DEPARTAMENTO
PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
DO
SUMO PONTÍFICE
SEXTA-FEIRA
SANTA PAIXÃO DO SENHOR
VIA-SACRA
PRESIDIDA PELO PAPA FRANCISCO NO COLISEU
«DEUS
É MISERICÓRDIA»
MEDITAÇÕES de Sua Eminência Reverendíssima
Cardeal D. Gualtiero Bassetti - Arcebispo de Perugia – Città della Pieve
INTRODUÇÃO
Schola cantorum:
Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi,
quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Domine, miserere
nobis.
Santo Padre:
Em nome do Pai e
do Filho e do Espírito Santo.
R/. Amen.
«Bendito seja
Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de
toda a consolação!» (2 Cor 1, 3).
Neste Jubileu
extraordinário, a própria Via-Sacra de Sexta-feira Santa nos atrai com uma
força especial, a força da misericórdia do Pai Celeste, que quer derramar o seu
Espírito de graça e consolação sobre todos nós.
A misericórdia é
o canal da graça que, de Deus, chega a todos os homens e mulheres de hoje.
Homens e mulheres frequentemente extraviados e confusos, materialistas e
idólatras, pobres e sós. Membros duma sociedade que parece ter feito
desaparecer o pecado e a verdade.
«Contemplarão
aquele a quem trespassaram» (Zc 12, 10): que estas palavras proféticas de
Zacarias se cumpram também em nós nesta noite! Que o olhar se erga das nossas
misérias sem fim, para se fixar n’Ele, Cristo Senhor, Amor Misericordioso.
Então poderemos encontrar o seu rosto e ouvir as suas palavras: «Amei-te com um
amor eterno» (Jr 31, 3). Ele, com o seu perdão, apaga os nossos pecados e
abre-nos o caminho da santidade, no qual abraçaremos a nossa cruz, juntamente
com Ele, por amor dos irmãos. A fonte, que lavou o nosso pecado, tornar-se-á em
nós uma «fonte de água que dá a vida eterna» (Jo 4, 14).
Breve pausa de silêncio
Oremos:
Eterno Pai,
através da
Paixão do vosso dileto Filho,
quisestes
revelar-nos o vosso coração
e dar-nos a
vossa misericórdia.
Fazei que,
unidos a Maria, sua e nossa Mãe,
saibamos acolher
e guardar sempre o dom do amor.
Seja Ela, Mãe da
Misericórdia,
a apresentar-Vos
as orações
que Vos elevamos
por nós e por toda a humanidade,
para que a graça
desta Via-Sacra
chegue a cada
coração humano
e nele infunda
nova esperança,
aquela esperança
indestrutível
que irradia da
Cruz de Jesus,
o Qual vive e
reina convosco
na unidade do
Espírito Santo
por todos os
séculos dos séculos.
Amém.
I
ESTAÇÃO: Jesus é condenado à morte
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15, 14-15)
«Pilatos
insistiu: “Que fez Ele de mal?” Mas eles gritaram ainda mais: “Crucifica-O!”
Pilatos, desejando agradar à multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de
mandar flagelar Jesus, entregou-O para ser crucificado».
Jesus está
sozinho diante do poder deste mundo. E submete-Se completamente à justiça dos
homens.
Pilatos
depara-se com um mistério que é incapaz de compreender. Questiona-se e pede
explicações. Procura uma solução e chega, talvez, ao limiar da verdade. Mas
opta por não atravessá-lo. Entre a vida e a verdade, escolhe a vida própria.
Entre o hoje e a eternidade, escolhe o hoje.
A multidão
escolhe Barrabás e abandona Jesus. A multidão quer a justiça na terra e escolhe
o justiceiro: aquele que poderia libertá-los da opressão e do jugo da
escravidão. Mas a justiça de Jesus não se realiza com uma revolução: passa
através do escândalo da cruz. Jesus subverte qualquer plano de libertação,
porque toma sobre Si o mal do mundo e não responde ao mal com o mal. E isto… os
homens não o compreendem. Não compreendem que, duma derrota do homem, possa
derivar a justiça de Deus.
Hoje, cada um de
nós é parte integrante desta multidão que grita: «Crucifica-O». Ninguém pode
sentir-se excluído. Com efeito, a multidão e Pilatos estão dominados por um
sentimento interior que acomuna todos os seres humanos: o medo. O medo de
perder os próprios apoios, os próprios bens, a própria vida. Mas Jesus indica
outra estrada.
Senhor Jesus,
como nos
sentimos parecidos com estes personagens!
Há tanto medo na
nossa vida!
Temos medo do
outro diferente, do estrangeiro, do migrante.
Sentimos temor
do futuro, dos imprevistos, da miséria.
Tanto medo nas
nossas famílias, nos locais de trabalho, nas nossas cidades…
E talvez
tenhamos medo também de Deus:
aquele medo do juízo
divino que nasce da pouca fé,
da falta de
conhecimento do seu coração,
da incerteza a
propósito da sua misericórdia.
Senhor Jesus,
condenado pelo medo dos homens,
livrai-nos do
temor do vosso juízo.
Fazei que o
grito das nossas angústias não nos impeça
de sentir a
força suave do vosso convite: «Não tenhais medo!»
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Stabat Mater
dolorosa
iuxta crucem
lacrimosa,
dum pendebat
Filius.
II
ESTAÇÃO: Jesus é carregado com a cruz
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15,20): «Depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto
de púrpura e revestiram-No das suas vestes. Levaram-No, então, para O
crucificarem».
O medo proferiu
a sentença, mas não pode dar-se a conhecer e esconde-se por trás dos
comportamentos do mundo: escárnio, humilhação, violência e zombaria. Agora
Jesus é revestido com as suas roupas, com a sua simples humanidade, dolorosa e
sanguinolenta, já sem qualquer «púrpura» nem qualquer sinal da sua divindade.
E, assim, O apresenta Pilatos: «Ecce homo!» (Jo 19, 5).
Esta é a
condição de quantos seguem Cristo. O cristão não procura o aplauso do mundo,
nem o consenso das praças. O cristão não adula nem diz mentiras para conquistar
o poder. O cristão aceita o escárnio e as humilhações que derivam do amor à
verdade.
«Que é a
verdade?» (Jo 18, 38) – perguntara Pilatos a Jesus. Esta é a pergunta de todos
os tempos. É a pergunta de hoje. Eis a verdade: a verdade do Filho do homem
predito pelos Profetas (cf. Is 52, 13 – 53, 12), um rosto humano desfigurado
que revela a fidelidade de Deus.
Muitas vezes,
porém, andamos à procura duma verdade barata, cómoda para a nossa vida, que dê
resposta às nossas inseguranças ou mesmo satisfaça os nossos mais baixos
interesses. Desta forma, acabamos por nos contentar com verdades parciais e
aparentes, deixando-nos enganar pelos «profetas da desgraça, que sempre
anunciam o pior» (São João XXIII), ou por encantadores de serpentes que
anestesiam o nosso coração com músicas aduladoras que nos afastam do amor de
Cristo.
O Verbo de Deus
fez-Se homem,
veio contar-nos
toda a verdade sobre Deus e o homem.
Deus é Aquele
que toma a cruz sobre os seus ombros (cf. Jo 19, 17)
e segue pelo
caminho do dom misericordioso de Si mesmo.
E o homem, que
se realiza na verdade, é aquele que O segue neste mesmo caminho.
Senhor Jesus,
concedei-nos a graça de Vos contemplar na teofania da cruz,
o ponto mais
alto da vossa revelação,
e de reconhecer,
no esplendor misterioso do vosso rosto,
também os traços
do nosso rosto.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Cuius animam
gementem,
contristatam et
dolentem
pertransivit
gladius.
III
ESTAÇÃO: Jesus cai pela primeira vez sob a cruz
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do
profeta Isaías (53, 4.7)
«Na verdade, ele
tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós o reputávamos
como um leproso, ferido por Deus e humilhado. (…) Foi maltratado, mas
humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro, ou
como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador».
Jesus é o
Cordeiro, anunciado pelo profeta, que tomou sobre os ombros o pecado da
humanidade inteira. Tomou sobre Si a fraqueza do amado, das suas dores e
crimes, das suas iniquidades e maldições. Chegamos ao ponto extremo da
encarnação do Verbo. Mas há um ponto ainda mais baixo: Jesus cai sob o peso
desta cruz. Um Deus que cai!
Nesta queda,
temos Jesus que dá sentido ao sofrimento dos seres humanos. Para o homem, o
sofrimento é, às vezes, um absurdo, é incompreensível para a mente, um
prenúncio de morte. Há situações de sofrimento que parecem negar o amor de
Deus. Onde está Deus nos campos de extermínio? Onde está Deus nas minas e nas
fábricas onde trabalham as crianças como escravas? Onde está Deus nas carretas
do mar que afundam no Mediterrâneo?
Jesus cai sob o
peso da cruz, mas não fica esmagado. Ali está Cristo. Escória entre as escórias.
Último com os últimos. Náufrago entre os náufragos.
Deus tomou tudo
isto sobre Si. Um Deus que, por amor, renuncia a mostrar a sua omnipotência.
Mas mesmo assim, precisamente assim, caído na terra como um grão de trigo, Deus
é fiel a Si mesmo: fiel no amor.
Nós Vos pedimos,
Senhor,
por todas as
situações de sofrimento que parecem não ter sentido,
pelos judeus
mortos nos campos de extermínio,
pelos cristãos
mortos por ódio à fé,
pelas vítimas de
toda a perseguição,
pelas crianças
que são escravizadas no trabalho,
pelos inocentes
que morrem nas guerras.
Fazei-nos
compreender, Senhor,
quão grande
liberdade e força interior existem
nesta revelação
inédita da vossa divindade,
tão humana que
cai sob a cruz dos pecados do homem,
tão divinamente
misericordiosa que derrota o mal que nos oprimia.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos dimittimus
debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
O quam tristis
et afflicta
fuit illa
benedicta
Mater Unigeniti!
IV
ESTAÇÃO: Jesus encontra sua Mãe
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Lucas (2, 34-35.51)
«Simeão
abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: “Este menino está aqui para queda e
ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada
trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos
corações. (…) Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração».
Deus quis que a
vida viesse ao mundo através das dores do parto: através dos sofrimentos duma
mãe que dá a vida ao mundo. Todos precisam de uma Mãe, inclusive Deus. «O Verbo
fez-Se homem» (Jo 1, 14) no ventre duma Virgem. Maria acolheu-O, deu-O à luz em
Belém, envolveu-O em panos, defendeu-O e ajudou-O a crescer com o calor do seu
amor, e chegou juntamente com Ele à sua «hora».
Agora, no
Calvário, cumpre-se a profecia de Simeão: uma espada trespassa-Lhe a alma.
Maria revê o Filho, desfigurado e exausto sob o peso da cruz. Olhos lacrimosos,
aqueles da Mãe, que participa completamente no sofrimento do Filho, mas olhos
também cheios de esperança, que, desde o dia do seu «sim» ao anúncio do anjo
(cf. Lc 1, 26-38), não deixaram jamais de refletir aquela luz divina que
resplandece mesmo neste dia de sofrimento.
Maria é esposa
de José e mãe de Jesus. Ontem como hoje, a família é o coração pulsante da
sociedade, célula inalienável da vida comum; arquitrave insubstituível das
relações humanas; amor para sempre, que salvará o mundo.
Maria é mulher e
mãe. Génio feminino e ternura. Sabedoria e caridade. Como Mãe de todos, Maria é
«sinal de esperança para os povos que sofrem as dores do parto», é «a
missionária que Se aproxima de nós, para nos acompanhar ao longo da vida» e,
«como uma verdadeira mãe, caminha conosco, luta conosco e aproxima-nos
incessantemente do amor de Deus» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 286).
Maria, Mãe do
Senhor,
Vós fostes, para
o vosso divino Filho, o primeiro reflexo da misericórdia do seu Pai,
aquela
misericórdia que Lhe pedistes para manifestar em Caná.
Agora que o
vosso Filho nos revela o Rosto do Pai
até às extremas
consequências do amor,
seguis, em
silêncio, os seus passos, primeira discípula da cruz.
Maria, Virgem
fiel,
cuidai de todos
os órfãos da Terra,
protegei todas
as mulheres, objecto de exploração e violência.
Suscitai
mulheres corajosas em prol do bem da Igreja.
Inspirai cada
mãe a educar os seus filhos na ternura do amor de Deus,
e, na hora da
provação, a acompanhar o seu caminho
com a força
silenciosa da sua fé.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Quæ mærebat et
dolebat
pia Mater, dum
videbat
Nati pœnas
incliti.
V
ESTAÇÃO: Jesus é ajudado por Simão de Cirene a levar a cruz
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15, 21-22)
«Para Lhe levar
a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um
tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. E conduziram-No ao lugar do
Gólgota, que quer dizer “lugar do Crânio”».
Na história da
salvação, aparece um homem desconhecido. Simão de Cirene, um trabalhador que
voltava dos campos, é forçado a levar a cruz. Mas é precisamente nele que, em
primeiro lugar, atua a graça do amor de Cristo que passa através daquela cruz.
E Simão, forçado a levar um peso contra vontade, tornar-se-á um discípulo do
Senhor.
O sofrimento,
quando bate à nossa porta, nunca é esperado. Aparece sempre como uma
constrição, às vezes até como uma injustiça. E pode encontrar-nos
dramaticamente não preparados. Uma doença poderia arruinar os nossos planos de
vida. Um filho com deficiência poderia turbar os sonhos duma maternidade tão
desejada. Mas aquela tribulação não desejada bate, prepotentemente, ao coração
do ser humano. Como nos comportamos perante o sofrimento duma pessoa amada?
Quanta atenção prestamos ao grito de quem sofre, mas vive longe de nós?
O Cireneu
ajuda-nos a entrar na fragilidade da alma humana e põe em evidência outro
aspecto da humanidade de Jesus. Até o Filho de Deus precisou de alguém que O
ajudasse a levar a cruz. Quem é, então, o Cireneu? É a misericórdia de Deus,
que se torna presente na história dos seres humanos. Deus suja as mãos conosco,
com os nossos pecados e as nossas fraquezas. Não Se envergonha. E não nos
abandona.
Senhor Jesus,
nós Vos damos
graças por este dom
que excede todas
as expectativas
e nos revela a
vossa misericórdia.
Amastes-nos não
só até ao ponto de nos dar a salvação,
mas até nos
tornar instrumento de salvação.
Enquanto a vossa
cruz dá sentido a cada uma das nossas cruzes,
é-nos dada a
graça suprema da vida:
participar
ativamente no mistério da redenção,
ser instrumento
de salvação para os nossos irmãos.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Quis est homo
qui non fleret,
Matrem Christi
si videret
in tanto
supplicio?
VI
ESTAÇÃO: A Verônica limpa o rosto de Jesus
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do
profeta Isaías (53, 2-3)
«O servo cresceu
diante do Senhor como um rebento, como raiz em terra árida, sem figura nem
beleza. Vimo-lo sem aspecto atraente, desprezado e abandonado pelos homens,
como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o
rosto, menosprezado e desconsiderado».
No meio do
alvoroço da multidão que assiste à subida de Jesus para o Calvário, aparece
Verónica, uma mulher sem rosto, nem história. E todavia uma mulher corajosa,
pronta a escutar o Espírito e seguir as suas inspirações, capaz de reconhecer a
glória do Filho de Deus no rosto desfigurado de Jesus, e perceber o seu
convite: «Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se existe dor
igual à dor que me atormenta» (Lam 1, 12).
O amor, que esta
mulher encarna, deixa-nos sem palavras. O amor torna-a forte para desafiar os
guardas, superar a multidão, aproximar-se do Senhor e realizar um gesto de
compaixão e de fé: deter o sangue das feridas, limpar as lágrimas do
sofrimento, contemplando aquele rosto desfigurado, por trás do qual está
escondido o rosto de Deus.
Instintivamente
somos levados a fugir do sofrimento, porque o sofrimento nos causa repulsa.
Quantos rostos desfigurados pelas aflições da vida se cruzam conosco e, com
muita frequência, viramos a cara para o outro lado. Como é possível não ver o
rosto do Senhor no rosto dos milhões de deslocados, refugiados, desterrados que
fogem desesperadamente do horror das guerras, perseguições e ditaduras? Para
cada um deles, com o seu rosto irrepetível, Deus sempre Se manifesta como um
socorrista corajoso. Como Verónica, a mulher sem rosto, que limpou amorosamente
o rosto de Jesus.
«É o vosso rosto
que eu procuro, Senhor» (Sal 27/26, 8).
Ajudai-me a
encontrá-lo
nos irmãos que
percorrem a estrada do sofrimento e da humilhação.
Fazei que eu
saiba limpar
as lágrimas e o
sangue dos vencidos de cada tempo,
de quantos a
sociedade rica e leviana descarta sem escrúpulo.
Fazei que por
detrás de cada rosto, mesmo o do homem mais abandonado,
eu possa
vislumbrar o vosso rosto de beleza infinita.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Quis non posset contristari,
Christi Matrem
contemplari
dolentem cum
Filio?
VII
ESTAÇÃO: Jesus cai pela segunda vez
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do livro do
profeta Isaías (53, 5)
«Foi ferido por
causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo
que nos salva caiu sobre ele, fomos curados pelas suas chagas».
Jesus cai
novamente. Esmagado, mas não morto pelo peso da cruz. Mais uma vez, põe a
descoberto a sua humanidade. É uma experiência no limite da impotência, de
vergonha diante de quem zomba dele, de humilhação perante quem esperara n’Ele.
Ninguém gostaria jamais de cair por terra e experimentar o fracasso.
Especialmente na frente de outras pessoas.
Muitas vezes os
homens rebelam-se contra a ideia de não ter poder, não ser capazes de levar a
vida por diante. Jesus, pelo contrário, encarna o «poder dos sem poder».
Experimenta o tormento da cruz e a força salvífica da fé. Só Deus nos pode
salvar. Só Ele pode transformar um sinal de morte numa cruz gloriosa.
Se Jesus caiu
segunda vez por terra, pelo peso do nosso pecado, então aceitemos também cair,
ter caído e poder ainda cair pelos nossos pecados. Reconheçamos que não podemos
salvar-nos sozinhos com as nossas forças.
Senhor Jesus,
que aceitastes a
humilhação de cair novamente à vista de todos,
queremos não só
contemplar-Vos enquanto estais no pó,
mas fixar em Vós
o nosso olhar,
da mesma
posição, também nós no chão, caídos pelas nossas fraquezas.
Dai-nos a consciência
do nosso pecado,
aquela vontade
de nos levantarmos que nasce da contrição.
Dai a toda a
vossa Igreja a consciência do sofrimento.
De modo
particular dai aos ministros da Reconciliação
o dom das
lágrimas pelo seu pecado.
Como poderiam
invocar sobre si e sobre os outros a vossa misericórdia
se antes não
soubessem chorar as suas próprias culpas?
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Pro peccatis suæ gentis
vidit Iesum in tormentis,
et flagellis
subditum.
VIII
ESTAÇÃO: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Lucas (23, 27-28)
«Seguiam Jesus
uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam
por Ele. Jesus voltou-se para elas e disse-lhes: “Filhas de Jerusalém, não
choreis por mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos”».
Embora esteja
destroçado pela dor e busque refúgio no Pai, Jesus sente compaixão pelo povo
que O segue e fala diretamente às mulheres que O acompanham no caminho do
Calvário. E as suas palavras são um forte apelo à conversão.
Não choreis por
mim – diz o Nazareno – porque Eu estou a fazer a vontade do Pai, mas chorai por
vós, por todas as vezes que não fazeis a vontade de Deus.
É o Cordeiro de
Deus que fala e que, carregando aos ombros o pecado do mundo, purifica o olhar
destas mulheres, já voltado para Ele, mas ainda de modo imperfeito. «Que
devemos fazer?»: parece gritar o pranto destas mulheres diante do Inocente. É a
mesma pergunta que as multidões puseram ao Baptista (cf. Lc 3, 10) e que hão-de
repetir, em seguida, os ouvintes de Pedro depois do Pentecostes,
emocionadas até ao fundo do coração: «Que devemos fazer» (Act 2, 37).
A resposta é
simples e clara: «Convertei-vos». Uma conversão pessoal e comunitária: «Orai
uns pelos outros para serdes curados» (Tg 5, 16). Não há conversão sem a
caridade. E a caridade é a maneira de ser Igreja.
Senhor Jesus,
a vossa graça
sustente o nosso caminho de conversão para retornar a Vós,
em comunhão com
os nossos irmãos,
a bem dos quais
Vos pedimos para nos dardes
as vossas
próprias entranhas de misericórdia,
entranhas
maternas, que nos tornem capazes de sentir
ternura e
compaixão uns pelos outros,
e de chegar
também ao dom de nós mesmos pela salvação do próximo.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Eia, Mater, fons
amoris,
me sentire vim
doloris
fac, ut tecum
lugeam.
IX
ESTAÇÃO: Jesus cai pela terceira vez
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Da Carta aos
Filipenses (2, 6-7)
«Ele, que é de
condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; mas
esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos
homens».
Jesus cai pela
terceira vez. O Filho de Deus experimenta em profundidade a condição humana.
Com esta queda, Ele entra de forma ainda mais estável na história da
humanidade. E acompanha, a todo o momento, a humanidade sofredora. «Eu estarei
sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).
Quantas vezes os
homens e as mulheres caem por terra! Quantas vezes os homens, as mulheres e as
crianças sofrem por uma família desfeita! Quanta vezes os homens e as mulheres
veem a sua dignidade posta em questão, porque não têm trabalho! Quantas vezes
os jovens são forçados a levar uma vida precária e perdem a esperança no
futuro!
O homem que cai
e contempla Deus que cai, é um homem que finalmente pode, já sem medo nem
desespero, admitir a sua fraqueza e impotência, precisamente porque também Deus
a provou em seu Filho. É por misericórdia que Deus Se abaixou até este ponto,
até jazer no pó da estrada. Pó banhado pelo suor de Adão e pelo sangue de Jesus
e de todos os mártires da história; pó abençoado pelas lágrimas de tantos
irmãos caídos vítimas da violência e da exploração do homem sobre o homem. Foi
a este pó abençoado, ultrajado, violado e roubado pelo egoísmo humano, que o
Senhor reservou o seu último abraço.
Senhor Jesus,
prostrado nesta
terra árida,
estais perto de
todos os homens que sofrem
e infundis nos
seus corações a força para se levantarem.
Peço-Vos, ó Deus
de misericórdia,
por todos
aqueles que estão por terra, por muitas razões:
pecados
pessoais, matrimónios fracassados, solidão,
perda do
emprego, dramas familiares, angústia pelo futuro.
Fazei sentir que
não estais longe de cada um deles,
porque o mais
próximo de Vós, que sois a misericórdia encarnada,
é o homem que
mais sente a necessidade do perdão
e continua a
esperar contra toda a esperança!
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Fac ut ardeat cor meum
in amando Christum Deum,
ut sibi complaceam.
X
ESTAÇÃO: Jesus despojado das vestes
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15, 24)
«Depois,
crucificaram-No e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para
ver o que cabia a cada um».
Junto da cruz,
sob o olhar do Crucificado e dos ladrões que sofrem, estão os soldados que se
contendem as vestes de Jesus. É a banalidade do mal.
O olhar dos
soldados está longe daquele sofrimento e distante da história que os circunda.
Aquilo que está a acontecer parece que não lhes diz respeito. Enquanto o Filho
de Deus sofre os suplícios da cruz, eles continuam impavidamente a levar uma
vida em que as paixões predominam sobre tudo. É este o grande paradoxo da
liberdade que Deus concedeu aos seus filhos. Confrontado com a morte de Jesus,
cada homem pode escolher: contemplar Cristo ou «tirar à sorte».
É enorme a
distância que separa o Crucificado dos seus carrascos. O interesse mesquinho
pelas vestes não lhes permite captar o sentido daquele corpo inerme e
desprezado, escarnecido e atormentado, em que se realiza a vontade divina da
salvação da humanidade inteira.
Aquele corpo que
o Pai «preparou» para o Filho (cf. Sal 40/39, 7; Heb 10, 5) agora exprime o
amor do Filho para com o Pai e o dom total de Jesus aos homens. Aquele corpo despojado
de tudo, exceto do amor, encerra em si o sofrimento imenso da humanidade e
descreve todas as suas chagas; sobretudo as mais dolorosas: as chagas das
crianças profanadas na sua intimidade.
Aquele corpo
mudo e sanguinolento, flagelado e humilhado, indica a estrada da justiça. A
justiça de Deus que transforma o sofrimento mais atroz na luz da ressurreição.
Senhor Jesus,
quero
apresentar-Vos toda a humanidade sofredora.
Os corpos de
homens e mulheres, de crianças e idosos,
de doentes e
deficientes não respeitados na sua dignidade.
Quantas
violências, ao longo da história desta humanidade,
feriram o que o
homem tem de mais seu,
algo de sacro e
abençoado porque vem de Deus.
Nós Vos pedimos,
Senhor,
por quem foi
violado no seu íntimo.
Por quem não
capta o mistério do seu corpo,
por quem não o
aceita ou deturpa a sua beleza,
por quem não
respeita a fragilidade
e a sacralidade
do corpo que envelhece e morre.
E que um dia
ressuscitará!
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Sancta Mater, istud
agas,
Crucifixi fige
plagas
cordi meo
valide.
XI
ESTAÇÃO: Jesus é crucificado
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Lucas (23,39-43)
«Um dos
malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: “Não és Tu o
Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”. Mas o outro, tomando a palavra,
repreendeu-o: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto
a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo que as nossas acções mereciam:
mas Ele nada praticou de condenável”. E acrescentou: “Jesus, lembra-Te de mim,
quando estiveres no teu Reino”. Ele respondeu-lhe: “Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no paraíso”».
Jesus está na
cruz, «árvore fecunda e gloriosa», «tálamo, trono e altar» (Hino litúrgico «Eis
o vexilo da Cruz»). E, do alto deste trono, ponto de atracção do universo
inteiro (cf. Jo 12, 32), perdoa aos seus crucificadores, «porque não sabem o
que fazem» (Lc 23, 34). Na cruz de Cristo, «balança do grande resgate» (Hino
litúrgico «Eis o vexilo da Cruz»), brilha uma omnipotência que se despoja, uma
sabedoria que se abaixa até à loucura, um amor que se oferece em sacrifício.
À direita e à
esquerda de Jesus, estão dois malfeitores, provavelmente dois homicidas.
Aqueles dois malfeitores falam ao coração de cada ser humano, porque indicam
dois modos diferentes de estar na cruz: o primeiro amaldiçoa Deus; o segundo
reconhece Deus naquela cruz. O primeiro malfeitor propõe a solução mais cômoda
para todos. Propõe uma salvação humana e tem um olhar voltado para baixo. Para
ele, a salvação significa escapar da cruz e eliminar o sofrimento. É a lógica
da cultura do descarte. Pede a Deus que elimine tudo o que não é útil nem digno
de ser vivido.
Ao contrário, o
segundo malfeitor não mercantiliza uma solução. Propõe uma salvação divina e
tem um olhar todo voltado para o céu. Para ele, a salvação significa aceitar a
vontade de Deus, mesmo nas piores condições. É o triunfo da cultura do amor e
do perdão.
É a loucura da
cruz, perante a qual toda a sabedoria humana só pode desaparecer e emudecer no
silêncio.
Dai-me, ó
Crucificado por amor,
aquele vosso
perdão que esquece
e aquela vossa
misericórdia que recria.
Fazei-me
experimentar, em cada Confissão,
a graça que me
criou à vossa imagem e semelhança
e que me recria
sempre que eu coloco a minha vida,
com todas as
suas misérias, nas mãos compassivas do Pai.
Que o vosso
perdão ressoe para mim como certeza do amor que me salva,
me faz novo e me
faz estar convosco para sempre.
Então eu serei
verdadeiramente um malfeitor perdoado
e cada perdão
vosso será como um antegozo do Paraíso, já desde hoje.
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Tui Nati
vulnerati,
tam dignati pro
me pati
pœnas mecum
divide.
XII ESTAÇÃO:
Jesus morre na cruz
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15, 33-39)
«Ao chegar o
meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da
tarde, Jesus exclamou em alta voz: “Eloí, Eloí, lemá sabachtâni?”, que quer
dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Ao ouvi-Lo, alguns que
estavam ali disseram: “Está a chamar por Elias!” Um deles correu a embeber uma
esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: “Esperemos, a
ver se Elias vem tirá-lo dali”. Mas Jesus, com um grito forte, expirou. E o véu
do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. O centurião, que estava em frente
d’Ele, ao vê-Lo expirar daquela maneira, disse: “Verdadeiramente este homem era
Filho de Deus”».
Escuro ao
meio-dia: está a acontecer algo de absolutamente inaudito e imprevisível na
terra, mas que não pertence apenas à terra. O homem mata Deus! O Filho de Deus
foi crucificado como um malfeitor.
Jesus dirige-Se
ao Pai gritando as primeiras palavras do Salmo 22. É o grito do sofrimento e da
desolação, mas é também o grito da plena «confiança na vitória divina» e da
«certeza da glória» (Bento
XVI, Catequese, 14 de Setembro 2011).
O grito de Jesus
é o grito de cada crucificado da história, do abandonado e do humilhado, do
mártir e do profeta, de quem é caluniado e injustamente condenado, de quem está
no exílio ou na prisão. É o grito do desespero humano que, no entanto, abre
para a vitória da fé que transforma a morte na vida eterna. «Anunciarei o vosso
nome aos meus irmãos, e Vos louvarei no meio da assembleia» (Sal 22/21, 23).
Jesus morre na
cruz. É a morte de Deus? Não, é a celebração mais alta do testemunho da fé.
O século XX foi
chamado o século dos mártires. Exemplos como os de Maximiliano Kolbe e Edith
Stein exprimem uma luz imensa. Mas ainda hoje o corpo de Cristo é crucificado
em muitas regiões da terra. Os mártires do século XXI são os verdadeiros
apóstolos do mundo contemporâneo.
Na grande
escuridão, acende-se a fé: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus»,
porque quem morre assim, transformando em esperança de vida o desespero da
morte, não pode ser simplesmente um homem.
O Crucificado é
oferta plena.
Não reservou
nada, nem uma fímbria da veste,
nem uma gota de
sangue, nem a Mãe.
Deu tudo:
«Consummatum est».
Quando já não se
tem nada para dar, porque se deu tudo,
então uma pessoa
torna-se capaz de verdadeiros dons.
Despojado, nu,
devorado pelas feridas, pela sede do abandono, pelos impropérios:
já não tem
figura de homem.
Dar tudo: eis a
caridade.
Onde acaba o
meu, começa o paraíso.
(Padre Primo
Mazzolari)
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Vidit suum dulcem
Natum
moriendo
desolatum,
dum emisit
spiritum.
XIII
ESTAÇÃO: Jesus é descido da cruz
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Marcos (15,42-43.46a)
«Ao cair da tarde,
visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia,
respeitável membro do Conselho que também esperava o Reino de Deus, foi
corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. (…) Ele, depois de
comprar um lençol, desceu o corpo da cruz».
José de
Arimateia acolhe Jesus ainda antes de ter visto a sua glória. Acolhe-O como
derrotado. Como malfeitor. Como rejeitado. Pede o corpo a Pilatos, para impedir
que fosse lançado na vala comum. José põe em risco a sua reputação e talvez, como
Tobias, também a sua vida (cf. Tb 1, 15-20). Mas a coragem de José não é a
audácia dos heróis em batalha. A coragem de José é a força da fé. Uma fé que se
torna acolhimento, gratuidade e amor. Numa palavra: caridade.
O silêncio, a
simplicidade e a sobriedade com que José se aproxima do corpo de Jesus
contrasta com a ostentação, a banalização e a magnificência dos funerais dos
poderosos deste mundo. Pelo contrário, o testemunho de José lembra todos os
cristãos que também hoje, por um funeral, põem em risco a sua vida.
Quem podia
acolher o corpo sem vida de Jesus senão Aquela que Lhe dera a vida? Podemos
imaginar os sentimentos de Maria, que O acolhera nos seus braços, Ela que
acreditou nas palavras do Anjo e guardou tudo no seu coração.
Ao mesmo tempo
que abraça o seu Filho exânime, Maria repete uma vez mais o seu «fiat». É o
drama e a provação da fé. Nenhuma criatura a sofreu como Maria, a Mãe que a
todos nos gerou para a fé ao pé da cruz.
Repetia a prece
do mundo:
Pai, Abbá, se é
possível...»
Apenas um ramo
de oliveira
balançava sobre
a sua cabeça
a um vento
silencioso...
Mas nem um
espinho Tu
Lhe tiraste da
coroa.
Trespassado o
próprio pensamento
não pode, não
pode lá em cima
o pensamento
deixar de sangrar!
E nem uma mão
Lhe descravaste
do madeiro:
que se afastasse
dos olhos
o sangue e Lhe
fosse concedido
ver pelo menos a
Mãe lá,
sozinha...
Até poderosos
e mestres de
ferocidade
e gente, ao
vê-Lo
cobriam o rosto
e Ele a flutuar
dentro
duma nuvem:
dentro da nuvem
do abandono divino.
E depois, só
depois.
Tu e nós a
devolver-Lhe a vida.
(Padre Turoldo)
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Fac me tecum pie flere,
Crucifixo
condolere,
donec ego
vixero.
XIV
ESTAÇÃO: Jesus é depositado no sepulcro
V/.
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/.
Quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho
segundo São Mateus (27, 59-60)
«José tomou o
corpo [de Jesus], envolveu-o num lençol limpo e depositou-o num túmulo novo,
que tinha mandado talhar na rocha. Depois, rolou uma grande pedra contra a
porta do túmulo e retirou-se».
Enquanto José
fecha o túmulo de Jesus, Ele desce à mansão dos mortos e escancara as suas
portas.
O que a Igreja
Ocidental chama «descida à mansão dos mortos», a Igreja Oriental celebra-o já
como Anastasi, isto é, «Ressurreição». Deste modo, as Igrejas irmãs comunicam
ao homem a Verdade completa deste Mistério único: «Eis que abrirei as vossas
sepulturas e vos farei sair delas, meu povo. (…) Introduzirei em vós o meu
espírito e vivereis» (Ez 37, 12.14).
A vossa Igreja, Senhor,
canta cada manhã: «Graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das
alturas nos visita como sol nascente, para iluminar os que jazem nas trevas e
na sombra da morte» (Lc 1, 78-79).
O homem,
encandeado por luzes que têm a cor das trevas, impelido pelas forças do mal,
rolou uma grande pedra e fechou-Vos no sepulcro. Mas nós sabemos que Vós, Deus
humilde, no silêncio onde a nossa liberdade Vos colocou, estais mais do que
nunca em acção para gerar nova graça no homem que amais. Então entrai nos nossos
sepulcros: reavivai a centelha do vosso amor no coração de cada homem, no seio
de cada família, no caminho de cada povo.
Cristo Jesus!
Todos caminhamos
para a nossa morte
e o nosso
túmulo.
Permiti que nos
detenhamos em espírito
junto do vosso
sepulcro.
Que a força de
Vida,
que nele se
manifestou,
trespasse os
nossos corações.
Que esta vida se
torne
a luz da nossa
peregrinação na terra.
Amen.
(São João Paulo
II)
Todos:
Pater noster,
qui es in cælis:
sanctificetur nomen tuum;
adveniat regnum tuum;
fiat voluntas tua, sicut in cælo, et
in terra.
Panem nostrum
cotidianum da nobis hodie;
et dimitte nobis
debita nostra,
sicut et nos
dimittimus debitoribus nostris;
et ne nos inducas in tentationem;
sed libera nos a
malo. Amen.
Quando corpus
morietur,
fac ut animæ
donetur
Paradisi gloria.
Amen.
__________________________________________
Disponível
em: ACI Digital
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