sexta-feira, 25 de março de 2016

Santo Tarásio


Santo Tarásio nasceu em 730 e recebeu uma ótima educação cristã e literária; tinha como pai o prefeito de Constantinopla. São Tarásio era de caráter zeloso de tal forma que foi nomeado pelo imperador a um alto cargo imperial. São Tarásio enfrentou em Deus todas as tentações próprias da sociedade cheia de luxo e tentação.

No século VIII a heresia iconoclasta, promovida da pelo imperador Leão, acusa o culto às imagens como uma prática de idolatria. Ao assumir o patriarcado, São Tarásio em comunhão com o Papa combateu e conseguiu condenar esta heresia num Concílio.

São Tarásio foi um grande defensor da imagens na igreja, envolvendo-se na chamada luta iconoclasta. Estavam contra as imagens os imperadores bizantinos e os defensores das imagens eram o monges, opositores do imperial e de suas regalias absurdas. Briga era mais política que religiosa. Usando sua influência, Tarásio conseguiu a convocação de um Concílio para resolver esta questão.

Tárasio, homem de profundo conhecimento teológico e chefe da chancelaria imperial, não temeu defender a posição dos monges. Cuidadoso com suas ovelhas tinha como um grande espírito de serviço, ao ponte de dizer ao ser questionado pelo seu especial cuidado para com os pobres: "Minha única ambição é imitar Nosso Senhor Jesus Cristo que viveu para servir e não para ser servido".

Tarásio foi um forte defensor da moral cristã e da indissolubilidade do matrimônio, opondo-se radicalmente ao Imperador Constatino VI, que pretendia estabelecer a possibilidade de divórcio e segundas núpcias.

Nosso santo foi grande devoto de Maria, a quem saudava dizendo: “Salve, ó mediadora de tudo o que há embaixo do céu, salve reparadora do universo, salve cheia de graça, o Senhor está sempre contigo, Ele que existia antes que viesses ao mundo, mas que quis nascer de ti para viver conosco”.

São Tarásio morreu na idade de setenta e seis anos e foi sepultado no santuário de Bósforo. 



Deus de bondade, concedei-nos pela intercessão de São Tarásio, a fidelidade ao Evangelho e a graça de conseguir conciliar a fé e as obras em nossa vida. Pedimos isso em nome de Cristo, nosso Senhor. Amém.

Sexta-feira Santa: Cristo na Cruz


Hoje queremos acompanhar Cristo na Cruz. Recordo umas palavras de São Josemaria, numa Sexta-Feira Santa. Convidava-nos a reviver pessoalmente as horas da Paixão: desde a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras até à flagelação, a coroação de espinhos e a morte na Cruz. Dizia: “atada a onipotência de Deus por mão de homem levam o meu Jesus de um lado para outro, entre os insultos e os empurrões da multidão”.

Cada um de nós pode se ver no meio daquela multidão, porque foram os nossos pecados a causa da imensa dor que se abate sobre a alma e o corpo do Senhor. Sim: cada um de nós leva Cristo, convertido em objeto de troça, de uma a outra parte. Somos nós que, com os nossos pecados, reclamamos aos gritos a sua morte. E Ele, perfeito Deus e perfeito Homem, deixa-nos agir. Tinha-o predito o profeta Isaías: maltratado, não abriu a sua boca; como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante os tosquiadores.

É justo que sintamos a responsabilidade dos nossos pecados. É lógico que estejamos muito agradecidos a Jesus. É natural que procuremos a reparação, porque às nossas manifestações de desamor, Ele responde sempre com um amor total. Neste tempo da Semana Santa, vemos o Senhor mais próximo, mais semelhante aos seus irmãos os homens... Meditemos umas palavras de João Paulo II: “Quem crê em Jesus crucificado e ressuscitado leva a Cruz como um triunfo, como prova evidente de que Deus é amor... Mas a fé em Cristo nunca se pode dar por pressuposta. O mistério pascal, que reviveremos nos dias da Semana Santa, é sempre atual” (Homilia, 24-III-2002).

Peçamos a Jesus, nesta Semana Santa, que desperte na nossa alma a consciência de ser homens e mulheres verdadeiramente cristãos, para que vivamos de cara a Deus e, com Deus, voltados a todas as pessoas.

Não deixemos que o Senhor leve a Cruz sozinho. Acolhamos com alegria os pequenos sacrifícios diários.

Aproveitemos a capacidade de amar, que Deus nos concedeu, para concretizar propósitos, mas sem ficarmos num mero sentimentalismo. Digamos sinceramente: Senhor, nunca mais! Nunca mais! Peçamos com fé para que nós e todas as pessoas da terra descubramos a necessidade de ter ódio ao pecado mortal e de repelir o pecado venial deliberado, que tantos sofrimentos causaram ao nosso Deus. 

Anunciação do Senhor*


Neste dia, a Igreja festeja solenemente o anúncio da Encarnação do Filho de Deus. O tema central desta grande festa é o Verbo Divino que assume nossa natureza humana, sujeitando-se ao tempo e espaço.

Hoje é o dia em que a eternidade entra no tempo ou, como afirmou o Papa São Leão Magno: “A humildade foi assumida pela majestade; a fraqueza, pela força; a mortalidade, pela eternidade.”

Com alegria contemplamos o mistério do Deus Todo-Poderoso, que na origem do mundo cria todas as coisas com sua Palavra, porém, desta vez escolhe depender da Palavra de um frágil ser humano, a Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Filho Redentor:

“No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem e disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.’ Não temas , Maria, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo:’ O Espírito Santo descerá sobre ti. Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tu palavra’” (cf. Lc 1,26-38).

Sendo assim, hoje é o dia de proclamarmos: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14a). E fazermos memória do início oficial da Redenção de TODOS, devido à plenitude dos tempos. É o momento histórico, em que o SIM do Filho ao Pai precedeu o da Mãe: “Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). Mas não suprimiu o necessário SIM humano da Virgem Santíssima.

Cumprindo desta maneira a profecia de Isaías: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco” (Is 7,14). Por isso rezemos com toda a Igreja:


Ó Deus, quisestes que vosso Verbo se fizesse homem no seio da Virgem Maria; dai-nos participar da divindade do nosso Redentor, que proclamamos verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Por nosso Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.


* Quando esta solenidade cai na Semana Santa, é transferida para o primeiro dia livre após a oitava de páscoa.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Meditações da Via Sacra 2016 com o Papa Francisco



 
DEPARTAMENTO PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
DO SUMO PONTÍFICE
SEXTA-FEIRA SANTA PAIXÃO DO SENHOR
VIA-SACRA PRESIDIDA PELO PAPA FRANCISCO NO COLISEU
«DEUS É MISERICÓRDIA»

MEDITAÇÕES de Sua Eminência Reverendíssima Cardeal D. Gualtiero Bassetti - Arcebispo de Perugia – Città della Pieve

INTRODUÇÃO

Schola cantorum:
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi,
quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.
Domine, miserere nobis.

Santo Padre:
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
R/. Amen.
«Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação!» (2 Cor 1, 3).

Neste Jubileu extraordinário, a própria Via-Sacra de Sexta-feira Santa nos atrai com uma força especial, a força da misericórdia do Pai Celeste, que quer derramar o seu Espírito de graça e consolação sobre todos nós.
A misericórdia é o canal da graça que, de Deus, chega a todos os homens e mulheres de hoje. Homens e mulheres frequentemente extraviados e confusos, materialistas e idólatras, pobres e sós. Membros duma sociedade que parece ter feito desaparecer o pecado e a verdade.

«Contemplarão aquele a quem trespassaram» (Zc 12, 10): que estas palavras proféticas de Zacarias se cumpram também em nós nesta noite! Que o olhar se erga das nossas misérias sem fim, para se fixar n’Ele, Cristo Senhor, Amor Misericordioso. Então poderemos encontrar o seu rosto e ouvir as suas palavras: «Amei-te com um amor eterno» (Jr 31, 3). Ele, com o seu perdão, apaga os nossos pecados e abre-nos o caminho da santidade, no qual abraçaremos a nossa cruz, juntamente com Ele, por amor dos irmãos. A fonte, que lavou o nosso pecado, tornar-se-á em nós uma «fonte de água que dá a vida eterna» (Jo 4, 14).

Breve pausa de silêncio

Oremos:
Eterno Pai,
através da Paixão do vosso dileto Filho,
quisestes revelar-nos o vosso coração
e dar-nos a vossa misericórdia.
Fazei que, unidos a Maria, sua e nossa Mãe,
saibamos acolher e guardar sempre o dom do amor.
Seja Ela, Mãe da Misericórdia,
a apresentar-Vos as orações
que Vos elevamos por nós e por toda a humanidade,
para que a graça desta Via-Sacra
chegue a cada coração humano
e nele infunda nova esperança,
aquela esperança indestrutível
que irradia da Cruz de Jesus,
o Qual vive e reina convosco
na unidade do Espírito Santo
por todos os séculos dos séculos.
Amém.

Sacerdotes são ministros da Misericórdia, diz Papa na Missa do Crisma


SANTA MISSA CRISMAL
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Quinta-feira Santa, 24 de Março de 2016


Na sinagoga de Nazaré, ao escutarem dos lábios de Jesus – depois que Ele leu o trecho de Isaías – as palavras «cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura que acabais de ouvir» (Lc 4, 21), poderia muito bem ter irrompido uma salva de palmas; em seguida, com íntima alegria, teriam podido chorar suavemente como chorava o povo quando Neemias e o sacerdote Esdras liam o livro da Lei, que tinham encontrado ao reconstruir as muralhas. Mas os Evangelhos dizem-nos que os sentimentos surgidos nos conterrâneos de Jesus situavam-se no lado oposto: afastaram-No e fecharam-Lhe o coração. Ao princípio, «todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca» (Lc 4, 22); mas depois uma pergunta insidiosa começou a circular entre eles: «Não é este o filho de José, o carpinteiro?» E, por fim, «encheram-se de furor» (Lc 4, 28); queriam precipitá-Lo do cimo do penhasco... Cumpria-se assim aquilo que o velho Simeão profetizara a Nossa Senhora: será «sinal de contradição» (Lc 2, 34). Com as suas palavras e os seus gestos, Jesus faz com que se revele aquilo que cada homem e mulher traz no coração.

E precisamente onde o Senhor anuncia o evangelho da Misericórdia incondicional do Pai para com os mais pobres, os mais marginalizados e oprimidos, aí somos chamados a escolher, a «combater o bom combate da fé» (1 Tim 6, 12). A luta do Senhor não é contra os seres humanos, mas contra o demónio (cf. Ef 6, 12), inimigo da humanidade. Assim o Senhor, «passando pelo meio» daqueles que queriam liquidá-Lo, «seguiu o seu caminho» (cf. Lc 4, 30). Jesus não combate para consolidar um espaço de poder. Se destrói recintos e põe as seguranças em questão, é para abrir uma brecha à torrente da Misericórdia que deseja, com o Pai e o Espírito, derramar sobre a terra. Uma Misericórdia que move de bem para melhor, anuncia e traz algo de novo: cura, liberta e proclama o ano de graça do Senhor.

A Misericórdia do nosso Deus é infinita e inefável; e expressamos o dinamismo deste mistério como uma Misericórdia «sempre maior», uma Misericórdia em caminho, uma Misericórdia que todos os dias procura fazer avançar um passo, um pequeno passo mais além, avançando na terra de ninguém, onde reinavam a indiferença e a violência.

Foi esta a dinâmica do bom Samaritano, que «usou de misericórdia» (cf. Lc 10, 37): comoveu-se, aproximou-se do ferido, faixou as suas feridas, levou-o para a pousada, pernoitou e prometeu voltar para pagar o que tivessem gasto a mais. Esta é a dinâmica da Misericórdia, que encadeia um pequeno gesto noutro e, sem ofender nenhuma fragilidade, vai-se alargando aos poucos na ajuda e no amor. Cada um de nós, contemplando a própria vida com o olhar bom de Deus, pode fazer um exercício de memória descobrindo como o Senhor usou de misericórdia para conosco, como foi muito mais misericordioso do que pensávamos, e assim encorajar-nos a pedir-Lhe que faça um pequeno passo mais, que Se mostre muito mais misericordioso no futuro. «Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia» (Sal 85/84, 8). Esta forma paradoxal de suplicar um Deus sempre mais misericordioso ajuda a romper aqueles esquemas estreitos onde muitas vezes acomodamos a superabundância do seu Coração. Faz-nos bem sair dos nossos recintos, porque é próprio do coração de Deus transbordar de misericórdia, inundar, espalhando de tal modo a sua ternura que sempre abunde, porque o Senhor prefere ver alguma coisa desperdiçada antes que faltar uma gota, prefere que muitas sementes acabem comidas pelas aves em vez de faltar à sementeira uma única semente, visto que todas têm a capacidade de dar fruto abundante, ora 30, ora 60, e até mesmo 100 por uma.

Como sacerdotes, somos testemunhas e ministros da Misericórdia cada vez maior do nosso Pai; temos a doce e reconfortante tarefa de a encarnar como fez Jesus que «andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando» (At 10, 38), de mil e uma maneiras, para que chegue a todos. Podemos contribuir para inculturá-la, a fim de que cada pessoa a receba na sua experiência pessoal de vida e possa, assim, compreendê-la e praticá-la – de forma criativa – no modo de ser próprio do seu povo e da sua família.

Via-Sacra: 12ª Estação: “Jesus morre na Cruz” (S. João 19,28-30).


«Tenho sede». «Tudo está consumado».

Nestas duas frases, Jesus confia-nos, com um olhar voltado para a humanidade e outro para o Pai, o desejo ardente que envolveu a sua pessoa e a sua missão: o amor ao homem e a obediência ao Pai. Um amor horizontal e um amor vertical: eis o desenho da Cruz! E do ponto de encontro deste duplo amor, lá onde Jesus inclina a cabeça, brota o Espírito Santo, primeiro fruto do seu regresso ao Pai.

Neste sopro vital da consumação, vibra a lembrança da obra da criação agora redimida; mas vibra também o apelo a todos nós, crentes n’Ele, para «completarmos aquilo que falta, das tribulações de Cristo, na nossa carne». Até que tudo esteja consumado! Senhor Jesus, morto por nós!

Eis o nosso maior inimigo, a morte! Parece vencedora, mas vencida no silêncio e na dor de um Deus que soube se fazer igual a nós para nos salvar. Morreu a nossa morte para nos dá a Sua Eterna Vida. Olha para essa cruz e para esse crucificado e diz para toda situação de morte e fracasso de sua vida, para os seus pecados e franquezas, para a morte: Eu sou vencedor! O amor venceu o amor sempre vencerá, em Cristo eu sou mais que vencedor. Não murmurarei mais sobre minha cruz, minhas dores e sofrimentos, farei deles o altar de minha vitória. “A cruz sagrada seja minha luz, não seja o dragão o meu guia, retira-te satanás. Nunca me aconselhes coisas vãs, é mal o que tu me ofereces bebe tu mesmo os teus venenos”…

“Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?”

No cimo da cruz de Jesus – nas duas línguas do mundo de então, o grego e o latim, e na língua do povo eleito, o hebraico – está escrito quem é: o Rei dos Judeus, o Filho prometido a David. Pilatos, o juiz injusto, tornou-se profeta sem querer. Perante a opinião pública mundial é proclamada a realeza de Jesus. O próprio Jesus não tinha aceitado o título de Messias, enquanto poderia induzir a uma ideia errada, humana, de poder e de salvação. Mas, agora, o título pode estar escrito ali publicamente sobre o Crucificado. Ele, assim, é verdadeiramente o rei do mundo. Agora foi verdadeiramente «elevado». Na sua descida, Ele subiu. Agora cumpriu radicalmente o mandamento do amor, cumpriu a oferta de Si próprio, e precisamente deste modo Ele é agora a manifestação do verdadeiro Deus, daquele Deus que é amor. Agora sabemos quem é Deus. Agora sabemos como é a verdadeira realeza. Jesus reza o Salmo 22, que começa por estas palavras: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Sal 22/21, 2). Assume em Si mesmo todo o Israel, a humanidade inteira, que sofre o drama da escuridão de Deus, e faz com que Deus Se manifeste precisamente onde parece estar definitivamente derrotado e ausente. A cruz de Cristo é um acontecimento cósmico. O mundo fica na escuridão, quando o Filho de Deus sofre a morte. A terra treme. E junto da cruz tem início a Igreja dos pagãos. O centurião romano reconhece, compreende que Jesus é o Filho de Deus. Da cruz, Ele triunfa sem cessar.

Senhor Jesus Cristo, na hora da vossa morte, o sol escureceu. Sois pregado na cruz sem cessar. Precisamente nesta hora da história, vivemos na escuridão de Deus. Pelo sofrimento sem medida e pela maldade dos homens o rosto de Deus, o vosso rosto, aparece obscurecido, irreconhecível. Mas foi precisamente na cruz que Vos fizestes reconhecer. Precisamente enquanto sois Aquele que sofre e que ama, sois aquele que é elevado. Foi precisamente lá que triunfastes. Ajudai-nos a reconhecer, nesta hora de escuridão e confusão, o vosso rosto. Ajudai-nos a crer em Vós e a seguir-Vos precisamente na hora da escuridão e da privação. Mostrai-Vos novamente ao mundo nesta hora. Fazei com que a vossa salvação se manifeste.

No cimo da Cruz, está escrita a causa da condenação: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus (Jo XIX, 19). E todos os que passam por ali O injuriam e O escarnecem.

- Se é o rei de Israel, desça agora da Cruz (Mt XXVII, 42).

Um dos ladrões vem em Sua defesa:

- Este não fez nenhum mal (Lc XXIII, 41).

Depois, dirige a Jesus uma petição humilde, cheia de fé:

- Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no Teu Reino (Lc XXIII, 42).

- Em verdade te digo que, hoje mesmo, estarás contigo no Paraíso (Lc XXIII, 43).

Maria, Sua Mãe, está junto da Cruz, com outras santas mulheres. Jesus olha-a e olha, depois, para o discípulo que ama e diz a Sua Mãe:

- Mulher, aí tens o teu filho.

Depois, diz ao discípulo:

- Aí tens a tua Mãe (Jo XIX, 26-27).

Apaga-se a luminária do céu e a terra fica mergulhada em trevas. São cerca das três, quando Jesus exclama:

- Elí, Elí, lamma sabachtani?! Isto é: Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste (Mt XXVII, 46)?

Depois, sabendo que todas as coisas estão prestes a ser consumadas, para que se cumpra as Escrituras, diz:

- Tenho sede (Jo XIX, 28).

Os soldados embebem uma esponja em vinagre e, atando-a a uma cana de hissope, aproximam-Lha da boca. Jesus sorve o vinagre e exclama:

- Tudo está consumado (Jo XIX, 30).

O véu do templo rasga-se e a terra treme, quando o Senhor brada com voz forte:

- Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito (Lc XXIII, 46). E expira. Ama o sacrifício que é fonte de vida interior. Ama a Cruz que é altar do sacrifício. Ama a dor até beber, como Cristo, as fez do cálice. 

Três ensinamentos místicos no Lava-Pés.


"Depois lançou água numa bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos, e a limpar-lhos com a toalha com que estava cingido" (Jo 13, 5)

Nesta passagem podemos tirar três ensinamentos místicos:

1. A água que lançou numa bacia significa a efusão de seu sangue na terra. Com efeito, o sangue de Jesus pode ser chamado água, pois tem poder para lavar.
E foi por isso que, na cruz, saiu de seu lado traspassado sangue e água, para dar a compreender que seu sangue tem poder para lavar os pecados. Também podemos compreender, pela água, a Paixão de Cristo. "lançou água numa bacia", i. é, imprimiu a memória da sua Paixão nas almas dos fiéis pela fé e pela devoção. "Lembra-te da minha pobreza e tribulação - absinto e fel que me fazem beber" (Lm 3, 19). 

2. Ao dizer "começou a lavar os pés dos discípulos", faz alusão à imperfeição humana; pois os Apóstolos, depois de Cristo, eram os mais perfeitos e, no entanto, precisavam ser purificados, pois tinham algumas impurezas. Isso nos mostra que o homem, por melhor que seja, tem necessidade de se aperfeiçoar; e que contrai algumas manchas, conforme aquilo dos Provérbios (20, 9): "Quem pode dizer: O meu coração está puro, estou limpo do pecado?". Contudo, estão sujos apenas nos pés.

Outros, ao contrário, não estão sujos apenas nos pés, estão totalmente sujos. Ora, os que jazem no chão sujam-se totalmente com as imundices da terra. Do mesmo modo, sujam-se totalmente os que se apegam totalmente às coisas da terra, já pelo sentimento, já pelos sentidos.  

Mas os que estão de pé, ou seja, os que buscam as coisas céu com o espírito e o coração, estão sujos apenas nos pés. Ora, assim como o homem de pé precisa ao menos tocar a terra com os pés para sustentar-se, nós, enquanto vivermos nessa vida mortal, que precisa das coisas terrestres para o sustento do corpo, contraímos algumas manchas, ao menos pelos sentidos. Por isso o Senhor recomenda aos discípulos sacudir o pó dos seus pés (Lc 9, 5).

O Cordeiro imolado libertou-nos da morte para a vida


Muitas coisas foram preditas pelos profetas sobre o mistério da Páscoa, que é Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém (Gl 1,5). Ele desceu dos céus à terra para curar a enfermidade do homem; revestiu-se da nossa natureza no seio da Virgem e se fez homem; tomou sobre si os sofrimentos do homem enfermo num corpo sujeito ao sofrimento, e destruiu as paixões da carne; seu espírito, que não pode morrer, matou a morte homicida.

Foi levado como cordeiro e morto como ovelha; libertou-nos das seduções do mundo, como outrora tirou os israelitas do Egito; salvou-nos da escravidão do demônio, como outrora fez sair Israel das mãos do faraó; marcou nossas almas como sinal do seu Espírito e os nossos corpos com seu sangue.

Foi ele que venceu a morte e confundiu o demônio, como outrora Moisés ao faraó. Foi ele que destruiu a iniquidade e condenou a injustiça à esterilidade, como Moisés ao Egito.

Foi ele que nos fez passar da escravidão para a liberdade, das trevas para a luz, da morte para a vida, da tirania para o reino sem fim, e fez de nós um sacerdócio novo, um povo eleito para sempre. Ele é a Páscoa da nossa salvação.

Foi ele que tomou sobre si os sofrimentos de muitos: foi morto em Abel; amarrado de pés e mãos em Isaac; exilado de sua terra em Jacó; vendido em José; exposto em Moisés; sacrificado no cordeiro pascal; perseguido em Davi e ultrajado nos profetas.

Foi ele que se encarnou no seio da Virgem, foi suspenso na cruz, sepultado na terra e, ressuscitando dos mortos, subiu ao mais alto dos céus.

Foi ele o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro imolado, nascido de Maria, a bela ovelhinha; retirado do rebanho, foi levado ao matadouro, imolado à tarde e sepultado à noite; ao ser crucificado, não lhe quebraram osso algum, e ao ser sepultado, não experimentou a corrupção; mas ressuscitando dos mortos, ressuscitou também a humanidade das profundezas do sepulcro.



Da Homilia sobre a Páscoa, de Melitão de Sardes, bispo
(N.65-71: SCh123,94-100) 

(Séc.II)