Essas
expressões, que sentido têm para começar a Semana Santa? As expressões
referentes ao homem como “deus falido expulso do paraíso” ou como “super-homem
emancipado” aparecem nas filosofias secularistas e materialistas em voga.
Conforme essas filosofias, no cristianismo, o homem quando muito não passaria
de um deus falido expulso do paraíso, um fracassado que dependeria sempre do
criador para se construir, se fazer e refazer na vida. Na religião sem Deus,
porém, caso se admitisse a queda do homem, sua desobediência teria sido o
momento supremo de sua libertação, de levantar-se autônomo para construir sua
vida sem Deus e vivê-la para além do bem e do mal, segundo sua autodeterminação.
Esse é o super-homem que, mesmo sabendo que morrerá como todos os seres vivos,
a derrota na vida, embora aconteça nele, não é dele, faz parte do processo
evolutivo, de tal modo que por seu poder, sua inteligência e habilidades
edificará o progresso que lhe garantirá, no futuro, o domínio sobre todas as
coisas, o conhecimento pleno de tudo, enfim, ser como Deus, a instância máxima
que dará sentido à vida, e a imortalidade.
Veja, cara
leitora ou leitor, que não dá para a gente engolir uma filosofada como essa,
que dita moda, penetra a cultura moderna e está, no espectro político, na
esquerda e na direita. Ela fomenta ideias, tais como: ser feliz, ser livre, ter
sucesso sem vida moral e ética, sendo pouco importante caso se tenha que fazer
mal ao outro, seja corrupto, faça a guerra; viver solto sem ter que controlar a
vontade e dominar os próprios desejos; ser sujeito que se constrói segundo os
seus projetos de felicidade, a partir da razão, ciência e técnica; libertar-se
dos ensinamentos antigos (religião, moral, filosofia, política...) porque
impediriam a liberdade e os direitos absolutos do indivíduo. Ela inspira
movimentos que lutam por causas como essas: reduzir a fé e a Igreja ao âmbito
privado, laicismo, ideologia de gênero, aborto...
A tentativa de
desconstruir o cristianismo é ridícula. A religião cristã ergue o homem à
altura de Deus ainda que o tenha como pecador, naturalmente limitado e
reincidente no erro. Exatamente por causa de sua fé cristã o homem anda pelo
mundo sempre de cabeça erguida, resplandecendo a alegria de ser dentre todas as
criaturas a primeira e a única criada à imagem e semelhança de Deus, que
desfruta dos dons divinos da inteligência, vontade e liberdade e se empenha em
viver na observância de um único mandamento, o do amor, resumo de toda a
Bíblia. Anda de cabeça erguida, resplandecendo a alegria de ser também um
redimido não por si mesmo, mas pela graça de Deus. Essa é uma verdade de base:
O cristão é um homem criado por Deus e redimido por Deus. Nisto estão a glória
e a grandeza do homem. Da consciência que tem de si mesmo, como criatura, como
ser limitado e pecador, mas salvo, por isso mesmo o homem caminha pela estrada
da vida com humildade, confiança e caridade. Sabe que sozinho não é nada, mas
que com Deus tudo pode, e pratica o bem, empenhado em implantar no mundo a
justiça e o bem. O cristão é um homem de cabeça erguida, sereno e feliz. Ao
contrário, o super-homem, alguém já disse logo, é um sujeito de nariz empinado,
convencido e arrogante, porque se julga igual a Deus. Caminha alardeando a
morte de Deus, como se com isso, se fosse verdade, ganhasse alguma coisa.
Coitado, bem sabe ele que sem Deus sequer permaneceria de pé por alguns
segundos. As pessoas ajuizadas já sabem que o homem matando a Deus mata-se a si
mesmo. A orfandade é insuportável. Não somos o criador nem o pai nem a mãe,
somos a criatura, os filhos e filhas, graças a Deus. Então, temos que nos
rebelar contra essa religião moderna e as ideias tidas como novas, não por
serem novas, mas por serem erradas. De há muito tempo que sabemos que nem tudo
o que é novo é certo, nem tudo o que é velho é caduco. Temos que voltar ao
estudo do Catecismo da Igreja para que nossas crianças e jovens possam aprender
a contrapor à doutrina do progresso secularista, do avanço civilizatório
protagonizado pelo homem emancipado, sem deus, um super-homem caricato, a
doutrina da criação, do pecado original e da redenção.
Com a Liturgia
do Domingo de Ramos, começa a Semana Santa, quando celebraremos o mistério da
paixão, morte e ressurreição do Senhor. A assembleia dos fiéis, com ramos nas
mãos, ouve o Evangelho de Lucas 19,28-40 e se põe em procissão acompanhando
Jesus, o Filho de Deus, que vem como rei humilde e servidor, montado num
jumento e, embora aclamado por nós, para morrer pregado numa cruz e assim
perdoar os nossos pecados. Por causa dessa morte do Filho de Deus, vítima
inocente, compreendemos o que nos ensina a nossa fé que foi por meio da cruz
que Deus se identificou com as vítimas de todos os tempos. Deus crucificado é
um escândalo para muitos religiosos e uma loucura para aqueles racionalistas
que usurpam em favor do seu super-homem a condição divina. No entanto, segundo
o apóstolo Paulo, ao contrário, Jesus Cristo, que é de condição divina como
igual a Deus - e pedindo perdão se cometo sem querer uma heresia - usurpou para
si a condição humana, esvaziando-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo
e tornando-se igual aos homens (cf. Fl 2, 6-11).
A morte e
ressurreição de Jesus demonstram que o homem nem é um deus falido por quem se
chora nem é um super-homem a quem se deve adorar. O efeito da paixão de Cristo
é, de fato, a transformação do ser humano em Deus; Jesus Cristo tem a única
máquina, usando jargão secularista, capaz de transformar o homem em Deus. Bem
diferente é a ação de Deus que se deixa morrer na cruz para salvar a sua
criatura da ação da criatura pretensiosa que decreta a morte de Deus para se
autoerigir como deus.
Dom Caetano Ferrari
Bispo
de Bauru (SP)
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