O Evangelho de hoje (Mateus 16,21-27) nos coloca naquelas dimensões do amor mais profundo e, portanto, autêntico. Quando Jesus anuncia por primeira vez que vai a Jerusalém para padecer e que será entregue à morte ali, e ressuscitará ao terceiro dia, se encontra com a reação, de boa fé, mas exagerada, de Pedro que quer impedir esse fracasso a Cristo. A resposta de Jesus hoje não é certamente de louvor, como no domingo passado, mas uma das mais duras palavras que saíram da boca de Jesus: “Afasta-te de mim, Satanás”. Cristo o convida-nos convida- a pensar como Deus e não como os homens.
Levado pelo seu imenso carinho por Jesus, Simão procura afastá-Lo do caminho da Cruz, sem compreender ainda que ela será um grande bem para a humanidade e a suprema demonstração do amor de Deus por nós. Comenta São João Crisóstomo:”Pedro raciocinava humanamente e concluía que tudo aquilo- a Paixão e a Morte- era indigno de Cristo e reprovável.”
Pedro, naquele momento, não chega a entender que, por vontade expressa de Deus, a Redenção se tem de fazer mediante a Cruz e que “não houve meio mais conveniente de salvar a nossa miséria” (Sto. Agostinho).
Pensando apenas com uma lógica humana, é difícil entender que a dor, o sofrimento, aquilo que se apresenta como custoso, possa chegar a ser um bem. Até mesmo porque não fomos feitos para sofrer, pois todos aspiramos à felicidade.
O medo à dor é um impulso profundamente arraigado em nós, e a nossa primeira reação é de repulsa. Por isso, a mortificação, a penitência cristã, tropeça com dificuldades; não é fácil, e, ainda que a pratiquemos assiduamente, não acabamos nunca de acostumar-nos a ela.
A fé, no entanto, permite-nos ver-e experimentar que sem sacrifício não há amor, não há alegria verdadeira, a alma não se purifica, não encontramos a Deus. O caminho da santidade passa pela Cruz, e todo o apostolado fundamenta-se nela. Ensinava o Papa João Paulo II: “A Cruz é o livro vivo em que aprendemos definitivamente quem somos e como devemos atuar. Este livro está sempre aberto diante de nós” (Alocução, 01/04/1980). Devemos aproximar-nos dele e lê-lo; nele aprendemos quem é Cristo, o seu amor por nós e o caminho para segui- Lo. Quem procura a Deus sem sacrifício, sem Cruz, não O encontrará. Para ressuscitar com Cristo, temos que acompanha-Lo no seu caminho para a Cruz: aceitando as contrariedades e tribulações com paz e serenidade; sendo generosos na mortificação voluntária, que nos faz entender o sentido transcendente da vida e reafirmar o senhorio da alma sobre o corpo. Devemos ter em conta que a Cruz que anuncia Cristo é escândalo para uns e loucura e insensatez para outros (cf. 1 Cor 1,23).
Hoje vemos também muitas pessoas que não sentem as coisas de Deus, mas as dos homens. Têm o olhar posto nas coisas da terra, nos bens materiais, sobre os quais se lançam sem medida, como se fossem os únicos reais e verdadeiros. Disse Álvaro Del Portilho: "Este paganismo contemporâneo caracteriza-se pela busca do bem-estar material a qualquer custo, e pelo correspondente esquecimento – melhor seria dizer medo, autêntico pavor de tudo o que possa causar sofrimento. Com esta perspectiva, palavra como Deus, pecado , cruz, mortificação, vida eterna… acabam por ser incompreensíveis para um grande número de pessoas, que desconhecem o seu significado e sentido”.
Temos que lembrar a todos que não ponham o coração nas coisas da terra, que tudo é caduco, que envelhece e dura pouco. "Todos envelhecerão como uma veste” (Hb 1,11). Somente a alma que luta por manter-se em Deus permanecerá numa juventude sempre maior até que chegue o encontro com o Senhor. Todas as outras coisas passam, e depressa.
Jesus recorda-nos hoje: "Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26). Antes, falou: "Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la.”
O cristão não pode passar por alto estas palavras de Jesus Cristo. Deve arriscar-se, jogar a vida presente em troca de conseguir a eterna. "Que pouco é uma vida para oferecê-la a Deus!…”(Caminho, nº 4 20).
A exigência do Senhor inclui renunciar à própria vontade para a identificar com a de Deus, não aconteça que, como comenta São João da Cruz, tenhamos a sorte de muitos "Que queriam que Deus quisesse o que eles querem, e entristecem-se de querer o que Deus quer, e têm repugnância em acomodar a sua vontade à de Deus. Disto vem que muitas vezes, no que não acham a sua vontade e gosto, pensam não ser da vontade de Deus e, pelo contrário, quando se satisfazem, crêem que Deus Se satisfaz, medindo também a Deus por si, e não a si mesmo por Deus”.
“O Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta”(Mt 16, 27). O Senhor, com estas palavras, situa cada homem, individualmente, diante do Juízo Final. A salvação tem, pois, um caráter radicalmente pessoal!
O fim do homem não é ganhar os bens temporais deste mundo, que são apenas meios ou instrumentos; o fim último do homem é o próprio Deus, que é possuído como antecipação aqui na terra pela Graça, e plenamente e para sempre na Glória. Jesus indica qual é o caminho para conseguir esse fim: negar-se a si mesmo (isto é, tudo o que é comodidade, egoísmo,apego aos bens temporais) e levar a Cruz. Porque nenhum bem terreno, que é caduco, é comparável à salvação eterna da alma. Como explica São Tomás: “o menor bem da graça é superior a todo o bem do universo” (Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9).