Assim se procede: parece que se devem tolerar os
hereges.
1. Com efeito, o apóstolo diz; “Quem serve o Senhor
deve ser bondoso com todos, capaz de corrigir os opositores, tendo esperança de
que Deus dê a eles uma oportunidade de se converterem, conhecerem a verdade e
escaparem das armadilhas do diabo”. Ora, se os heréticos não forem tolerados,
mas condenados à morte, tira-se deles a faculdade de se arrependerem. Logo,
isso parece ser contra o preceito do Apóstolo.
2. Além disso, o que é necessário na Igreja deve
ser tolerado. Ora, à Igreja são necessárias as heresias, pois diz o Apóstolo:
“É preciso haver heresias, para que os de virtude comprovada se manifestem entre
vós”. Logo, parece que os hereges devem ser tolerados.
3. Ademais, o Senhor mandou aos seus servos que
deixassem crescer o joio até a ceifa, que é o fim do mundo, como no mesmo lugar
se diz. Ora, o joio é símbolo dos hereges, conforme a interpretação dos Santos.
Logo, os heréticos devem ser tolerados.
Em sentido contrário, diz o Apóstolo: “Após
advertir um herege pela primeira e segunda vez, evita-o sabendo que é um
pervertido.
RESPONDO: A respeito dos heréticos, há duas coisas
a considerar: uma da parte deles e outra da parte da Igreja. Da parte deles, há
um pecado pelo qual mereceram não somente serem excluídos da Igreja pela
excomunhão, mas também do mundo pela morte. É muito mais grave corromper a fé,
que é a vida da alma, do que falsificar o dinheiro que serve à vida temporal.
Ora, se os falsificadores de moeda ou outros malfeitores logo são justamente
condenados à morte pelos príncipes seculares, com maior razão os heréticos
desde que sejam convencidos de heresia, podem não só ser excomungados, mas
justamente serem condenados à morte.
Do lado da Igreja, ao contrário, ela usa de
misericórdia em vista da conversão dos que erram. Por isso, ela não condena
imediatamente, mas só “depois da primeira e segunda advertência”, como ensina o
Apóstolo. Se, porém, depois disso, o herege permanece ainda pertinaz, a Igreja,
não esperando mais que ele se converta, provê a salvação dos outros,
separando-o dela por uma sentença de excomunhão; e ulteriormente ela o abandona
ao juízo secular para que seja excluído do mundo pela morte. Com efeito,
Jerônimo diz isso que se encontra nas Decretais: “As carnes pútridas devem ser
cortadas e a ovelha sarnenta deve ser afastada do redil, a fim de que toda a
casa, a massa, o corpo e as ovelhas não ardam, corrompam-se, apodreçam e
morram.
Ário, em Alexandria, foi uma centelha; mas porque
não foi logo reprimido, a sua chama devastou todo o orbe”.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que de acordo
com a moderação, o herege deve ser corrigido a primeira e a segunda vez. Mas se
ele não quiser retrartar-se, será considerado pervertido, como fica claro no
lugar citado do Apóstolo.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que está fora da
intenção dos hereges a utilidade proveniente das heresias a saber, submeter à
prova a constância dos fiéis e livrar da preguiça, examinando com mais
solicitude as divinas Escrituras, como diz Agostinho. Mas a intenção dos
hereges é corromper a fé, o que é extremamente nocivo. Portanto, deve-se
atender mais à intenção deles, em si mesma, para serem excluídos, do que aquilo
que está fora dela, para serem tolerados.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que como se registra
nas Decretais “uma coisa é a excomunhão e outra, a erradicação. Alguém é
excomungado”, como diz o Apóstolo, “a fim de que sua alma seja salva no dia do
Senhor”. – Se, porém, os hereges forem totalmente erradicados pela morte, isso
não fere o mandamento do Senhor, que deve ser entendido no caso em que não se
pode extirpar o joio, em a extirpação do trigo, como já foi dito ao se tratar
dos infiéis em geral.
SUMA TEOLÓGICA II Parte, q. 11
Disponível: Arena da Teologia
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