terça-feira, 22 de março de 2016

Avaliação médica da morte de Jesus


Sou um cirurgião, e dou aulas há algum tempo.

Por treze anos vivi em companhia de cadáveres e durante a minha carreira estudei anatomia a fundo. Posso portanto escrever sem presunção a respeito de morte. Jesus entrou em agonia no Getsêmani e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra.

O único evangelista que relata o fato é um médico, Lucas, e o faz com a decisão de um clínico. O suar sangue, ou “hematidrose”, é um fenômeno raríssimo. É produzido em condições excepcionais: para provocá-lo é necessário uma fraqueza física, acompanhada de um abatimento moral violento causado por uma profunda emoção, por um grande medo. O terror, o susto, a angústia terrível de sentir-se carregando todos os pecados dos homens devem ter esmagado Jesus. Tal tensão extrema produziu o rompimento das finíssimas veias capilares que estão sob as glândulas sudoríparas; o sangue se mistura ao suor e se concentra sobre a pele, e então escorre por todo o corpo até a terra.

Conhecemos a farsa do processo preparado pelo Sinédrio hebraico, o envio de Jesus a Pilatos e o desempate entre o procurador romano e Herodes. Pilatos cede, e então ordena a flagelação de Jesus. Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma coluna do pátio. A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas sobre as quais são fixadas bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.

Os carrascos devem ter sido dois, um de cada lado, e de diferente estatura. Golpeiam com chibatadas a pele, já alterada por milhões de microscópicas hemorragias do suor de sangue. A pele se dilacera e se rompe; o sangue espirra. A cada golpe Jesus reage em um sobressalto de dor. As forças se esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a cabeça gira em uma vertigem de náusea, calafrios lhe correm ao longo das costas. Se não estivesse preso no alto pelos pulsos, cairia em uma poça de sangue.

Depois o escárnio da coroação. Com longos espinhos, mais duros que os de acácia, os algozes entrelaçam uma espécie de capacete e o aplicam sobre a cabeça. Os espinhos penetram no couro cabeludo fazendo-o sangrar (os cirurgiões sabem o quanto sangra o couro cabeludo). Pilatos, depois de ter mostrado aquele homem dilacerado à multidão feroz, entrega-O para ser crucificado. Colocam sobre os ombros de Jesus o grande braço horizontal da Cruz; pesa uns cinqüenta quilos… A estaca vertical já está plantada sobre o Calvário.

Jesus caminha com os pés descalços pelas ruas de terreno irregular, cheias de pedregulhos. Os soldados o puxam com as cordas. O percurso é de cerca de 600 metros; Jesus, fatigado, arrasta um pé após o outro, freqüentemente cai sobre os joelhos e os ombros de Jesus estão cobertos de chagas. Quando ele cai por terra, a viga lhe escapa, escorrega, e lhe esfola o dorso. Sobre o Calvário tem início a crucificação. Os carrascos despojam o condenado, a sua túnica está colada nas chagas e tirá-la produz dor atroz. Quem já tirou uma atadura de gaze de uma grande ferida sabe do que se trata. Cada fio de tecido adere à carne viva: ao levarem a túnica, se laceram as terminações nervosas postas em descoberto pelas chagas. Os carrascos dão um puxão violento. Há um risco de toda aquela dor provocar uma síncope, mas ainda não é o fim.

O sangue começa a escorrer; Jesus é deitado de costas; as suas chagas se incrustam de pó e pedregulhos. Depositam-no sobre o braço horizontal da cruz. Os algozes tomam as medidas. Com uma broca, é feito um furo na madeira para facilitar a penetração dos pregos. Os carrascos pegam um prego (um longo prego pontudo e quadrado), apóiam-no sobre o pulso de Jesus, com um golpe certeiro de martelo o plantam e o rebatem sobre a madeira. Jesus deve ter contraído o rosto assustadoramente. O nervo mediano foi lesado.

Pode-se imaginar aquilo que Jesus deve ter provado; uma dor lancinante, agudíssima, que se difundiu pelos dedos, e espalhou-se pelos ombros, atingindo o cérebro. A dor mais insuportável que um homem pode provar, ou seja, aquela produzida pela lesão dos grandes troncos nervosos: provoca uma síncope e faz perder a consciência. Em Jesus não. O nervo é destruído só em parte: a lesão do tronco nervoso permanece em contato com o prego; quando o corpo for suspenso na cruz, o nervo se esticará fortemente como uma corda de violino esticada sobre a cravelha. A cada solavanco, a cada movimento, vibrará despertando dores dilacerantes. Um suplício que durará três horas.

O carrasco e seu ajudante empunham a extremidade da trava; elevam Jesus, colocando-o primeiro sentado e depois em pé; conseqüentemente fazendo-o tombar para trás, o encostam na estaca vertical. Depois rapidamente encaixam o braço horizontal da cruz sobre a estaca vertical. Os ombros da vítima esfregam dolorosamente sobre a madeira áspera. As pontas cortantes da grande coroa de espinhos penetram o crânio. A cabeça de Jesus inclina-se para frente, uma vez que o diâmetro da coroa o impede de apoiar-se na madeira.

Cada vez que o mártir levanta a cabeça, recomeçam pontadas agudas de dor.

Pregam-lhe os pés. Ao meio-dia Jesus tem sede. Não bebeu nada desde a tarde anterior. Seu corpo é uma máscara de sangue. A boca está semi-aberta e o lábio inferior começa a pender. A garganta, seca, lhe queima, mas ele não pode engolir. Tem sede… Um soldado lhe estende sobre a ponta de uma vara, uma esponja embebida em bebida ácida, em uso entre os militares. Tudo aquilo é uma tortura atroz. Um estranho fenômeno se produz no corpo de Jesus. Os músculos dos braços se enrijecem em uma contração que vai se acentuando: os deltóides, os bíceps esticados e levantados, os dedos, se curvam. É como acontece a alguém ferido de tétano. É isto que os médicos chamam tetania, quando os sintomas se generalizam: os músculos do abdômen se enrijecem em ondas imóveis, em seguida aqueles entre as costelas, os do pescoço, e os respiratórios.

A respiração se faz, pouco a pouco mais curta. O ar entra com um sibilo, mas não consegue mais sair. Jesus respira com o ápice dos pulmões. Tem sede de ar: como um asmático em plena crise, seu rosto pálido pouco a pouco se torna vermelho, depois se transforma num violeta purpúreo e enfim em cianítico. Jesus é envolvido pela asfixia. Os pulmões cheios de ar não podem mais se esvaziar. A fronte está impregnada de suor, os olhos saem fora de órbita.

Mas o que acontece? Lentamente com um esforço sobre-humano, Jesus toma um ponto de apoio sobre o prego dos pés. Esforça-se a pequenos golpes, se eleva aliviando a tração dos braços. Os músculos do tórax se distendem. A respiração torna-se mais ampla e profunda, os pulmões se esvaziam e o rosto recupera a palidez inicial.

Por que este esforço? Porque Jesus quer falar: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.
Logo em seguida o corpo começa afrouxar-se de novo, e a asfixia recomeça.

Foram transmitidas sete frases pronunciadas por ele na cruz: cada vez que quer falar, deverá elevar-se tendo como apoio o prego dos pés.

Inimaginável! 

Homilética: Paixão do Senhor: "Servo, Sacerdote e Rei".




Hoje é o único dia do ano litúrgico em que não se celebra a Santa Missa. Nós celebramos hoje a chamada Ação Litúrgica com a leitura solene da paixão segundo São João, rezando-se em seguida as orações solenes, prosseguindo com a Adoração da Cruz e, por fim, a Comunhão.

Portanto, durante do Tríduo Sagrado, a liturgia segue os passos do Senhor Jesus mais cerradamente ainda do que no tempo da Quaresma. O Tríduo Santo é um grande drama, uma grande encenação do sofrimento do Senhor. Por isso, tendo representado a Instituição da Ceia na tarde da quinta-feira, a liturgia não voltará a celebrar a Eucaristia até a noite pascal – assim como Jesus não voltou a celebrá-la até que a celebrasse no Reino de Deus. Assim, neste dia celebra-se uma evocação de sua morte, que não deixa de estar em íntima união com a missa de Quinta-feira Santa, já que o pão consagrado ontem é consumido hoje.

A celebração de hoje é dividida em três partes: a primeira é a leitura da Sagrada Escritura e a oração universal feita por todas as pessoas de todos os tempos; a segunda é a adoração da Santa Cruz e a terceira é a Comunhão Eucarística, juntas formam o memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor. Memorial não é apenas relembrar ou fazer memória dos fatos, é realmente celebrar agora, buscando fazer presente, atual, tudo aquilo que Deus realizou em outros tempos. Mergulhamos no tempo para nos encontrarmos com a graça de Deus no momento que operou a salvação e, ao retornarmos deste mergulho, a trazemos em nós. Os cristãos peregrinos dos primeiros séculos a Jerusalém nos descrevem, através de seus diários que, em um certo momento desta celebração, a relíquia da Santa Cruz era exposta para adoração diante do Santo Sepulcro. Os cristãos, um a um, passavam diante dela reverenciando e beijando-a. Este momento é chamado de Adoração à Santa Cruz, que significa adorar a Jesus que foi pregado na cruz através do toque concreto que faziam naquele madeiro onde Jesus foi estendido e que foi banhado com seu sangue.

Orações pela Bélgica: dezenas de mortos em ataques do Estado Islâmico.


Duas explosões consecutivas ocorreram no aeroporto de Bruxelas (Bélgica) e uma terceira foi registrada na estação de metrô de Maelbeek, no centro da capital e muito próxima aos edifícios da Comissão e Parlamento Europeu.

As duas explosões do aeroporto aconteceram por volta das 7:45 (hora local). A fiscalização belga confirmou que se trata de um ataque suicida.

Testemunhas citadas pela imprensa belga asseguraram que alguns minutos antes das explosões escutaram gritos em árabe e alguns disparos.

As explosões do metrô de Maelbeek ocorreram uma hora depois das detonações no aeroporto, por volta das 9:30 (hora local).

Segundo fontes da fiscalização, morreram aproximadamente 34 pessoas e 170 ficaram feridas. A rede de transportes foi fechada e os voos foram desviados a outros aeroportos.

As autoridades federais pediram à população para não sair de suas casas e os centros comerciais estão sendo fechados em distintos pontos da cidade. Os responsáveis pela Comissão Europeia pediram aos seus funcionários que permaneçam no interior das instalações ou que não se dirijam ao local de trabalho.

O atentado desta terça-feira ocorreu poucos dias depois que as forças de Polícia Federal belga capturaram Salah Abdelslam, considerado um dos autores materiais dos atentados de Paris no dia 13 de novembro de 2014, causando a morte de mais de 120 pessoas. Atualmente, o nível de alerta em Bruxelas foi elevado a nível 4 sobre 5, o qual indica uma “possível e provável ameaça” de ataque terrorista.

Pedidos de oração

A Conferência Episcopal da Bélgica publicou um comunicado no qual expressa a consternação dos bispos pelos ataques no aeroporto de Zaventem e no centro de Bruxelas.

Os bispos “compartilham a angústia de milhares de viajantes e suas famílias, profissionais de aviação e das equipes de resgates” ao tempo que “encomendam as vítimas às orações de todos nesta nova situação dramática”.

Os bispos recordaram que “os capelães do aeroporto estão a serviço de todos para proporcionar o apoio espiritual necessário. Desejo que todo o país possa viver estes dias com grande responsabilidade cidadã”.

Das distintas Conferências Episcopais da Europa chegaram demonstrações de apoio à população belga, assim como de rechaço aos atentados. Nesse sentido, o porta-voz da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), Pe. José María Gil Tamayo, publicou um tuíte no qual, além de pedir orações, mostrou “o pesar e a oração pelas vítimas”.

Deus Falido ou Super-Homem?

 

Essas expressões, que sentido têm para começar a Semana Santa? As expressões referentes ao homem como “deus falido expulso do paraíso” ou como “super-homem emancipado” aparecem nas filosofias secularistas e materialistas em voga. Conforme essas filosofias, no cristianismo, o homem quando muito não passaria de um deus falido expulso do paraíso, um fracassado que dependeria sempre do criador para se construir, se fazer e refazer na vida. Na religião sem Deus, porém, caso se admitisse a queda do homem, sua desobediência teria sido o momento supremo de sua libertação, de levantar-se autônomo para construir sua vida sem Deus e vivê-la para além do bem e do mal, segundo sua autodeterminação. Esse é o super-homem que, mesmo sabendo que morrerá como todos os seres vivos, a derrota na vida, embora aconteça nele, não é dele, faz parte do processo evolutivo, de tal modo que por seu poder, sua inteligência e habilidades edificará o progresso que lhe garantirá, no futuro, o domínio sobre todas as coisas, o conhecimento pleno de tudo, enfim, ser como Deus, a instância máxima que dará sentido à vida, e a imortalidade. 

Veja, cara leitora ou leitor, que não dá para a gente engolir uma filosofada como essa, que dita moda, penetra a cultura moderna e está, no espectro político, na esquerda e na direita. Ela fomenta ideias, tais como: ser feliz, ser livre, ter sucesso sem vida moral e ética, sendo pouco importante caso se tenha que fazer mal ao outro, seja corrupto, faça a guerra; viver solto sem ter que controlar a vontade e dominar os próprios desejos; ser sujeito que se constrói segundo os seus projetos de felicidade, a partir da razão, ciência e técnica; libertar-se dos ensinamentos antigos (religião, moral, filosofia, política...) porque impediriam a liberdade e os direitos absolutos do indivíduo. Ela inspira movimentos que lutam por causas como essas: reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado, laicismo, ideologia de gênero, aborto...

A tentativa de desconstruir o cristianismo é ridícula. A religião cristã ergue o homem à altura de Deus ainda que o tenha como pecador, naturalmente limitado e reincidente no erro. Exatamente por causa de sua fé cristã o homem anda pelo mundo sempre de cabeça erguida, resplandecendo a alegria de ser dentre todas as criaturas a primeira e a única criada à imagem e semelhança de Deus, que desfruta dos dons divinos da inteligência, vontade e liberdade e se empenha em viver na observância de um único mandamento, o do amor, resumo de toda a Bíblia. Anda de cabeça erguida, resplandecendo a alegria de ser também um redimido não por si mesmo, mas pela graça de Deus. Essa é uma verdade de base: O cristão é um homem criado por Deus e redimido por Deus. Nisto estão a glória e a grandeza do homem. Da consciência que tem de si mesmo, como criatura, como ser limitado e pecador, mas salvo, por isso mesmo o homem caminha pela estrada da vida com humildade, confiança e caridade. Sabe que sozinho não é nada, mas que com Deus tudo pode, e pratica o bem, empenhado em implantar no mundo a justiça e o bem. O cristão é um homem de cabeça erguida, sereno e feliz. Ao contrário, o super-homem, alguém já disse logo, é um sujeito de nariz empinado, convencido e arrogante, porque se julga igual a Deus. Caminha alardeando a morte de Deus, como se com isso, se fosse verdade, ganhasse alguma coisa. Coitado, bem sabe ele que sem Deus sequer permaneceria de pé por alguns segundos. As pessoas ajuizadas já sabem que o homem matando a Deus mata-se a si mesmo. A orfandade é insuportável. Não somos o criador nem o pai nem a mãe, somos a criatura, os filhos e filhas, graças a Deus. Então, temos que nos rebelar contra essa religião moderna e as ideias tidas como novas, não por serem novas, mas por serem erradas. De há muito tempo que sabemos que nem tudo o que é novo é certo, nem tudo o que é velho é caduco. Temos que voltar ao estudo do Catecismo da Igreja para que nossas crianças e jovens possam aprender a contrapor à doutrina do progresso secularista, do avanço civilizatório protagonizado pelo homem emancipado, sem deus, um super-homem caricato, a doutrina da criação, do pecado original e da redenção.   

Via-Sacra: 10ª Estação: “Jesus é despido de suas vestes” (S. Mateus 27,33-36).



  
«Não a rasguemos; tiremo-la a sorte, para ver de quem será».

Jesus fica nu. A imagem de Jesus despojado das vestes é rica de ressonâncias bíblicas: leva-nos até à nudez inocente das origens e à vergonha da queda. Na inocência original, a nudez era a veste gloriosa do homem: a sua amizade cristalina e bela com Deus. Com a queda, a harmonia de tal relação rompe-se, a nudez causa vergonha e traz consigo a lembrança dramática daquela perda. Nudez é sinônimo de verdade do ser. Despojado das suas vetes, Jesus tece, a partir da Cruz, o vestido novo da dignidade filial do homem. Aquela túnica sem costuras permanece ali, íntegra, para nós: a veste da sua filiação divina não se rompeu, mas é-nos dada do alto da Cruz.

O Pecado nos despiu de nossa dignidade de filho de Deus, nos deixa envergonhado e tira toda a nossa esperança em Deus e em nós mesmos. Quantas vezes no sentimos assim completamente despidos de nossos direitos e daquilo que é mais precioso ao coração: o amor e a paz. Jesus se despojou de suas vestes para nos dar definitivamente a veste nova de Filhos de Deus, em Cristo somos revestidos do Homem novo.

Repartiram entre si as suas vestes

Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fazer sentir-se alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o fato de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote.

Senhor Jesus, fostes despojado das vossas vestes, exposto à desonra, expulso da sociedade. Assumistes sobre Vós a desonra de Adão, sanando-a. Assumistes os sofrimentos e as necessidades dos pobres, daqueles que são expulsos do mundo. Deste modo é que realizais a palavra dos profetas. É precisamente assim que dais significado àquilo que não tem significado. Assim mesmo nos dais a conhecer que nas mãos do vosso Pai estais Vós, nós e o mundo.  Concedei-nos um respeito profundo pelo homem em todas as fases da sua existência e em todas as situações onde o encontrarmos. Dai-nos a veste luminosa da vossa graça.

Ao chegar o Senhor ao Calvário, dão-Lhe de beber um pouco de vinho misturado com fel, uma espécie de narcótico que diminui um pouco a dor da crucifixão. Mas Jesus, tendo provado para agradecer esse piedoso obséquio, não quis beber (cfr. Mt XXVII, 34). Entrega-se à morte com a plena liberdade do Amor.

Depois, os soldados despojam Cristo das Suas vestes.

Da planta dos pés à cabeça, não há n'Ele nada são. Feridas, inchaços, chagas apodrecidas, não curadas, nem ligadas, nem suavizadas com óleo (Is I, 6).

Os verdugos tomam as Suas vestes e dividem-nas em quatro partes. Mas a túnica é sem costura, pelo que dizem:

- Não a rasguemos; deitemos antes sortes para ver de quem será (Jo XIX, 24).

Deste modo se voltou a cumprir a Escritura: repartiram entre si as Minhas vestes e deitaram sortes sobre a Minha túnica (SI XXI, 19).

É o espólio, o despojo, a pobreza mais absoluta. Nada ficou ao Senhor a não ser um madeiro.

Para chegar a Deus, Cristo é o caminho; mas Cristo está na Cruz, e, para subir à Cruz, é preciso ter o coração livre, desprendido das coisas da terra. 

Política tensa, Igreja ponderada

 
Eis um tempo difícil. As informações são desencontradas, os ânimos, exaltados. Uma crise política aguda, com as pessoas opinando e brigando em defesa das próprias convicções e informações, muitas vezes sem tê-la. Multiplicam-se notas, comentários, manifestações de autoridades civis, judiciárias e mesmo eclesiásticas. O povo está na rua, seja para defender o fim imediato do governo, seja para defender o próprio governo, em manifestações que a imprensa costuma chamar, sem reparar no paradoxo, de “protestos a favor”.

Não é admissível que alguns, para defender o indefensável, desqualifiquem setores inteiros da população como se fossem “golpistas, “manipuladores da opinião pública” ou “títeres das grandes redes de imprensa a serviço de interesses imperialistas”. Não são. As pessoas estão de fato se sentindo traídas, revoltadas, com um governo que sempre se escondeu no pretexto do “eu não sabia”, mas, quando flagrado em conversas desaconselháveis ou com patrimônio em nome de terceiros, mobilizem os correligionários a desautorizar agressivamente o clamor popular por justiça.

Também não se trata de imputar o descobrimento de todo esse esquema de corrupção a uma suposta “maior liberdade de investigação” no país. Isto não escusa ninguém. Não existe a possibilidade de que se perdoe um político corrupto simplesmente porque, supostamente, ele deixou a polícia trabalhar mais facilmente do que outros corruptos. Primeiro, porque isto não é verdade: temos, desde 1988, uma estrutura policial, de Ministério Público e de Judiciário livre e atuante no país, como comprovam as milhares de operações de combate à corrupção que ocorreram desde então. Segundo, porque isto não desmente a própria corrupção. Nem torna alguém mais apto a ser governante. Um corrupto transparente não é mais desejável do que um corrupto dissimulado. Talvez seja apenas mais cínico, ou mais incompetente.

Mas, no inflamar do debate, há sempre uma tendência a desqualificar o outro, em vez de responder aos seus legítimos questionamentos. Por exemplo, já ouvi alguém chamar de “vozes do conservadorismo”, ou de “saudosos de 64”, ou de “setores que usam o discurso do combate à corrupção para promover um retrocesso democrático” às parcelas da população que, com muita legitimidade, clamam por justiça.

Há uma só morte que resgata o mundo e uma só ressurreição dos mortos


O desígnio de nosso Deus e Salvador em relação ao homem consiste em levantá-lo de sua queda e fazê-lo voltar, do estado de inimizade ocasionado por sua desobediência, à intimidade divina. A vinda de Cristo na carne, os exemplos de sua vida apresentados pelo Evangelho, a paixão, a cruz, o sepultamento e a ressurreição não tiveram outro fim senão salvar o homem, para que, imitando a Cristo, ele recuperasse a primitiva adoção filial.

Portanto, para atingir a perfeição, é necessário imitar a Cristo, não só nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que ele nos deu durante a sua vida, mas também imitá-lo em sua morte, como diz São Paulo, o imitador de Cristo: Tornando-me semelhante a ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição dentre os mortos (Fl 3,10).

Mas como poderemos assemelhar-nos a Cristo em sua morte? Sepultando-nos com ele por meio do batismo.Em que consiste este sepultamento e qual é o fruto dessa imitação? Em primeiro lugar, é preciso romper coma vida passada. Mas ninguém pode conseguir isto se não nascer de novo, conforme a palavra do Senhor, porque o renascimento, como a própria palavra indica, é o começo de uma vida nova. Por isso, antes de começar esta vida nova, é preciso pôr fim à antiga. Assim como, no estádio, os que chegam ao fim da primeira parte da corrida, costumam fazer uma pequena pausa e descansar um pouco, antes de iniciar o retorno, do mesmo modo, era necessário que nesta mudança de vida interviesse a morte, pondo fim ao passado para começar um novo caminho.

E como imitar a Cristo na sua descida à mansão dos mortos? Imitando no batismo o seu sepultamento. Porque os corpos dos batizados ficam, de certo modo, sepultados nas águas. O batismo simboliza, pois, a deposição das obras da carne, segundo as palavras do Apóstolo: Vós também recebestes uma circuncisão, não feita por mão humana, mas uma circuncisão que é de Cristo, pela qual renunciais ao corpo perecível. Com Cristo fostes sepultados no batismo (Cl 2,11-12). Ora, o batismo, por assim dizer, lava a alma das manchas contraídas por causa das tendências carnais, conforme está escrito: Lavai-me e mais branco do que a neve ficarei (Sl 50,9). Por isso, reconhecemos um só batismo de salvação, já que é uma só a morte que resgata o mundo e uma só a ressurreição dos mortos, das quais o batismo é figura.



Do Livro sobre o Espírito Santo, de São Basílio Magno, bispo
(Cap.15,35: PG32,127-130)

(Séc.IV)

Terça-feira Santa: Como é a nossa Fé?


O Evangelho da Missa termina com o anúncio de que os Apóstolos deixariam Cristo só durante a Paixão. A Simão Pedro que, cheio de presunção, afirmava: eu darei a minha vida por ti, o Senhor respondeu: tu darás a tua vida por mim? Eu te asseguro que não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes.

Em poucos dias cumpriu-se a predição. Todavia, poucas horas antes, o Mestre tinha-lhes dado uma lição clara, preparando-os para os momentos de escuridão que se avizinhavam.

Ocorreu no dia seguinte ao da entrada triunfal em Jerusalém. Jesus e os Apóstolos tinham saído muito cedo de Betânia e, com a pressa, talvez não tivessem comido nada. O caso é que, como relata São Marcos, o Senhor sentiu fome. Vendo ao longe uma figueira com folhas, foi ver se nela encontraria alguma coisa; mas, ao chegar junto dela, não encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. Disse então: «Nunca mais ninguém coma fruto de ti.» E os discípulos ouviram isto.

Ao entardecer regressaram à aldeia. Devia ser já tarde avançada e não repararam na figueira amaldiçoada. Mas no dia seguinte, terça-feira, ao voltar de novo a Jerusalém, todos contemplaram aquela árvore, antes frondosa, que mostrava os ramos nus e secos. Pedro fê-lo notar a Jesus: “Olha, Mestre, a figueira que amaldiçoaste secou!” Jesus disse-lhes: “Tende fé em Deus. Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: «Sai daí e lança-te ao mar», e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz vai se realizar, assim acontecerá”.

Durante a sua vida pública, para realizar milagres, Jesus pedia uma só coisa: fé. Aos cegos que lhe suplicavam a cura, tinha-lhes perguntado: credes que posso fazer isso? – Sim, Senhor, responderam-lhe. Então tocou-lhes os olhos dizendo: que se faça em vós conforme a vossa fé. E abriram-se-lhes os olhos. E contam os Evangelhos que, em muitos lugares, não realizou prodígios, porque às pessoas lhes faltava fé.

Também nós temos de nos interrogar: como é a nossa fé? Confiamos plenamente na palavra de Deus? Pedimos na oração o que necessitamos, seguros de consegui-lo se é para nosso bem? Insistimos nas súplicas, o que seja preciso, sem desfalecer?