Hoje é o único dia do ano litúrgico em que não se celebra a Santa Missa.
Nós celebramos hoje a chamada Ação Litúrgica com a leitura solene da paixão
segundo São João, rezando-se em seguida as orações solenes, prosseguindo com a
Adoração da Cruz e, por fim, a Comunhão.
Portanto, durante do Tríduo Sagrado, a liturgia segue os passos do
Senhor Jesus mais cerradamente ainda do que no tempo da Quaresma. O Tríduo
Santo é um grande drama, uma grande encenação do sofrimento do Senhor. Por
isso, tendo representado a Instituição da Ceia na tarde da quinta-feira, a
liturgia não voltará a celebrar a Eucaristia até a noite pascal – assim como
Jesus não voltou a celebrá-la até que a celebrasse no Reino de Deus. Assim,
neste dia celebra-se uma evocação de sua morte, que não deixa de estar em
íntima união com a missa de Quinta-feira Santa, já que o pão consagrado ontem é
consumido hoje.
A celebração de hoje é dividida em três partes: a primeira é a leitura
da Sagrada Escritura e a oração universal feita por todas as pessoas de todos
os tempos; a segunda é a adoração da Santa Cruz e a terceira é a Comunhão
Eucarística, juntas formam o memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor.
Memorial não é apenas relembrar ou fazer memória dos fatos, é realmente
celebrar agora, buscando fazer presente, atual, tudo aquilo que Deus realizou
em outros tempos. Mergulhamos no tempo para nos encontrarmos com a graça de
Deus no momento que operou a salvação e, ao retornarmos deste mergulho, a
trazemos em nós. Os cristãos peregrinos dos primeiros séculos a Jerusalém nos
descrevem, através de seus diários que, em um certo momento desta celebração, a
relíquia da Santa Cruz era exposta para adoração diante do Santo Sepulcro. Os
cristãos, um a um, passavam diante dela reverenciando e beijando-a. Este
momento é chamado de Adoração à Santa Cruz, que significa adorar a Jesus que
foi pregado na cruz através do toque concreto que faziam naquele madeiro onde
Jesus foi estendido e que foi banhado com seu sangue.
COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Is 52,13−53,12; Hb 4,14-16; 5,7-9; Jo 18,1−19,42
Celebramos hoje esta
Solene Ação Litúrgica da Paixão do Senhor. Hoje não celebramos a Eucaristia,
mas adoramos aquilo o que a Eucaristia significa: o mistério de um amor sem
limites que se entrega na cruz por nós, a fim de que tenhamos vida e vida em
abundância.
A nossa celebração de
hoje é constituída por três partes.
Primeiro, a liturgia da Palavra. Depois teremos a Adoração da Santa Cruz, onde
beijaremos o Santo Lenho expressando assim a nossa adoração do mistério do amor
de Cristo que se entrega por nós todos. Enfim, a última parte da nossa Ação
Litúrgica é a comunhão eucarística, onde comemos o Corpo de Cristo, Sacramento
Visível do seu amor crucificado pelos homens.
A Palavra do Senhor
encerra para nós hoje um tesouro abundante. A primeira leitura é o assim
chamado Canto do Servo Sofredor de Isaías. O profeta nos descreve um personagem
misterioso que tomará sobre si as dores do povo: “Meu servo, o Justo, fará
justos inúmeros homens, carregando sobre si nossas culpas”. Esse servo sofredor
anunciado pelo profeta é o Cristo. No madeira da cruz Cristo assumiu por amor
as nossas culpas. Aquele que não tem pecado, fez-se pecado e sentiu-se pecado
por nós no madeiro da cruz. Cristo assumiu por nós uma morte humilhante e
vergonhosa, a fim de que tivéssemos vida e vida em abundância.
A cruz encerra para nós
grandes bens. Foi da cruz, do lado aberto de Cristo, que brotou sangue e água.
Segundo São João Crisóstomo, o sangue e a água que brotaram do lado aberto de
Cristo são sinais sacramentais dos sacramentos do batismo e da eucaristia.
Assim como do lado de Adão que dormia no paraíso Deus fez surgir a Virgem Eva.
Do lado aberto de Cristo que morre na cruz o Pai faz nascer a nova Virgem, a Igreja,
que se renova continuamente por estes dois sacramentos. Foi da cruz ainda que o
Cristo nos deu o seu Espírito. São João nos diz que Ele entregou o espírito.
Cristo não somente entregou o seu espírito ao Pai, mas Ele nos entregou o seu
Espírito, isto é, o Espírito Santo. Cristo é um vaso de eleição do Pai. Cristo
está cheio do Espírito. Quando Ele é quebrado na cruz, porque assumiu a
fragilidade de uma existência segundo os homens, Ele derrama sobre aquilo do
que Ele está cheio, isto é, o seu Espírito.
A cruz é, assim, a causa
da nossa salvação. Na segunda leitura da carta aos Hebreus o autor sagrado nos
diz que foi “na consumação da sua vida (que Cristo) tornou-se causa de salvação
eterna para todos os que lhe obedecem”. A cruz é a nossa salvação. No meio das
tempestades da vida, quando nós pensamos que vamos naufragar, devemos nos atar
à cruz de Cristo, Ela é a nossa salvação.
A cruz é a árvore da
vida. Nós cantamos em nossas assembleias: “a
sombra dos teus braços a Igreja viverá”. A cruz é Aquela árvore que
João viu na Jerusalém Celeste, que dá frutos doze vezes ao ano e cujas folhas
servem para curar as nações. A cruz é o sinal da vida e S. Gregório nos seus
diálogos expressa isso com muita firmeza quando diz que Bento, o homem de Deus,
ao traçar sobre a taça que continha veneno o sinal da cruz esta não pode
resistir ao sinal da vida.
Devemos nos unir ao
sacrifício de Cristo. O nosso sofrimento deve estar unido ao mistério do
sofrimento de Cristo. Aquele sofrimento para o qual não encontramos razão
devemos lança-lo ao pés da cruz. Devemos saber que se na nossa vida existe uma
Sexta-Feira da Paixão, existirá também uma manhã de Ressurreição. Ainda que
toda a nossa vida seja uma Sexta-Feira da Paixão, isto é pouco diante da
Eternidade de Ressurreição que Cristo nos promete.
PARA REFLETIR
“Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu. Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”.
Esta hodierna Liturgia é solene e dramática. Altar desnudo, cruzes veladas ou retiradas da igreja, nenhum ornamento… Quase não há palavras para exprimir o estupendo mistério que celebramos: o eterno Filho, Deus santo, vivo e verdadeiro, nesta tarde sacratíssima, por nós se entregou ao Pai, em total obediência, até à morte, e morte de cruz! Para contemplar o mistério hoje celebrado, tomemos, então, com temor e tremor, as palavras da Epístola aos Hebreus, que escutamos.
“Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu”. Eis aqui uma realidade que jamais poderemos compreender totalmente! O Filho eterno, o Filho que viveu sempre na intimidade do Pai, o Filho infinitamente amado pelo Pai, no seu caminho neste mundo, aprendeu a descobrir, cada dia, a vontade do seu Pai e a ela obedecer! Mais ainda: esta obediência lhe custou lágrimas, fê-lo sofrer! Toda a existência do Senhor Jesus foi uma total dedicação ao Pai, uma absoluta entrega, no dia-a-dia, nas pequenas coisas… Jesus foi procurando e descobrindo a vontade do Pai nos acontecimentos, nas pessoas, nas Escrituras… e, pouco a pouco, foi percebendo que esta vontade ia levá-lo à cruz. E ele, nosso Salvador, “com forte clamor e lágrimas”, foi se entregando, se esvaziando, se abandonando…
É impressionante pensarmos, mas toda a vida do Filho de Deus neste mundo foi uma busca pobre e obediente da vontade do Pai, entre clamor e lágrimas. Vemo-lo de modo dramático no Horto da Agonia: “Abba! Ó Pai!Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36). Para o Senhor, como para nós, a vontade do Pai tantas vezes pareceu enigmática, e ele teve que discerni-la e descobri-la entre trevas densas e dolorosas! Mas, ao fim, como é comovente a entrega total do Cristo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23,46). Em tuas mãos, meu querido Pai, eu me coloco, eu me abandono! Para nós, o Filho é modelo e caminho de amor ao Pai! Ser cristão é entregar-se ao Senhor Deus como ele se entregou! E esta entrega total ao Pai foi por nós: “Cristo por nós se fez obediente até Pa morte e morte de cruz” (Fl 2,8).
“Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”. Isto é, tornado perfeito na obediência, consumando toda a sua existência humana de modo amoroso e total, entregando-se ao Pai por nós, ele se tornou causa da nossa salvação! Vede, irmãos: não se oferece mais ao Pai sacrifícios de vítimas irracionais e impessoais! Agora é o próprio Cordeiro santo e imaculado que, com todo amor do seu coração, com toda dedicação de sua alma, se oferece livremente por nós todos! Por isso ele “tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”, isto é, desde que nós entremos na sua obediência e dela participemos na nossa vida! Eia, irmãos no Senhor! Entremos nessa obediência bendita e amorosa do nosso Senhor: façamos de nossa vida uma entrega total ao Pai com Jesus: entrega de nossos atos, de nossos pensamentos, de nossos afetos, de nossos negócios, de nossa vida familiar e profissional, de nossas decisões e escolhas, de nossas relações humanas… Tudo, absolutamente tudo, ofereçamos ao Pai com Jesus e por Jesus e entraremos na salvação que Jesus nos trouxe por sua cruz! Não esqueçamos: nesta santíssima Sexta-feira da Paixão, somos convidados a não somente contemplar, admirados, a obediência total do Filho querido ao Pai amado, mas também somos interpelados a participar na nossa vida dessa mesma obediência! É assim que Cristo é causa de salvação para nós!
Senhor Jesus, que o teu sublime exemplo de amor ao Pai e a nós, nos comova e converta o coração, tire-nos da preguiça espiritual e de uma vida cristã morna e tíbia! Senhor, obrigados por tão grande prova de amor a nós e ao mundo todo! Obrigados por tuas dores, obrigados por tua cruz, obrigados por tua morte e por tua sepultura!
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa cruz remistes o mundo!
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