“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7,6).
De nada adiantaria dizermos que acreditamos em Deus, mas termos inveja dos dons que Ele dá aos outros.
Cristo, Nosso Senhor, elenca no Evangelho de hoje uma série do que chama de impurezas que saem do interior do homem. Tratamos agora de uma delas, a saber, a inveja.
Todos sabemos que é um dos sete pecados capitais, isto é, pecados que dão origem a muitos outros.
Nós a achamos muito feia nos outros, sobretudo se é a nós direcionada, mas nunca assumimos que somos invejosos. Talvez porque não notamos as suas sutilezas dentro do nosso coração. A inveja sabe ser “humilde” e “discreta” dentro de nós.
A inveja não se limita a querer ter algo igual ao que o outro tem. Não se trata de querer ter um carro igual ao de um vizinho, um telefone igual ao de um parente, uma casa igual à de um amigo. A inveja caracteriza-se por querer ter o que o outro tem, deixando-o sem possuir. Mas como a própria inveja sabe que o seu “hospedeiro” não pode fazer isso de forma literal, pois se assim o fizesse a pessoa iria para a cadeia acusada de roubo, vai achando subterfúgios discretos a fim de que sua atuação sutil seja mais aceita.
Em vez de tomar o desejado carro do vizinho, o que seria um crime, o invejoso passa a criticá-lo dizendo que ele só quer se mostrar, que ele não tem idade para usar um veículo daquele modelo, ou que ele não precisa de um transporte daquele tamanho. Já que o invejoso não consegue tomar o carro, vai minando a boa fama de dono do carro.
Isso acontece com as propriedades materiais, mas também com as qualidades intelectuais, psicológicas e espirituais dos invejados.
Os invejosos querem ter a inteligência dos invejados, ou a sua bondade, ou a sua formação acadêmica, ou os seus dotes musicais, ou alguma outra característica sua. Como não conseguem, então, começam com certos comportamentos infantis que são as risadinhas, as fofocas, as calúnias, ou o colocar o invejado numa espécie de quarentena que nada mais é do que uma tentativa de neutralizar os tantos dons que a pessoa tem.
Admirar os dons dos outros não é pecado. Pelo contrário, é virtude. Querer ser, em alguns aspectos, parecido com determinadas pessoas também não é pecado; no máximo seria falta de criatividade. Podemos muito bem querer ser como o Cristo – justamente aí se encontra a criatividade do cristão – como alguns santos em determinados âmbitos da nossa vida, ou como as pessoas boas que conhecemos. O que seria de repudiar é a conduta daqueles que querem para si a virtude de outrem, aniquilando as qualidades dele. Ele não tem direito de ser assim tão bom. Eu tenho de ter as qualidades dele. Assim pensa o invejoso.
Ser invejoso é entristecer-se pela felicidade alheia.
A doutrina católica não é um conjunto de idéias inventadas por eclesiásticos, ou uma coleção de preceitos humanos, mas é a verdade de Cristo que deve ser vivida por todos.
Se a Igreja ensina que a inveja é um pecado capital é porque foi o próprio Cristo quem a listou como impureza que sai do interior do homem e que dá origem a tantos outros pecados.
Dificilmente assumimos que somos invejosos. Raramente confessamos que somos invejosos. Mas muitas das nossas impaciências, muitas das nossas brigas, muitas mortes, muitas calúnias têm raiz na inveja.
Desde o começo da humanidade foi assim. O demônio, com inveja da felicidade do homem e da mulher no paraíso terrestre, fez com que já que ele não vivia esta felicidade, os dois também não a vivessem. Adão e Eva ficaram com inveja de Deus e quiseram ser iguais a Ele. Resultado: perderam a felicidade que tinham e não conseguiram ser iguais a Deus. Perderam o que tinham e não conseguiram o que queriam.
O pior de tudo isso não é o fato de existirem pessoas ruins, invejosas, que falam mal dos outros, que fazem o mal para os outros. O pior de tudo é que há pessoas que se colocam na boca do leão, ou seja, deixam-se comandar e pautam sua vida pelas ordens dos invejosos.
Os invejosos, na verdade, são pessoas inseguras que vestem a pele de autoritarismo para dominar pessoas mais frágeis que eles.
Um invejoso, de fato, nunca conseguirá nada com uma pessoa feliz, segura e equilibrada.
“É do interior dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez” (Mc 7,21-22). Como é importante, portanto, purificar o coração. Caso não cuidemos o nosso coração, ele poderia endurecer e Jesus nos diria, com razão, que nós pensamos diferente dele “devido à dureza do vosso coração” (Mc 10,5). A tradição cristã sempre gostou de resumir a atitude que devemos ter para com o Espírito Santo numa só palavra: docilidade! Um coração dócil sempre recebe com alegria a mensagem de Jesus e de sua Igreja, produzindo frutos abundantes.
Há pessoas que se dizem a favor do divórcio porque “já é normal, ninguém liga mais para isso”, outras dizem que são a favor das relações pré-matrimoniais porque “já é normal, todo mundo faz”; outras ainda são a favor do aborto porque “já é normal, estamos num mundo moderno”, outras se dizem a favor da legalização dos “casamentos” de pessoas do mesmo sexo porque “já é normal, os países modernos já não põem barreiras” etc. Estes são alguns exemplos ou da falta de conhecimento ou do endurecimento do coração.
Jesus continua a recordar-nos que “no começo não foi assim” (Mt 19,8), isto é, no plano originário de Deus não foi assim, não é assim e não pode ser assim!
Frequentemente, antes desse estado de endurecimento do coração encontra-se uma disposição que provém da falta de ideias claras e de critérios retos. Daí a importância da formação do coração. A Igreja Católica quer formar; ela não quer impor nada a ninguém, o que ela faz é propor a verdade… Aceita quem quer! Contudo, está em jogo a própria felicidade terrena e eterna. Você decide!
É necessário parar um pouco todos os dias e examinar-se para ver o que está no coração, em que ocupo meus pensamentos, afetos e desejos. “Onde está o teu tesouro aí está o teu coração”. Pedir que Deus conceda um coração limpo, puro, capaz de realizar ações santas, conforme a justiça e a caridade. Com a graça de Deus, todos os dias podemos limpá-lo um pouco. Que tenhamos um desejo firme de lutar para que não fiquemos manchados. Pois, não sou melhor quando os outros me elogiam, nem sou pior quando os outros me criticam. Sou o que sou diante de Deus.
É hipocrisia lavar escrupulosamente as mãos ou dar importância a qualquer outra exterioridade, se o coração estiver cheio de vícios.
Sozinhos nós não somos capazes de purificar nosso coração das intenções más e de nos abrirmos de modo justo à novidade do Espírito: devemos confiar-nos, para tanto, à força redentora de Cristo que se torna operante em nós, na Eucaristia… Graças à Eucaristia, podemos dizer com ainda maior razão aquilo que dizia Moisés: “Qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos, como o Senhor nosso Deus?” (Dt 4,7).
A nossa religião não está feita de exterioridades, como acreditavam fariseus os quais Cristo trata com tanta dureza no evangelho, até o ponto de querer agradar a Deus e ganhar a salvação.
A quem dirige Jesus todas essas observações? Somente aos fariseus de seu tempo? Não! Diz-nos Jesus: “Escutai, TODOS, e compreendei…” (Mc 7,14).