quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

As três qualidades do bom político


Este texto foi publicado na edição italiana de Aleteia. Apesar das especificidades estruturais da organização política italiana, a sua essência é aplicável à realidade de qualquer país. 
  
Esta questão afeta a todos nós, pelo impacto que terá na vida social e política do nosso país [a Itália, ndr]. Falo do assunto, portanto, não porque tenha competência específica na área, mas porque o serviço pastoral me permite estar bem perto das pessoas.Com isso,posso apresentar respostas muito fidedignas a perguntas como esta: o que o cidadão comum espera da futura regulamentação da eleição dos seus representantes e de uma possível nova estrutura institucional do Estado?
 
Tenho contato direto com diversas realidades, desde famílias e trabalhadores, jovens e idosos, até empresas, organismos institucionais e associações. Posso dizer, com essa base, que, além da necessidade de estabilidade, são três as expectativas mais frequentes (e mais do que legítimas) das pessoas: a primeira é que a nova legislação eleitoral garanta no parlamento uma representação efetiva das necessidades locais e dos problemas reais das pessoas; a segunda é que o custo da política, bancado por todos, seja decididamente redimensionado, tal como aconteceu com os orçamentos das próprias famílias,que foram obrigadas a "apertar o cinto" em face dos desafios impostos pela crise atual; e a terceira é que os políticos,que se candidatam a representar o povo, cultivem um alto padrão de moralidade e a intenção de servir ao bem comum em vez de servir-se dos privilégios da "casta".


Sobre a primeira expectativa, eu pude constatar várias vezes que a maioria das pessoas não sabe responder quem é o membro do parlamento que as representa: é como se o cidadão comum sentisse que não tem voz na coisa pública; pior ainda, é como se a maioria das pessoas não tivesse qualquer esperança de que os seus problemas e os da coletividade local interessem de verdade a qualquer um dos "poderosos".
 
A chamada Primeira República [italiana] pecava no clientelismo e nas desigualdades relacionadas coma maior ou menor influência do político local na tomada de decisões de alcance nacional: o povo ainda tinha, no entanto,a fundamentada impressão de que alguém estava trabalhando para resolver os seus problemas ou, pelo menos, os problemas da maior parte da sociedade.

 
Nos últimos anos, porém, esse cordão umbilical que unia o cidadão aos seus representantes foi rompido: os parlamentares são "nomeados" pelos partidos, graças ao sistema de listas fechadas, e os eleitos acabam sendo, na maioria, estranhos e distantes em relação ao território que deveriam representar.
 
A solução está, primeiro, em proporcionar um maior conhecimento dos candidatos por parte dos eleitores,mediante listas menores. O exercício democrático da escolha preferencial de um candidato como alternativa a outro, apesar de ter a desvantagem de favorecer possíveis relações de clientelismo entre eleitores e eleitos, é um direito que não pode ser negado.
 
Quem se opõe às preferências dos eleitores deve prestar contas do porquê dessa postura, que favorece as oligarquias dos partidos e enfraquece o sentido da participação ativa dos cidadãos na escolha dos próprios representantes e do futuro da comunidade.
 
A segunda expectativa que percebo entre as pessoas é a da redução drástica dos custos da política, o que poderá ser atendido com a redução do número de parlamentares. Atualmente, o país é governado por uma infinidade de representantes, articulados em um sistema bicameral perfeito que, na realidade, é frequentemente a origem da lentidão no processo de aprovação de leis.
 
Transformar o senado em uma estrutura de representação dos organismos regionais e locais, derrubando os seus custos e modificando as suas competências, é um passo que pode ser positivo. Se a maior potência econômica e política mundial,os Estados Unidos da América,é governada por um número de parlamentares que, no total, é pouco mais que a metade dos nossos, não há razão para que o mesmo não aconteça por aqui.
 
Com a reforma institucional, no entanto, é preciso ainda uma reorganização dos custos, a abolição dos privilégios de "casta", um rastreio de todos os benefícios e de todas as vantagens que transformam a cadeira parlamentar em objeto de cobiça,em garantia de tranquilidade econômica para quem é eleito para prazos indeterminados.
 
Voltar a conceber a tarefa do parlamentar como a de um servidor do Estado deverá significar equipará-lo a um cargo de responsabilidade a ser exercido com fidelidade e profissionalismo, e com a mesma remuneração e garantias oferecidas à maioria da população que ganha a vida com sacrifício e generosidade, assumindo responsabilidades não menos significativas.
 
Esta reflexão nos leva à terceira expectativa das pessoas: a qualidade ética de quem se envolve na política. A este propósito, não há lei que resolva: os muitos escândalos que emergem de tempos em tempos demonstram que o atual sistema legal e institucional não protege os cidadãos de ilícitos perpetrados por quem se esconde atrás da fachada da respeitabilidade.
 
O acúmulo de cargos com altíssimas retribuições, com a óbvia impossibilidade de cumpriras obrigações inerentes a cada um deles, é um escândalo que clama por reorganização urgente e por sanções adequadas, nos casos de comprovada ilegalidade ou omissão. Se não houver, porém, uma forte e convicta tensão moral, nutrida de responsabilidade para com o bem comum e de consciência educada para o sacrifício por amor ao próximo, se não se voltar a conceber a política como uma forma elevada de caridade e de vida vivida como serviço, de pouco valerão os novos mecanismos eleitorais e as reformas estruturais do sistema institucional.
 
Ouso augurar aqui, a todo aquele que quiser se empenhar na arena política, que se forme longamente na disciplina moral exigente e na solidez espiritual. Há um salmo que diz: "Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores. Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela" (127,1).
 
Com imagens vívidas e concretas, a palavra do Grande Código, que é a Bíblia, nos lembra da urgência de monitorar continuamente as nossas ações com parâmetros exigentes e definitivos, ligados ao fundamento transcendente da vida e da história. O salmo sugere, ao mesmo tempo, não presumir de forças meramente humanas:ele pede humildade e invocação de auxílio.
 
Não é inoportuno, portanto, mencionar que a nova geração de políticos de que o país precisa deverá combinar essas três qualidades: o compromisso contínuo com o discernimento moral, a humildade no próprio comprometimento e a disponibilidade interior para emitir juízos mais elevados, para praticar um amor maior.

 
Tal desejo parecerá um sonho para alguns, mas é o melhor augúrio que pode ser feito ao destino comum de todos nós.

Dom Bruno Forte
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Fonte: Aleteia

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