Eis um tempo
difícil. As informações são desencontradas, os ânimos, exaltados. Uma crise
política aguda, com as pessoas opinando e brigando em defesa das próprias
convicções e informações, muitas vezes sem tê-la. Multiplicam-se notas,
comentários, manifestações de autoridades civis, judiciárias e mesmo
eclesiásticas. O povo está na rua, seja para defender o fim imediato do
governo, seja para defender o próprio governo, em manifestações que a
imprensa costuma chamar, sem reparar no paradoxo, de “protestos a favor”.
Não é admissível
que alguns, para defender o indefensável, desqualifiquem setores inteiros da
população como se fossem “golpistas, “manipuladores da opinião
pública” ou “títeres das grandes redes de imprensa a serviço de
interesses imperialistas”. Não são. As pessoas estão de fato se sentindo
traídas, revoltadas, com um governo que sempre se escondeu no pretexto do “eu
não sabia”, mas, quando flagrado em conversas desaconselháveis ou com
patrimônio em nome de terceiros, mobilizem os correligionários a desautorizar
agressivamente o clamor popular por justiça.
Também não se
trata de imputar o descobrimento de todo esse esquema de corrupção a uma
suposta “maior liberdade de investigação” no país. Isto não escusa
ninguém. Não existe a possibilidade de que se perdoe um político corrupto
simplesmente porque, supostamente, ele deixou a polícia trabalhar mais
facilmente do que outros corruptos. Primeiro, porque isto não é verdade:
temos, desde 1988, uma estrutura policial, de Ministério Público e de
Judiciário livre e atuante no país, como comprovam as milhares de operações de
combate à corrupção que ocorreram desde então. Segundo, porque isto não
desmente a própria corrupção. Nem torna alguém mais apto a ser governante. Um
corrupto transparente não é mais desejável do que um corrupto dissimulado.
Talvez seja apenas mais cínico, ou mais incompetente.
Mas, no inflamar
do debate, há sempre uma tendência a desqualificar o outro, em vez de responder
aos seus legítimos questionamentos. Por exemplo, já ouvi alguém chamar de “vozes
do conservadorismo”, ou de “saudosos de 64”, ou de “setores que
usam o discurso do combate à corrupção para promover um retrocesso democrático”
às parcelas da população que, com muita legitimidade, clamam por justiça.
A tendência a
desqualificar o outro e a palavra de equilíbrio da Igreja.
Nestes momentos,
é sempre alentador ouvir este ou aquele pastor da Igreja dirigir uma palavra
justa ao povo de Deus. É o momento de reconhecer a importância desses
pronunciamentos e ensinamentos justos na manutenção da paz e da democracia em
nosso país.
É sempre
importante registrar que não há um “movimento de desprezo à democracia”
em curso no país por parte da maioria esmagadora da população. Há, isto sim,
uma grande operação policial e judicial fundamentada em dados concretos,
que já resultou em diversas condenações de empresários e servidores públicos, e
na repatriação de enormes somas de dinheiro público. Existe uma grande decepção
popular com um governo que se elegeu prometendo acabar com a corrupção, com
slogans do tipo “por um Brasil mais decente”, e acabou envolvido com
sucessivos escândalos. Não há de surpreender que o povo não aceite, por parte
de quem se elegeu prometendo ser diferente, que agora argumente que apenas fez
apenas “igual” a todos os outros governantes, quanto à corrupção. Não
tem o direito de usar o argumento de que é apenas “igual a todos” quem
se elegeu prometendo “ser diferente”. Não se pode aceitar que o “combate
à corrupção”, quando era usado para eleger o governo, fosse um bom mote, e
agora, quando torna-se público mais um esquema de corrupção nas entranhas
governamentais, o grito popular contra a corrupção seja “denunciado” como
“pretexto para golpismo” de uma “elite pequeno-burguesa”.
O Magistério
e a justa relação entre o fiel leigo e o poder público.
Quem usa de
argumentos assim ignora que o Catecismo da Igreja Católica considera próprio do
bom exercício da cidadania pelo fiel católico a justa reclamação contra os
desmandos do governo. O católico que clama por justiça e contra a corrupção
segue o que diz o Catecismo da Igreja Católica, § 2238, in fine:
“A leal
colaboração dos cidadãos inclui o direito, e às vezes o dever, de apresentar
suas justas reclamações contra o que lhes parece prejudicial à dignidade das
pessoas e ao bem da comunidade.”
O Catecismo cita
a Gaudium et Spes no § 2242, e ensina:
“Se a
autoridade pública, exorbitando de sua competência, oprimir os cidadãos, estes
não recusem o que é objetivamente exigido pelo bem comum; contudo, é lícito
defenderem os seus direitos e os de seus concidadãos contra os abusos do poder,
guardados os limites traçados pela lei natural e pela lei evangélica.”
É assim que as
grandes manifestações estão acontecendo, como a do último dia 13 de março de
2016. Concorde-se ou discorde-se, são milhões de pessoas que saíram na rua em
ordem e com tranquilidade, para manifestar sua revolta com a corrupção. Não
seguiam qualquer suposto “messias”, nem estavam saudosas de épocas
passadas. Apenas exercem com simplicidade o direito à manifestação pública,
como a Constituição lhes garante. Não há messianismo no caso concreto.
Nem saudosismo de ditaduras, como se a democracia somente existisse se o
atual partido estiver sempre no poder, a pretexto de preocupações sociais ou
populares – como se fosse o monopolista do bem.
Há, isto sim, um
povo que acompanha uma grande força-tarefa com servidores de diversos órgãos de
Estado, como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público e o
Judiciário, que, após julgar e condenar, na Ação Penal 470 (mensalão),
inclusive no Supremo Tribunal Federal, um grande esquema de desvio público,
depara-se agora com um esquema maior ainda. Se o povo manifesta empolgação com
esta ou aquela figura do Judiciário ou do Ministério Público, isto não se dá
por messianismo, senão por decepção com os líderes políticos em geral.
A pluralidade
de opiniões políticas e a verdade como libertação.
É claro que
dentro da Igreja convivem diversas opiniões. E deve ser assim: em matéria de
opinião política, a pluralidade é esperada.
Ficamos felizes
porque nossos pastores não se deixam enganar pelos que usam uma linguagem que desqualifica
o debate, que reduz a população descontente com a corrupção a uma “massa
de conservadores” ou de “alienados manipulados”, que imputa às
manifestações de descontentamento com o governo a certa “imprensa golpista”
ou que desqualifica a atitude firme de alguns agentes públicos de investigação
como “messianismo”. Sabemos que, mais do que ninguém, a Igreja é capaz
de saber que não é verdade que os políticos estão “todos no mesmo saco”,
como se todos fossem igualmente corruptos e os atuais fossem “perseguidos”
porque são” sociais”. Há gente correta lutando no mundo da
política, que é o campo próprio da atuação dos leigos. São poucos, é
certo, mas não merecem ser todos colocados no mesmo saco. Não
imaginaríamos, portanto, que nossos pastores afirmassem que todos os leigos na
política são iguais na corrupção, para defender este ou aquele por causa de supostos
engajamentos sociais.
É claro que
muitas vezes esta ou aquela manifestação destoante pode sair numa página eclesial
oficial, mas estamos certos de que nossos pastores estão muito atentos também a
isto.
É sempre muito
bom ouvir uma palavra que conduz ao respeito recíproco no debate, à pacificação
dos ânimos e à livre manifestação democrática de opiniões, levando a
sério o que o nosso povo está sentindo. Sempre o fazem, com muita
justiça e retidão. Não queremos jamais imaginar que alguém dentro da Igreja
pudesse acreditar que implantar esta ou aquela ideologia no país
justificasse valer-se da estrutura eclesial para algum outro fim que não fosse
o de evangelizar o mundo com a verdade de fé, de moral e a legítima
doutrina social da Igreja. O Papa Francisco tem denunciado com palavras muito
fortes a corrupção. É o roubo daquilo que é comum, é o empobrecimento dos que mais
precisam, e nenhuma ideologia pode justificar isto.
De fato, Jesus
Cristo libertador não é aquele engajado em supostas lutas ou movimentos sociais
que escondem muitas vezes interesses inconfessáveis de quem já não acredita nem
no Evangelho, nem na Tradição, nem no Magistério. O verdadeiro Jesus Cristo é o
que nos conduz à verdade. Porque só a verdade nos liberta.
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ZENIT
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