A festa foi introduzida em 1944 por Pio XII e era celebrada na oitava da Assunção.
Quando a mencionada passagem do Evangelho de Lucas diz: “Maria guardava todas estas coisas e as meditava no seu coração”, faz uma afirmação importante sobre a sua disposição de ânimo mais íntima, sobre a profundidade existencial de sua receptividade, que sabe permanecer na escuta, refletir e introduzir os acontecimentos no cento da própria existência. Efetivamente também o pensamento bíblico une o conceito de “coração” com o de “pureza” e fala de pureza de coração[1], um conceito que hoje corremos o risco de perder.
De fato, ele não está indicando em primeiro lugar a castidade, mas (sem excluir esta) a dedicação total a Deus, sem hesitações, que torna o homem interiormente transparente e belo, porque o imerge de maneira completa na Luz Divina. Por isso, Maria é igualmente chamada “Mãe do Belo Amor”, cuja beleza brilha no interior sob a forma de pureza e está em condições de fascinar o homem que consegue acolher este valor.
A memória do Imaculado Coração de Maria causa, sem dúvida alguma, dificuldades também para muitos católicos.
A denominação dada à memória cria algumas dificuldades, e antes de tudo, o termo “imaculado”. Muitos o entendem no sentido de uma negação da sexualidade humana ou pelo menos no sentido hostil ao corpo, tido em muitos ambientes como tipicamente cristão e contra o qual as camadas mais profundas do homem protestam, e este protesto encontra sua expressão passional na perversão satânica do culto eclesial ou das formas edonistas de uma arte negativa que se serve como volúpia pragmática e sádica de imagens genitais e anais[2].
Com efeito, uma coisa teria justamente desagradado desde sempre ao diabo, ao arquipuritano, ao descobridor de uma castidade quase desencarnada, ao pregador da incorporeidade, isto é, o fato de que a carne devia ser modelada segundo a imagem de Deus, para ali receber o espírito do Espírito de Deus. Por isso, nunca me causou estranhesa encontrar o diabo dentro de tantos celebradores do “puro espírito”, aquele diabo que odeia toda a criação e, em particular, o homem.
Quando a Igreja confessa que o coração de Maria é um jardim fechado pela graça de Deus numa medida tal que as potências demoníacas não podem prejudicá-lo, com isso exprime simplesmente a sua fé no fato de que Maria acolheu a Palavra de Deus que tomou corpo no seu ventre.
O Evangelho, que fala que Jesus aos doze anos se perdeu no Templo, chega a propor um detalhe que faz pensar numa incompreensão da mãe com seu Filho: “Filho, por que agiste assim conosco?”
A isto segue a afirmação que conservava estas palavras em seu coração: aqui, no coração, as coisas não compreendidas e a excitação encontram a sua integração na abertura diante da Palavra de Deus.
As traduções às vezes manifestam outra perda da realidade quando traduzem que Maria conservava “tudo” no seu coração. Certamente, o original não é traduzido com exatidão nem quando se traduz “todas estas palavras” ou “todas estas coisas”; o termo grego em questão pode ser traduzido com “palavra”, “coisa” e também com “história”.
A Palavra de Deus que cria e faz história, a Palavra de Deus jamais impotente, uma Palavra que se pode “ver”,[3] mas que permanece “oculta” enquanto não é “experimentada”;[4] Trata-se da boa Palavra de Deus presente em todas as coisas como incompreensível, se for meditada e conservada num coração que diz com absoluta confiança: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).
É este o evento histórico-salvífico que celebramos na memória do Imaculado Coração de Maria: a sua concretíssima, sempre renovada e constante prontidão em ver em todas as coisas, com o vigor indiviso de seu coração, uma Palavra de Deus, quando esta Palavra quis assumir no seu ventre a figura do Filho de Deus encarnado.
[2] Segundo a concepção cristã, o campo do satânico funde-se em grande parte com o dionisíaco, da tenebrosa “Grande Mãe” e do sexual. Conseqüentemente, estes três setores se tornaram o domínio preferido do satanismo e, portanto, do culto de satanás, o fenômeno central do “lado escuro” do Cristianismo.
[3] “E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber” (Lc 2,15).
[4] “Mas eles não entendiam esta palavra, que lhes era encoberta, para que a não compreendessem; e temiam interrogá-lo acerca desta palavra” (Lc 9,45).
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