quinta-feira, 10 de junho de 2021

Papa não aceita renúncia de arcebispo de Munique



O papa Francisco não aceitou a renúncia apresentada pelo cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique, na Alemanha. “A Igreja hoje não pode dar um passo à frente sem assumir esta crise” de abusos, disse Francisco.

Marx, de 67 anos, foi presidente da conferência episcopal alemã e é membro do conselho de cardeais que assessora o papa na planejada reforma da cúria romana. Ele apresentou sua renúncia no dia 4 de junho, após reconhecer sua responsabilidade na má gestão de casos de abuso sexual pelo clero alemão.

“Esta é a minha resposta, querido irmão. Continue como você propõe, mas como arcebispo de Munique e Freising. E se te sentes tentado a pensar que, ao confirmar a tua missão e ao não aceitar a tua renúncia, este bispo de Roma (teu irmão que te ama) não te entende, pensa no que Pedro sentiu diante do Senhor quando, à sua maneira, apresentou sua renúncia: 'afaste-se de mim, eu sou um pecador,' e ouça a resposta: 'pastoreia minhas ovelhas'”, disse o papa Francisco na sua resposta ao pedido do cardeal Marx, em uma carta enviada nesta quinta-feira, 10 de junho.

“A política da avestruz não leva a nada, e a crise tem que ser assumida a partir da nossa fé pascal. Sociologismos e psicologismos são inúteis”, disse o papa na carta. “Assumir a crise, pessoal e comunitariamente, é o único caminho fecundo porque ninguém sai de uma crise sozinho, mas em comunidade. E devemos também ter presente que, de uma crise, a gente sai pior ou melhor, mas nunca igual a antes”.

O pontífice agradece ao cardeal Marx a coragem demonstrada na carta de demissão: “É uma coragem cristã que não teme a cruz, não teme aniquilar-se perante a tremenda realidade do pecado. O Senhor também fez isso. É uma graça que o Senhor te deu e vejo que queres assumi-la e guardá-la para que dê frutos. Obrigado".

O papa concordou com o cardeal quando ele definiu “a triste história dos abusos sexuais e a forma como a Igreja lidou com eles até recentemente” como uma “catástrofe”. E disse que “a tomada de consciência dessa hipocrisia no modo de viver a fé consiste em uma graça, em um primeiro passo que devemos dar. Temos que nos apropriar da história, tanto pessoalmente quanto em comunidade. Não podemos ser indiferentes diante desse crime. Assumi-lo significa colocar-se em crise”.

O papa Francisco falou sobre a necessidade de pronunciar um “mea culpa” diante dos erros históricos do passado, “embora pessoalmente não tenhamos participado dessa conjuntura histórica. E essa mesma atitude é o que hoje nos é pedido”.

“Pedem-nos uma reforma”, escreveu o papa sublinhando a palavra “reforma”, que, “neste caso, não consiste em palavras, mas em atitudes que tenham a coragem de se colocar em crise, de assumir a realidade seja qual for a consequência”.

“Toda reforma começa a partir de cada um. A reforma da Igreja foi feita por homens e mulheres que não temeram entrar em crise e deixaram reformar-se a si próprios pelo Senhor. É o único caminho. Caso contrário, não seremos mais do que ‘ideólogos das reformas´, que não colocam a própria carne em jogo”.

O papa Francisco foi muito crítico em relação à política de esconder casos de abusos: “Você diz bem em sua carta que enterrar o passado não nos leva a lugar nenhum. Os silêncios, as omissões, a valorização excessiva do prestígio das instituições só levam ao fracasso pessoal e histórico, e nos levam a conviver com o peso de 'ter esqueletos no armário', como diz o ditado”.

Por isso, “é urgente ‘ventilar ’esta realidade dos abusos e da forma como a Igreja procedeu, e deixar que o Espírito nos conduza ao deserto da desolação, à cruz e à ressurreição. Devemos seguir o caminho do Espírito e o ponto de partida é a confissão humilde: erramos, pecamos”.

O papa advertiu que “não seremos salvos pelas pesquisas ou pelo poder das instituições. Não seremos salvos pelo prestígio da nossa Igreja que tende a acobertar os seus pecados; não seremos salvos pelo poder do dinheiro nem pela opinião da mídia (tantas vezes somos dependentes demais deles)”.

Pelo contrário, escreveu o papa, “o que nos salvará será abrir a porta ao Único que pode salvar-nos e confessar a nossa nudez: 'pequei', 'pecamos' ..., e chorar, e sussurrar como podamos aquele 'afasta-te de mim, porque sou um pecador', aquela herança que o primeiro papa deixou aos papas e aos bispos da Igreja. E então sentiremos aquela vergonha curadora que abre as portas à compaixão e à ternura do Senhor que está sempre perto de nós”.

Recusa de sua renúncia pelo papa é um grande desafio, diz cardeal Marx

O cardeal Reinhard Marx disse que a decisão do papa Francisco de não aceitar sua renúncia como arcebispo católico de Munique e Freising é um "grande desafio". Marx fez o comentário na quinta-feira, dia 10 de junho, horas depois que o Vaticano publicou a carta do papa pedindo ao cardeal de 67 anos que ficasse à frente da arquidiocese no sul da Alemanha.

“Acho a decisão do papa um grande desafio”, disse o cardeal em um comunicado no site da arquidiocese. “Voltar simplesmente à agenda não pode ser o caminho para mim nem para a arquidiocese”.

"Não esperava que ele reagisse tão rapidamente e não esperava sua decisão de que eu deveria continuar meu serviço como arcebispo de Munique e Freising," declarou Marx.

O cardeal é membro do conselho de cardeais do papa e coordenador do Conselho para a Economia da Santa Sé. Até o ano passado, ele era presidente da conferência dos bispos católicos alemães.

Marx renunciou através de uma carta de 21 de maio ao papa. “Sem dúvida, estes são tempos de crise para a Igreja na Alemanha”, escreveu ele então. “No entanto, esta crise também foi causada pelo nosso próprio fracasso, pela nossa própria culpa. Isso se tornou cada vez mais claro para mim olhando para a Igreja Católica como um todo, não apenas hoje, mas também nas últimas décadas”.

“Minha impressão é que estamos em um beco sem saída que, e esta é minha esperança pascal, também tem o potencial de se tornar um ponto de inflexão.”

Como motivo da renúncia Marx afirmou: “É importante para mim compartilhar a responsabilidade pela catástrofe do abuso sexual cometido por oficiais da Igreja nas últimas décadas”.

Respondendo à recusa do papa de sua renúncia, Marx disse estar “comovido com a compreensão e o tom muito fraterno” da carta do papa, “sinto o quanto ele entendeu e aceitou meu pedido. Em obediência, aceito sua decisão, como prometi a ele.”

Escrevendo em espanhol, Francisco disse a Marx: “Se você se sente tentado a pensar que, ao confirmar sua missão e não aceitar sua renúncia, este bispo de Roma (seu irmão que o ama) não o entende, pense no que Pedro sentiu diante do Senhor quando, à sua maneira, o apresentou com sua resignação: 'Afasta-te de mim, pois sou um pecador', e ouve a resposta: 'Pastoreie minhas ovelhas.' ”
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ACI Digital

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