1. A
conversão de Francisco
Para entender um pouco da aventura de Francisco é
preciso partir da sua conversão. Desse evento existem, nas fontes, diferentes
descrições com notáveis diferenças entre si. Felizmente temos uma fonte
absolutamente confiável que nos dispensa de escolher entre as várias versões.
Temos o mesmo testemunho de Francisco no seu Testamento, a sua ipsissima vox,
como se diz das palavras certamente ditas por Cristo no Evangelho. Diz:
«O Senhor
concedeu a mim, irmão Francisco, que começasse a fazer penitência assim: quando
eu estava nos pecados parecia-me muito amargo ver os leprosos: e o próprio
Senhor conduziu-me entre eles e fui misericordioso para com eles. E ao
afastar-me deles, o que me parecia amargo foi-me trocado por doçura de alma e
corpo. E, depois, demorei só um pouco e saí do mundo” » (FF 110).
É sobre esse texto que justamente se baseiam os
historiadores, mas com um limite intransponível para eles. Os historiadores,
mesmo os mais bem intencionados e mais respeitosos com as peculiaridades da
vida de Francisco, como era, entre os italianos Raoul Manselli, não conseguem
entender o porquê último da sua mudança radical. Detêm-se – e com razão, por
causa do seu método - na porta, falando de um "segredo de Francisco",
destinado a permanecer assim para sempre.
O que se consegue constatar historicamente é a
decisão de Francisco de mudar o seu status social. De pertença à classe
superior, que contava na cidade por nobreza e riqueza, ele escolheu colocar-se
no extremo oposto, compartilhando a vida dos últimos, daqueles que não eram
nada, os assim chamados “menores”, atingidos por todos os tipos de pobreza.
Os historiadores justamente insistem no fato de que
Francisco não escolheu a pobreza e muito menos o pauperismo; escolheu os
pobres! A mudança é motivada mais pelo mandamento; “Ama o teu próximo como a ti
mesmo”, que pelo conselho: “Se queres ser perfeito, vai’, vende tudo o que tens
e dá aos pobres, depois vem e segue-me”. Era a compaixão pela pobre gente, mais
do que a busca da própria perfeição que o movia, a caridade mais do que a
pobreza.
Tudo isso é verdade , mas ainda assim não toca o
fundo do problema. É o efeito da mudança, não a sua causa. A escolha verdadeira
é muito mais radical: não se tratou de escolher entre riqueza e pobreza, nem
entre ricos e pobres, entre a pertença a uma classe mais do que a outra, mas de
escolher entre si mesmo e Deus, entre salvar a própria vida ou perdê-la pelo
Evangelho.