A inculturação tem como finalidade transmitir as verdades do evangelho, apresentando-as de forma que os destinatários as possam compreender
e viver, aproveitando as expressões culturais de povos não-europeus, que guardam, assim, sua identidade. Não é tarefa das mais fáceis, podendo facilmente descambar para o abuso.
Foi o que ocorreu na Igreja Catedral da Arquidiocese de São Luís (MA) que, ao realizar no dia 15 de novembro a “missa dos quilombos”, virou alvo de críticas ao postar o vídeo
em que um grupo de pessoas aparece dançando dentro da missa o chamado “tambor de crioula”, uma dança de origem africana praticada por inúmeros terreiros de candomblé e umbanda ao longo
de todo o ano, para entoar cânticos às diversas entidades do Candomblé e da Umbanda, sobretudo em homenagem a São Benedito ou aos Pretos Velhos.
O objetivo da missa seria reforçar o combate ao racismo, à intolerância e ao preconceito mas a encenação virou alvo de protestos por parte dos católicos
que criticaram que o evento tenha sido realizado dentro da Santa Missa, com alterações não permitidas pela liturgia católica.
O Padre Ribamar Nascimento, que celebrou a missa com um turbante na cabeça como forma de homenagear a cultura negra, disse que o objetivo da missa era aproximar culturas e religiões.
“O que se usou foram instrumentos da nossa cultura brasileira, que incluía não só instrumentos de matriz africana, como também outros instrumentos do dia-a-dia, profanos, e que nós usamos nas mais variadas liturgias. O que teve a mais que eu usei, e que padre não usa,
foi um turbante em sinal de comunhão com aquele momento que nós estávamos celebrando”, contou o Padre Ribamar. “Eu conclamo justamente a gente a viver nessa tolerância, na paz, na felicidade
e de lutarmos para que, de fato, o mundo possa caminhar na concórdia, sem ódio”.
Mas muitos católicos criticaram a “inculturação” justamente pelo fato de a própria liturgia católica não permitir a introdução
de elementos estranhos a ela. Alguns defensores da "missa afro" chegaram a chamar a missa de “ecumênica”, outros ainda criticaram a liturgia da Igreja afirmando que ela é europeia e foi feita para brancos sendo, portanto, necessária
uma liturgia voltada aos negros.
“Não tinha nenhum elemento de umbanda. Ninguém que foi na missa viu que o ofertório eram todos alimentos que a cultura negra foi
colocando, como batata doce, a macaxeira, o bolo de milho… essas coisa. A pipoca… Então foi coisas que eram alimento e tinha uma pessoa que representava o corpo marcado da história, de todo o sofrimento
dos negros. A única coisa que teve”, disse Sílvia Cristina Sá, coordenadora das CEB’s.
As críticas chamaram atenção das lideranças de religiões afro. A Elisandra Rocha, viúva do Pai Neto de Nanã, falou sobre o respeito dentre
as religiões e que os negros sofreram ao chegar no Brasil, muito por conta da rejeição à sua raiz cultural.
“As religiões afro só conseguiram… o povo afrodescendente só conseguiu sobreviver a esse país porque conseguiu ressignificar
a sua cultura e a sua fé. Ressignificou a sua religião. Então a partir de elementos ligados ao catolicismo, ao cristianismo, ela encontrou e sincretizou. Ligou os seus elementos ao cristianismo. (…)
Mas a fé é só uma, as religiões celebram o amor e isso é que é o sentido porque Deus, ele é o amor”, declarou Elisandra.
A Polícia Civil disse que houve crime nos comentários, que alguns tiveram cunho racista e que os autores podem ser identificados, responsabilizados e punidos. O delegado
de Crimes Virtuais no Maranhão, Odilardo Martins, listou alguns crimes cometidos nas postagens.
“Nós estamos tratando de difamação, injúria… crimes contra a honra e até crimes com preconceito com a religião,
que são utilizados no meio informático. São delitos que podem acontecer na rua e hoje em dia acontece no meio informático”, afirmou o delegado Odilardo.
“...A Missa, no entanto, não é uma expressão cultural, é o culto perfeito da salvação cristã. Transcende
cultura, pois é algo divino, enquanto a cultura é humana”, disse um comentarista.
Com cada vez mais frequência, ouvem-se notícias de missas exóticas, utilizando elementos das culturas locais: gauchesca, árabe, afro, sertaneja etc.
“A missa é um memorial do Senhor Jesus. É um memorial perfeito em que sua Presença viva nos mantém vividamente conscientes Dele. É também
um banquete divino, em que Deus provê a mesa com o seu próprio corpo e o seu próprio sangue. Mas é mais do que um memorial e mais do que um banquete. É sobretudo um sacrifício.”
A Igreja não deseja impor na Liturgia uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé (para aquelas coisas que dizem respeito a fé, não pode haver flexibilização). Antes, cultiva e desenvolve os valores e os dotes de espírito das várias nações e povos. O que quer que nos costumes dos povos não esteja ligado indissoluvelmente a superstições e erros, ela o examina com benevolência e, se pode, o conserva intato. Até, por vezes, admite-o na própria Liturgia, contanto que esteja de acordo com as normas do verdadeiro e autêntico espírito litúrgico (ou seja, o que é superstição, erro e contrário à fé e ao espírito litúrgico, não pode ser inserido na liturgia), por isso, o documento Sacrossanctum Concilium, do Concílio Ecumênico Vaticano II, afirma no número 38 sobre a aplicação da liturgia:
“Mantendo-se substancialmente a unidade do rito romano, dê-se possibilidade às legítimas diversidades e adaptações aos vários grupos étnicos, regiões e povos, sobretudo nas Missões, de se afirmarem, até na revisão dos livros litúrgicos;
tenha-se isto oportunamente diante dos olhos ao estruturar os ritos e ao preparar as rubricas”.
Assim, não se deve permitir que as missas sejam profanadas, dessacralizadas, subtraídas do sagrado, pelo contrário, que o direito de cada fiel a assistir a missa
de acordo com o rito aprovado seja exercido sempre e cada vez mais. É a vontade do Papa, é o mandamento de Cristo. Obedeçamos!
Mas...
Representantes da igreja local disseram que vão continuar apoiando a “missa do quilombo” sendo realizada anualmente.
"O que o mundo hoje espera de um católico é que ele respeite todas as religiões, exceto a sua própria." (G. K. Chesterton).
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Com informações: G1/ Padre Paulo Ricardo
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