quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A idolatria e os tempos atuais



Uma boa definição para a mentalidade da sociedade moderna é o que a Bíblia chama de idolatria, que os profetas bíblicos descrevem melhor do que ninguém: fazer um deus sob medida, algo ou alguém que construo com os meus pensamentos, atos e palavras, que venero incondicionalmente e dou um valor absoluto.

Idolatria é um jeito de viver a relação com as coisas e as pessoas. Pode ser o trabalho, os filhos, um relacionamento afetivo, o marido, a mulher, os bens quando estão acima de tudo e de todos, e tudo sacrifico para preservá-los. É colocar acima de tudo o bem-estar material, o poder, algumas pessoas. Idolatram-se as pessoas, chefes políticos ou religiosos, quando se deposita neles a esperança de que possam resolver nossos problemas. Eles são “bons” e “capazes” de nos salvar do mal.

Os profetas bíblicos nos alertam de que podemos ter uma relação idolátrica com o próprio Deus ou na forma de praticar a religião. Em sua época, os deuses idolatrados foram o bezerro de ouro que Aarão construiu a pedido do povo no êxodo, destruído por Moisés; e Baal, deus cananeu da fertilidade e abundância. Trazendo para os dias de hoje, podemos viver a mesma relação idolátrica nas nossas práticas cultuais-religiosas.

Nascido no coração do ser humano, o ídolo orienta as escolhas concretas, distorcendo a realidade, abandonando-nos a falsas ilusões, tornando tudo vazio e inconsistente (“tem olhos, mas não vê, ouvidos, mas não ouve”). Ele parece dar segurança, está à nossa mão, próximo de nós, parece ser garantia, amigo, aliado e até cúmplice. O ídolo manipula o ser humano (“correndo atrás do nada se torna ele mesmo nulidade”). Estabelece-se com ele uma relação falsa, ilusória, vazia, sem capacidade de mudar a história.

Vivemos uma relação idolátrica quando as práticas religiosas não tocam o fundo do nosso coração, sem nos “ferir” e comover, sem nos fazer mudar o modo de ver e entender a realidade. Tornam-se práticas exteriores que não convertem, não fazem mudar de posição: do ser escravo do ídolo para a liberdade na relação com as coisas, as pessoas e o próprio Deus. Cria- -se uma dissociação entre prática religiosa e vida real.

Se a idolatria é tão frequente e um modo de viver que descreve bem os tempos atuais, como sair dessa ilusão? Dizem os profetas: suplicar ao Senhor para que nos dê um coração de carne, vivo, maleável; que nos dê ouvidos para realmente escutar a Sua voz que nos fala sempre por meio da realidade, das coisas que acontecem e, especialmente, da Sua Palavra e dos sacramentos. Que nos dê olhos para ver a verdade. A relação idolátrica é rompida quando se estabelece uma relação sincera com o Senhor. Quando voltamos, de fato, nossos olhos e nosso coração para Ele. Quando suplicamos com toda a sinceridade: “Senhor, Jesus Cristo, tenha piedade de mim. Salva-me! Ensina-me! Mostra-me o caminho!”.

A relação com Deus deve substituir a relação de dependência absoluta com as coisas e as pessoas. O coração de carne que se comove na relação com Deus é o antídoto para os males atuais. Só pessoas que vivem essa relação com o Senhor sabem como se mover para combater as injustiças sociais e a desigualdade crescente, o desmoronamento da democracia, a depressão e o vazio existencial, a destruição do ambiente. Os profetas bíblicos nos advertem: não é antes a mudança das estruturas sociais, políticas ou econômicas, mas é a mudança das pessoas, que retomam um relacionamento vivo com Deus, a verdadeira solução para nossos males. Deus não deixará de responder a quem O invoca com sinceridade, dando a graça da justiça e do direito sobre a terra. Achar que podemos construí-la só com as próprias mãos é idolatria.


Ana Lydia Sawaya
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O São Paulo 

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