce da conversão interior. A saúde do corpo será vazia sem a saúde espiritual. Por isso, é impossível ficar inerte diante de tanto sofrimento físico e psicológico. São muitos os necessitados e abandonados. Trabalhar por uma sociedade mais justa nunca será uma tentação ou um desvio de atenção, desde que Cristo seja nossa principal motivação. A Campanha da Fraternidade nasce dentro de um contexto de conversão e renovação. Ela dá uma direção concreta, um modo de unir corações e vontades, para que a beleza de Cristo reine na sociedade.

Devemos ser conscientes de que só quando Cristo tocar a nossa vida e curar o egoísmo que habita em cada um de nós, é que seremos capazes de viver com alegria e entusiasmo nossa fé, e, assim, poderemos transformar o mundo para Cristo e com Cristo.

Renovemos nossa vida Batismal! Entremos no deserto! Deixemos que o Espírito Santo nos guie, e, ao final, o amor vencerá e transformará corações e vidas.

Nossa Mãe Maria nos ajudará com a sua intercessão a atravessar este período de purificação e conversão. Ela nos ajudará, também, a anunciar como Cristo: "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho." (Mc 1, 15).


Dom Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

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