domingo, 20 de dezembro de 2015

O Senhor vem!


O Advento é o tempo durante o qual os cristãos são orientados a refletir sobre o modo como Deus se encarna na história humana. 

Durante as semanas que compõem este tempo, é considerado todo o mistério da vinda do Senhor até a sua conclusão. Há uma nota que perpassa todo o tempo: o Senhor vem! Deus entra na história! Entra na história para manifestar a sua misericórdia e salvar ‘todo homem de boa vontade’. 

Deus quer salvar seu povo. A história é o lugar da realização das promessas de Deus e está voltada para o ‘dia do Senhor’. Por isso, os fiéis, peregrinando no tempo, vivem a tensão entre o ‘já’ da salvação realizada em Cristo e o ‘ainda não’ da sua realização em nós, na expectativa da manifestação gloriosa do Senhor, justo juiz e salvador.

Neste tempo, a comunidade de fé é exortada a cultivar a atitude da espera vigilante e jubilosa. Espera da realização das promessas divinas. E Deus é fiel! A comunidade vive esta espera na vigilância e na alegria. Portanto, durante o Advento, vivemos, de forma ainda mais vigorosa, o dom da esperança: o Senhor virá!

Ao viver a esperança, o fiel é também questionado. A vinda do Senhor pressupõe atitude de vigilância e atenção; requer a superação do comodismo e da indiferença; exige conversão! A comunidade de fé é assim orientada a cultivar a atitude característica dos “pobres de Jahwé”: a mansidão, a humildade, a disponibilidade, a simplicidade de coração. 

Preparamo-nos para, ainda uma vez, celebrar a grandeza do mistério do Deus que, em Jesus, se faz criança na gruta de Belém. Jesus, na pobreza de uma gruta, nos revela o mistério de um Deus-Misericórdia! O próprio Jesus reconhece que esse mistério ‘é revelado não aos sábios e entendidos, mas aos pequeninos’, aos mansos e humildes; e louva por isso o Pai! Só os que têm o coração como os pequeninos são capazes de receber a revelação do Deus-Misericórdia. Só o coração humilde e manso sente a necessidade de se aproximar do presépio, de inclinar a cabeça, dobrar os joelhos e contemplar. Ao contemplar, reza e adora; dispõe-se à aventura do Deus que se doa sem reservas, sem limites! 

Muito já se escreveu sobre esse mistério! A arte buscou e busca representar o evento de inumeráveis formas. Entretanto, é dobrando os joelhos, em atitude de humildade e simplicidade, de prece e adoração, que o ser humano de todos os tempos pode, talvez, intuir e adorar, perceber e rezar! Pode-se dizer tanto sobre a encarnação do Deus-Misericórdia, mas tal não é sinônimo de compreensão. Há sempre os que se consideram sabedores do fato e, por isso, nada mais os surpreende! O Papa Francisco continuamente pede que nos ‘deixemos surpreender por Deus’. 

Natal: a ternura de Deus nos abraça!


Dentro de mais alguns dias, os sinos das igrejas estarão anunciando o nascimento do menino Jesus. Dessa forma irão repetir o anúncio feito pelo anjo do Senhor na noite do nascimento do filho de Maria, numa pequena gruta nos arredores de Belém: “Trago para vocês uma alegre notícia: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,10-11).

Na preparação para o Natal, em sintonia com o Ano Santo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, fomos motivados a nos deixarmos tocar pela ternura de Deus que deseja nos abraçar. Esta ternura se manifestou na visita do anjo a Maria e na visita de Maria a Isabel. E se manifestou, sobretudo, no nascimento do Menino Jesus, através dos atos da sua vida terrena e no momento em que, pregado na cruz, rezou: “Pai perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).

Com as missas de Natal, a Igreja no Brasil também dará por encerrado o Ano da Paz. No dizer do nosso Papa, “as muitas luzes, enfeites, árvores luminosas e até presépios, são pura maquiagem se não vierem acompanhadas de gestos e atitudes de paz”. Por isso, renovo o convite a aproveitarmos as festividades do Natal para promovermos a paz na família, na comunidade e também na sociedade. Deixemo-nos tocar pelo canto da paz entoado pelos anjos na noite do nascimento de Jesus: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz aos que são do seu agrado” (Lc 2,14). 

Uma das condições da paz é o perdão. Por isso, é impossível celebrar o Natal quando se tem ódio no coração ou se não formos capazes de perdoar aos que nos magoaram. Diz o Papa que “o perdão das ofensas é um imperativo de que não podemos prescindir”. E, mais: “deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz”.  

É permitido gravar o leitor fazendo a leitura e projetá-lo depois durante a missa?



Eu recebi este e-mail com esta dúvida e eis a resposta:

Olá José. É absolutamente errado este proceder na liturgia. A leitura da missa se faz no momento da liturgia da Palavra que constitui um dos ritos da missa que está acontecendo em um lugar físico específico, possui um celebrante e uma assembleia reais. É parte integrante, essencial, da santa missa. Ter um leitor fazendo a leitura gravada e projetada num telão é erro grave. Quando não há leitores na missa é obrigação do sacerdote fazer a leitura. Pelo que percebi na pergunta era uma missa bem frequentada, portanto, nada justifica esta ação. Penso que o intuito era valorizar a pessoa que leu. No entanto, se ela não pôde se integrar na assembleia litúrgica, sua participação na liturgia também não tem sentido algum, muito menos para prestar-lhe uma homenagem projetando-a num telão fazendo uma leitura. Seria preferível fazer uma homenagem a esta pessoa noutro momento, até mesmo no tal encontro, menos na santa missa. Seria menos vergonhoso para quem preparou a liturgia.

Espero ter ajudado a sanar a dúvida.

Em Cristo

Pe Luis Fernando
padre da Diocese de Itumbiara. Cursou Filosofia no Instituto Dom Jaime Collins e Teologia no Instituto Santa Cruz em Goiânia. É Secretário do Conselho Presbiteral da Diocese de Itumbiara, Coordenador Regional de Pastoral e Promotor Vocacional Diocesano.
________________________________________

Blog do Padre Luis Fernando

sábado, 19 de dezembro de 2015

Pergaminhos com bênção papal são adquiridos somente na Esmolaria Apostólica, esclarece Santa Sé


Os pergaminhos com as bênçãos papais são emitidos somente pela Esmolaria Apostólica Vaticana, recordou a Santa Sé a fim de evitar que os fiéis sejam enganados por pessoas inescrupulosas, logo depois que a Delegacia vaticana e a Polícia vaticana confiscaram cerca de 3.500 documentos falsos que seriam vendidos por um total de 70.000 euros.

“Os pergaminhos com as bênçãos apostólicas são emitidos somente pela Esmolaria Apostólica, o escritório da Santa Sé que tem a missão de realizar a caridade para os pobres em nome do Pontífice. Todos os recursos da Esmolaria Apostólica, sobretudo as ofertas pagas pela emissão dos certificados das bênçãos, são totalmente usados para as obras de caridade do Santo Padre”, assinalou ontem, 16, através da Rádio Vaticano.

Os papéis falsos foram vendidos aos peregrinos, aproveitando o Jubileu da Misericórdia inaugurado no dia 8 de dezembro deste ano.

Foram descobertos em um comércio próximo à Praça de São Pedro. O responsável pela fraude foi denunciado por produção e comércio de objetos falsificados.

Para obter a Bênção Apostólica em pergaminho oficial, é necessário dirigir-se pessoalmente “aos escritórios da Esmolaria Apostólica dentro da Cidade do Vaticano”.

“Também é possível fazer os pedidos pelo correio, escrevendo para: Elemosineria Apostólica, Ufficio Pergamene, Città del Vaticano – 00120, ou pelo fax +39 0669883132.

As pessoas que desejam o pergaminho, devem preencher um formulário que pode ser baixado na página da Esmolaria. 

Preparemo-nos para o Natal sem separar o que é divino do que é humano


O Tempo do Advento vivido pela Igreja e oferecido ao mundo como apelo à conversão é cheio de ensinamentos, correspondentes às realidades de nossa fé. Séculos se passaram, gerações e gerações de homens e mulheres plantaram e alimentaram a esperança, aguardando o cumprimento das promessas de Deus. Os profetas foram arautos da benevolência de Deus, cujo carinho e cuidado se refletia na atenção com aquele povo limitado e ao mesmo tempo teimoso na expectativa da realização dos planos de Deus.

Os tempos amadureceram e Deus realizou suas promessas, de forma surpreendente para todos os atores envolvidos na magnífica trama, cujas cenas se repetem diante dos olhos do mundo, nos presépios, pinturas, filmes, encenações teatrais, todas tentativas justificadas de uma aproximação ao mistério, que supera continuamente os nossos esforços. Por mais que nos empenhemos em penetrar nas páginas dos evangelhos, sempre estas nos superarão, pois se trata de realidades pensadas desde toda a eternidade. Possuí-las completamente seria pretender-nos maiores do que o próprio Deus. Surpresas fazem parte da revelação, processo que se completou com o final da era apostólica, mas se torna dom para cada pessoa de fé. A nós, na presente geração, cabe a abertura ao mistério, deixar que o coração se abra à perene novidade de Deus. Ninguém pretenda que a Bíblia esteja fechada, mas acolha continuamente a beleza do que Deus pode e quer oferecer-nos. Basta começar a aventura que começa com a profissão de fé no amor eterno de Deus.

A plenitude dos tempos aconteceu com a vinda do Salvador do mundo, nascido de uma mulher, como ensina o Apóstolo São Paulo: “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos à Lei, e todos recebermos a dignidade de filhos” (Gl 4, 4-5). Não é que os tempos amadureceram por si, mas o amor de Deus os fez completos, quando enviou o seu Filho ao mundo. A mulher que participou de perto, em nosso nome, da realização do mistério, é a Virgem Maria. Sua aventura pessoal foi de extrema simplicidade e, por isso mesmo, decisiva profundidade! Recebeu um anúncio, cujos detalhes certamente superam a aproximação da narrativa evangélica, especialmente nos descritos de São Lucas. Acredita-se que este evangelista tenha estado bem perto de Maria, com a qual teria dialogado, para descobrir coisas que só podiam vir das fímbrias do coração da Mãe.

Algumas atitudes de Maria nos fazem entrever a grandeza do mistério. Sua humanidade tinha sido muito preservada, certamente pela formação recebida de seus pais, Joaquim e Ana. Seu modo de agir e o canto do Magnificat revelam uma alma aberta para Deus, pronta para dar a grande resposta, em nome de todos os homens e mulheres, carentes da salvação que vem do alto. A viagem às montanhas de Judá foi feita com a presteza de quem se dispõe a servir e fazer o bem. Os três meses passados com Isabel, na preparação próxima do nascimento de João Batista foram vividos na dedicação, orvalhados de oração e diálogo, partilha sincera a respeito da obra realizada por Deus na alma daquelas duas mulheres, gerações diversas que se faziam uma coisa só, ligadas pelos laços do mistério.

Terceira Pregação do Advento 2015: "Maria no Mistério de Cristo e da Igreja".


MARIA NO MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA


1. A mariologia da Lumen Gentium

O objeto desta última meditação de Advento é o capítulo VIII da Lumen Gentium, intitulado "A Bem-Aventurada Virgem Maria, no mistério de Cristo e da Igreja". Ouçamos de novo o que o Concílio fala a este respeito:

"A Virgem Santíssima, predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade simultaneamente com a encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi na terra a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça[1]".

Junto com o título Mãe de Deus e dos crentes, a outra categoria fundamental que o Concílio usa para ilustrar o papel de Maria, é a de modelo, ou de figura:

“Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio[2]".

A maior novidade do tratado conciliar sobre Nossa Senhora consiste, como se sabe, justamente no lugar em que foi colocado, ou seja, na constituição sobre a Igreja. Com isso o Concílio – não sem sofrimentos e lágrimas – operava uma profunda renovação da mariologia, em comparação com os últimos séculos[3]. O discurso sobre Maria não é independente, como se ela ocupasse um lugar intermédio entre Cristo e a Igreja, mas recolocado, como tinha sido na época dos Padres, no âmbito da Igreja. Maria é vista, como dizia Santo Agostinho, como o membro mais excelente da Igreja, mas um membro dela, não fora, ou acima dela:

"Santa é Maria, bem-aventurada é Maria, porém, mais importante que a Virgem Maria é a Igreja. Por quê? Porque Maria é uma parte da Igreja, um membro santo, excelente, superior a todos os demais, contudo, é um membro de todo o corpo. Se é um membro de todo o corpo, sem dúvida, mais importante que um membro é o corpo[4]”.

As duas realidades iluminam-se mutuamente. Se, de fato, o discurso sobre a Igreja ilumina o que é Maria, o discurso sobre Maria ilumina o que é a Igreja, ou seja, “corpo de Cristo” e, como tal, “quase que uma extensão da encarnação do Verbo”. São João Paulo II destaca isso na sua encíclica Redemptoris Mater: “Apresentando Maria no mistério de Cristo, o Concílio Vaticano II encontra também o caminho para aprofundar o conhecimento do mistério da Igreja[5]”.

Outra novidade da mariologia do Concílio é a insistência na fé de Maria[6], um tema também retomado e desenvolvido por João Paulo II que o faz tema central da sua encíclica mariana "Redemptoris Mater[7]". É um retorno à mariologia dos Padres que, mais do que sobre os privilégios da Virgem, apela à sua fé, como contribuição pessoal de Maria no mistério da salvação. Também aqui se nota a influência de Santo Agostinho:

"Ora, até a própria bem-aventurada Virgem Maria, ao crer, concebeu a quem deu à luz crendo...Depois que o anjo falou, ela, cheia de fé (fide plena), concebendo a Cristo antes no coração que no ventre, respondeu: Eis aqui a Serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra[8]”. 

Segunda Pregação do Advento 2015: "O chamado universal dos cristãos à santidade"


O CHAMADO UNIVERSAL DOS CRISTÃOS À SANTIDADE

Há poucos dias comemoramos o quinquagésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e entramos no ano jubilar da misericórdia, pelo qual, Santo Padre, somos-lhe muito gratos. Devemos dizer que não é nem um pouco arbitrária a ligação existente entre o tema da misericórdia e o concílio vaticano II. No discurso de abertura, no dia 11 de outubro de 1962, São João XXIII indicou na misericórdia a novidade e o estilo do concílio:

“Sempre, escrevia, a Igreja se opôs aos erros; muitas vezes, também, condenou-os com a máxima severidade. Agora, porém, a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia, mais do que o da severidade”[1]

Em certo sentido, à distância de meio século, o ano da misericórdia celebra a fidelidade da Igreja àquela sua promessa. Às vezes, surge a pergunta de se insistir muito na misericórdia não é correr o risco de se esquecer o outro atributo de Deus que é a justiça. Mas, a justiça de Deus, não só não contradiz a sua misericórdia, mas consiste justamente nessa! Deus se faz justiça, fazendo misericórdia. Deus é amor; por isso faz justiça a si mesmo – ou seja, se demonstra verdadeiramente por aquilo que é – quando faz misericórdia. Bem antes de Lutero Santo Agostinho tinha escrito: ‘A justiça de Deus’ é aquela, pela qual, por sua graça, Deus nos torna justos, exatamente como ‘a salvação do Senhor’ (salus Domini) (Sl 3, 9) é aquela, pela qual, Deus nos salva[2]”.

Isso não esgota todos os sentidos da expressão “justiça de Deus”, mas é certamente o significado principal dela. Um dia existirá, também, uma justiça de Deus retributiva, que dará a cada um de acordo com os próprios méritos (cf Rom 2, 5-10); mas, não é dessa que o Apóstolo fala quando diz: “Agora se manifestou a justiça de Deus” (Rom 3, 21). Aquela é um evento futuro, esta um evento presente. Em outro lugar o próprio apóstolo explica assim: “Quando se manifestou a bondade de Deus e o seu amor pelos homens, ele nos salvou, não em virtude de obras de justiça realizadas, mas pela sua misericórdia” (Tt 3, 4-5). 

1. “Sejam santos porque eu, vosso Deus, sou santo”

O tema desta meditação é o capítulo V da Lumen gentium, intitulado “A vocação universal à santidade na Igreja”. Nas histórias do Concílio este capítulo só é lembrado por uma questão, digamos, de redação. Os vários Padres conciliares, membros de ordens religiosas, pediram com insistência que fosse dedicado um tratado a parte sobre a presença dos religiosos na Igreja, como tinha sido feito para os leigos. Foi assim que aquilo que tinha sido lembrado até então como um capítulo unicamente relacionado à santidade de todos os membros da Igreja, foi dividido em dois capítulos, dos quais o segundo (VI da LG), dedicado especificamente aos religiosos[3].

O chamado à santidade foi formulado desde o início com estas palavras:

“Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação»” (1 Tess. 4,3; cfr. Ef. 1,4)[4].

Este chamado à santidade é o ponto mais necessário e urgente do concílio. Sem isso, todos os outros requisitos são impossíveis ou inúteis. De fato, normalmente, isso é deixado de lado porque só Deus e a consciência que a exigem e pedem, e não as pressões ou interesses de grupos humanos particulares da Igreja. Às vezes, parece que em certos ambientes e em certas famílias religiosas, depois do concílio, focaram mais no compromisso de “fazer os santos” do que no de “fazer-se santos”, ou seja, mais esforço para levar aos altares os próprios fundadores ou correligionários do que em imitar os exemplos e as virtudes.

A primeira coisa que deve ser feita, quando se fala de santidade, é libertar esta palavra da submissão e do medo que dá, por causa de certas deturpações que fizeram dela. A santidade pode acarretar fenômenos e provas extraordinárias, mas não se identifica com essas coisas. Se todos são chamados à santidade, é porque, devidamente compreendida, ela está ao alcance de todos, faz parte da normalidade da vida cristã. Os santos são como as flores: não existem só aqueles que são colocados no altar. Quantos deles desabrocham e morrem escondidos, depois de terem lançado silenciosamente seu perfume no ambiente! Quantas dessas flores escondidas floresceram e florescem continuamente na Igreja

A motivação de fundo da santidade é clara desde o início e é que Deus é santo: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo" (Lv 19, 2). A santidade é a síntese, na Bíblia, de todos os atributos de Deus. Isaías chama Deus de "o Santo de Israel", aquele que Israel conheceu como o Santo. “Santo, santo, santo”, Qadosh, qadosh, qadosh, é o grito que acompanha a manifestação de Deus no momento do seu chamado (Is 6, 3). Maria reflete fielmente essa ideia de Deus dos profetas e dos Salmos, quando exclama no Magnificat: "Santo é o seu nome".

Quanto ao conteúdo da ideia de santidade, o termo bíblico qadosh sugere a ideia de separação, de diversidade. Deus é santo porque é o totalmente outro com relação a tudo o que o homem pode pensar, dizer ou fazer. É absoluto, no sentido etimológico de ab-solutus, solto de tudo e à parte. É o transcendente, no sentido de que está por acima de todas as nossas categorias. Tudo isso no sentido moral, antes mesmo que metafísico; diz respeito ao atuar de Deus e não só ao seu ser. Na Escritura define-se como “santos” principalmente os juízos de Deus, as suas obras e os seus caminhos[5].

Contudo, santo não é um conceito principalmente negativo, que indica separação, ausência de mal e de mistura em Deus; é um conceito sumamente positivo. Indica uma “pura plenitude”. Em nós, a “plenitude” nunca se mistura totalmente com a “pureza”. Sempre conquistamos a nossa pureza, purificando-nos e tirando o mal das nossas ações (Is 1, 16). Em Deus não; pureza e plenitude coexistem e constituem juntas a suma simplicidade de Deus. A Bíblia expressa perfeitamente esta ideia de santidade quando fala que a Deus "nada pode ser acrescentado e nada tirado" (Sir 42, 21). Em quanto suma pureza, nada lhe deve ser tirado; em quanto suma plenitude, nada lhe pode ser acrescentado.

Quando se procura entender como o homem entra na esfera da santidade de Deus e o que significa ser santo, logo prevalece, no Antigo Testamento, a ideia ritualística. Os trâmites da santidade de Deus são objetos, lugares, ritos, prescrições. Seções inteiras do Êxodo e do Levítico se intitulam “códigos de santidade” ou “lei de santidade”. A santidade está contida em um código de leis. É tal esta santidade que é profanada se alguém se aproxima do altar com uma deformidade física ou depois de ter tocado num animal imundo: "santificai-vos e sede santos ..., não se contaminem com qualquer um destes animais" (Lv 11, 44; 21, 23).

É possível ler diferentes vozes nos profetas e nos salmos. À pergunta; “Quem subirá o monte do Senhor, quem entrará em sua santa habitação?”, ou: “Quem dentre nós pode habitar com um fogo abrasador?", responde-se com indicações requintadamente morais: "Quem tem mãos puras e inocente coração”, e “quem caminha na justiça e fala com lealdade” (cf. Sl 24, 3; Is 33, 14 s.). São vozes sublimes que, porém, permanecem isoladas. Ainda no tempo de Jesus, nos fariseus e em Qumram prevalece a ideia de que a santidade e a justiça consistem na pureza ritual e na observância de certos preceitos, especialmente o do Sábado, embora se, na teoria, ninguém esquece que o primeiro e maior mandamento é o do amor a Deus e ao próximo. 

O que torna uma ação boa ou má?


O homem alcança o seu destino imortal e a salvação eterna fazendo o bem e evitando o mal.

Jesus disse: Se me amais, guardareis os meus mandamentos (Jo 14, 15). É fácil estabelecer o princípio geral de que é preciso fazer o bem e evitar o mal; mas não é fácil saber – em cada circunstância, aqui, agora – o que é bom e o que é mau.

Há princípios básicos de moral cristã com os quais todos os católicos devem estar familiarizados. Dentre eles, um dos primeiríssimos é este: para que qualquer ação possa ser qualificada moralmente, tem de ser consciente, humana. Um ato humano procede do conhecimento e do livre arbítrio; se faltarem a liberdade ou o conhecimento devidos, o ato não é completamente humano e, portanto, não é completamente moral. Assim, a digestão, o crescimento, o movimento do sangue nas veias, etc., uma vez que não estão sob o controle da nossa vontade, não podem de forma alguma ser chamados de atos morais. São atos da pessoa humana, mas não podem ser considerados “atos humanos”.

Um ato inteiramente humano, ou seja, um ato que procede do conhecimento e do livre arbítrio, pode ser moralmente bom ou moralmente mau. Como podemos fazer a distinção? Baseados em uma experiência de séculos, os teólogos chegaram à conclusão de que há três determinantes para a qualidade moral das nossas ações: o objeto, o fim ou a intenção, e as circunstâncias.