Há poucas palavras de apenas duas letras que
contenham tanta densidade como essa: Fé. Os apóstolos, ao compreender algo
dessa realidade, pediram ao Senhor: “aumenta-nos a fé!” (Lc 17,5). E Jesus
disse-lhes: “se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda,
poderíeis dizer a esta amoreira: arranca-te daqui e planta-te no mar, e ela vos
obedeceria”. É uma linguagem figurada que exprime a onipotência da fé. Jesus
não pede muito; pede apenas um pouquinho de fé, como o minúsculo grão de
mostarda, bem menor do que a cabeça de um alfinete; mas, se for sincera, viva,
convicta, a fé será capaz de coisas muito maiores, inconcebíveis à compreensão
humana. Jesus quer educar os seus discípulos numa fé sem incerteza nem
vacilações, numa fé que, apoiada na força de Deus, tudo crê, tudo espera, a
tudo se atreve, e persevera invencível, mesmo nas dificuldades mais árduas e
difíceis.
Precisamos de uma fé firme, que nos leve a
alcançar metas que estão acima das nossas forças, que aplaine os obstáculos e
supere os “impossíveis” na nossa tarefa apostólica. É esta a virtude que nos dá
a verdadeira dimensão dos acontecimentos e nos permite julgar retamente todas
as coisas. Só pela luz da fé e pela meditação da palavra de Deus é que se pode
sempre e por toda a parte divisar Deus “em quem vivemos e nos movemos e somos”
(At 17, 28), procurar a sua vontade em todos os acontecimentos, ver Cristo em
todos os homens, sejam próximos ou estranhos, e julgar com retidão sobre o
verdadeiro significado e valor das coisas temporais, em si mesmas e em relação
ao fim do homem.
Houve ocasiões em que Jesus chamou aos
Apóstolos “homens de pouca fé” (Mt 8, 26; 6, 30), pois não se encontravam à
altura das circunstâncias. O Messias estava com eles, e no entanto tremiam de
medo diante de uma tempestade no mar (Mt 8, 26), ou preocupavam-se
excessivamente com o futuro, quando fora o próprio Cristo quem os chamara para
que O seguissem. “Senhor, aumenta-nos a fé, pediram a Jesus. O Senhor atendeu a
esse pedido, pois todos eles acabaram por dar a vida em testemunho supremo da
sua firme adesão a Cristo e aos seus ensinamentos.
Nós também nos sentimos por vezes carentes de
fé diante das dificuldades, da carência de meios, como os Apóstolos… Precisamos
de mais fé! E ela aumenta com a petição assídua, com a correspondência às
graças que recebemos, com atos de fé. “Falta-nos fé. No dia em que vivermos
esta virtude – confiando em Deus e na sua Mãe –, seremos valentes e leais.
Deus, que é o Deus de sempre, fará milagres por nossas mãos. Dá-me, ó Jesus,
essa fé, que de verdade desejo! Minha Mãe e Senhora minha, Maria Santíssima,
faz que eu creia!” (São Josemaria Escrivá, Forja, nº. 235).
Diante das provações, dos desafios, o Senhor
nos fala pelo Profeta Habacuc: “… o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4). Este ensinamento
tanto é para o israelita, como para o cristão de todos os tempos; é válido em
qualquer circunstância da vida dos indivíduos, dos povos ou da Igreja. Mesmo
que tudo aconteça como se Deus não existisse ou não visse, é necessário
permanecer firmes na fé. Deus não pode demorar a Sua intervenção e intervirá,
certamente, em favor dos que acreditam nEle e nEle depositam a sua confiança.
“Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam” (Rm 8, 28).
Pelo menos, desde S. Agostinho, é comum falar
de três aspectos da fé. O primeiro deles é o subjetivo (credere in Deum), a
entrega pessoal a Deus que cada um faz ao acreditar nele e nas suas promessas.
Não se trata de ter fé como se tem um carro ou uma casa. Não! A fé impregna
toda a nossa existência e, a partir do encontro com Deus, nós, fiéis de Cristo,
não podemos explicar a nós mesmos sem a fé. Crer em Deus marca um antes e um
depois na nossa vida: as nossas relações familiares, laborais, sociais,
econômicas, políticas, etc., recebem um novo sentido, uma nova visão;
simplesmente, vemos à maneira de Deus. Nós, crentes em Deus, não podemos
permitir uma espécie de divórcio entre a fé e a vida, entre as convicções
religiosas e as científicas, entre a maneira de atuar na presença de Deus e a
de atuar, por exemplo, na política. Nós, os filhos de Deus, vivemos a unidade
de vida. Cremos em Deus e lutamos pelo bem da humanidade e de cada pessoa que
temos ao nosso lado, conscientes de que podemos e devemos oferecer aos nossos
amigos o nosso tesouro, o que mais vale: a fé em Deus, a amizade com Cristo, o
sentido para a vida e… para a morte.
O segundo aspecto da fé é o objetivo (Credere
Deum). Qual é o objeto da nossa fé? “Corramos com perseverança ao combate
proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus” (Hb 12,1).
Como é importante manter o olhar fixo naquele que é fonte e meta, o único
Salvador e Senhor do gênero humano: Jesus Cristo! Cremos em Deus, mas esse
único Deus é três Pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. Cremos que Deus fez-se
homem para a nossa salvação: o Filho único do Pai eterno fez-se carne, pela
ação do Espírito Santo, nas entranhas puríssimas da Virgem Maria. A nova
criação é a humanidade de Jesus e todos os que querem fazer parte dessa nova
realidade têm que entrar em Cristo. Não podemos sequer ofuscar as verdades da
nossa fé. São Paulo era tão consciente disso que deixou escrito que “ainda que
alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente
do que vos temos anunciado, que ele seja anátema” (Gl 1,8).
Além do mais, ainda que sejamos compreensivos
com aqueles que nunca creram, que são ateus, não podemos deixar de sentir um
grande pesar por essas pessoas e pedir para elas o dom da fé.
O terceiro aspecto é o motivo pelo qual
cremos: a autoridade de Deus que se revela (Credere Deo). Não acreditamos
porque estudamos muito ou temos muitos argumentos racionais, nem mesmo porque
nos sentimos bem, nem muito menos porque a família sempre foi católica. Esses
motivos são insuficientes. Cremos por Jesus Cristo nosso Senhor! O Amém da
nossa fé está fundado em Deus que não se engana, nem pode enganar-se. A certeza
da fé é mais segura que qualquer certeza científica. É interessante como
algumas verdades científicas, certas noutros tempos, foram já totalmente
descartadas. A ciência progride continuamente, Jesus Cristo, ao contrário, “é
sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade” (Hb 13,8). É verdade, pode
crescer a nossa compreensão do mistério de Cristo, mas ele é sempre o mesmo.
Os apóstolos realmente souberam apreciar o
grande dom da fé e por isso não somente pedem-no, mas suplicam um aumento desse
dom. Fé! Fé! Fé! Peçamos insistentemente ao Senhor que aumente a nossa fé e não
descuidemos esse tesouro, por exemplo, lendo coisas perigosas, cheias de
falácias; não nos deixemos levar da malsã curiosidade em escutar teorias de
supostos teólogos que – em lugar de servir à fé e explicá-la – minam os seus
fundamentos e arrancam as raízes da salvação do coração das pessoas. Atentar
contra a fé dos outros, máxime quando se trata de pessoas simples, é uma
impiedade tão grande que Jesus advertiu utilizando uma expressão que soa dura
aos nossos ouvidos: “se alguém fizer cair em pecado um desses pequenos que
crêem em mim, melhor seria que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o
lançassem no fundo do mar” (Mt 18,6).
Comentário dos textos bíblicos
Leituras: Hab 1,2-3; 2,2-4; Sl 94; 2Tm 1,6-8.13-14; Lc
17,5-10
Meus caros irmãos e irmãs, todos os textos da
liturgia deste domingo nos falam sobre a fé, que é o fundamento de toda a vida
cristã. Lançando um olhar para o
Evangelho, encontramos um pedido feito pelos apóstolos a Jesus: “Aumenta a
nossa fé!’ (Lc 17,5-6). E o Senhor responde: “Se vós tivésseis fé, mesmo
pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te
daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (v. 6).
Sem responder diretamente ao pedido dos
apóstolos, Jesus recorre a uma imagem paradoxal para expressar a incrível
vitalidade da fé. Com isto, podemos dizer que a fé, mesmo que seja em pequena
medida, é capaz de realizar coisas impensáveis, extraordinárias, como erradicar
uma árvore frondosa e transplantá-la no mar. É suficiente ter um pouco de fé,
mas precisa ser verdadeira, sincera.
A fé do cristão envolve uma escolha concreta:
a de seguir o Mestre. Este seguimento do discípulo pode ser rápido, mas também
pode ser lento e pode até ser interrompido. Ao longo da caminhada cristã
podemos necessitar de reforço. O que os
apóstolos pedem a Jesus, neste sentido, é uma maior firmeza na decisão de
segui-lo. Jesus, com frequência já havia
assinalado para eles uma caminhada difícil. São eles convidados a tomar a cruz
todos os dias, a deixar tudo para seguir o Mestre, renunciando a família e os
bens (cf. Lc 14,26ss). Muitos sentem-se tentados a rever a própria escolha (cf.
Jo 6,60). Diante desses desafios
necessitam de uma maior firmeza na fé, por isto pedem: “Senhor, aumenta a nossa
fé” (v. 5).
No entanto, os discípulos têm consciência de
que essa adesão não é um caminho cômodo e fácil, pois supõe um compromisso
radical, a vitória sobre a própria fragilidade, a coragem de abandonar o
comodismo e o egoísmo para seguir um caminho de exigência. Pedir a Jesus que
lhes aumente a fé significa, portanto, pedir-lhe que lhes acrescente a coragem
de fazer uma opção; significa pedir que lhes dê a decisão para aderirem
incondicionalmente à proposta de vida que Jesus lhes veio apresentar.
Inicialmente Jesus faz uma referência a um
grão de mostarda. Lembremos que, para uma semente se desenvolver, faz-se
necessário a ação do homem, elemento fundamental para que o pequeno grão venha
se tornar grande árvore. O serviço de lançar a semente na terra exige a
disposição para preparar o solo e, ao mesmo tempo, o cuidado constante para que
a semente lançada encontre as condições necessárias para germinar, crescer e
produzir frutos. Assim também com a fé,
que é dom de Deus: faz-se necessário cultivá-la para que ela possa se
desenvolver.
Como a semente, que para crescer necessita
desse empenho e dedicação do agricultor, exigindo dele serviço generoso e
perseverante, alimentado pela esperança dos futuros frutos, também a fé no
coração do crente deve crescer em vista da salvação, da implantação do Reino de
Deus.
Quando Jesus diz sobre a amoreira:
“‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (v. 6), dentro do
conjunto de ensinamentos do texto, isto insinua não quer insinuar que a fé seja
uma força mágica, utilizada para gestos ou mesmo manifestações fantásticas.
Esta imagem utilizada por Jesus quer mostrar que, com a fé, tudo é possível. O
símbolo da amoreira, árvore que atinge até 6 metros de altura, de raízes
profundas, que ninguém consegue desarraigar, serve para dizer que a fé, sendo
um dom de Deus, produz em quem crê, uma verdadeira conversão, pois é capaz de
desenraizar o ser humano até mesmo das situações mais profundas de pecado e
conduzi-lo para uma nova situação de vida, talvez impensável segundo cálculos
humanos.
Porém, a fé, acolhida como dom de Deus, exige
do crente uma atitude de humildade, por isto, Jesus, na segunda parte do texto,
faz uma alusão ao trabalho realizado pelo servo (v. 7-10). Na verdade, cada discípulo de Jesus deve assumir
de forma perseverante e fiel a sua condição de servo, que reconhece o serviço
prestado aos demais, levando-os ao crescimento.
Estejamos conscientes disso: Somos servos de
Deus. O servo está sempre sujeito à
vontade de seu patrão. Não basta servir a
Deus durante apenas uma época da vida.
Não basta cumprir a vontade de Deus em algumas realizações e por algum
tempo somente, mas toda a nossa vida deve ser consagrada ao serviço de Deus. A
atitude do discípulo fiel deve ser a de quem cumpre o seu papel com humildade,
sentindo-se um servo que apenas fez o que lhe competia. O servo não procura a
sua glória, mas somente a alegria de ter realizado o seu dever.
Jesus educou os seus discípulos para crescer
na fé, acreditar e confiar cada vez mais nele, a fim de que pudessem edificar a
própria vida sobre a rocha. Por isso, os próprios apóstolos solicitam: “Aumenta
a nossa fé” (Lc 17, 6). Os discípulos não pedem dons materiais, nem
privilégios, mas sim a graça da fé, para que ela seja a base de tudo e os
oriente e os ilumine ao longo da vida.
Como de fato, o Senhor atendeu a esse pedido, pois todos eles acabaram
por dar a vida em testemunho supremo da firme adesão a Cristo e aos seus
ensinamentos.
Nós também nos sentimos por vezes
enfraquecidos na fé, diante das dificuldades, da carência de meios e, como os
apóstolos, precisamos de mais fé. Ela
pode aumentar, mediante nosso pedido assíduo, com a oração diária e com a
prática das boas obras, em nome de Cristo.
A nossa fé não pode ficar adormecida, mas deve reanimar a cada momento,
sendo fortalecida pela prática da oração.
A oração é o respiro da fé: numa relação de confiança, de amor, não pode
faltar o diálogo, e a oração é o diálogo da alma com Deus.
Quem reza caminha como um peregrino que busca
a luz, entra na vontade de Deus. Em
alguns momentos, quando estamos na noite longa do sofrimento e do ódio erigido
contra nós, pode acontecer nossa súplica: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste” (Mc 15,34). É uma oração, um grito de fé para Deus. É o grito de Jesus na Cruz, um grito de
abandono filial à única vontade do Pai. Enquanto rezava no Gólgota, Jesus
disse: “Abba, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Contudo, não
se faça o que eu quero, senão o que tu queres” (Mc 14,36). Estar em oração é olhar para Deus e deixar-se
olhar por Ele, é procurar Deus e deixá-lo mostrar o seu rosto e revelar a sua
vontade. Na oração é Deus que fala e nós
escutamos atentamente nos colocando em busca da sua vontade. É nestes momentos
de provação que precisamos que ele reanime a nossa fé.
Que possamos sempre lembrar de pedir: “Senhor,
eu creio, mas aumentai a minha fé”. Sempre que uma dificuldade bater à nossa
porta, ou mediante uma situação de perigo, quando estivermos fracos, diante da
dor, das dificuldades, peçamos em oração esse acréscimo de fé: “Senhor,
aumentai a minha fé”. O pedido dos
Apóstolos a Jesus “aumenta a nossa fé” é uma bela oração também para nós pois,
para aquele que tem fé, tudo é possível. E principalmente, quando alguma
dificuldade surgir, tenhamos força, fé e humildade para acolher a mão de Jesus,
que vem nos levantar sempre.
A fé á um dom gratuito de Deus ao homem e para
viver, crescer e perseverar na fé, é necessário que cada cristão procure se
alimentar da Palavra de Deus. A nossa fé precisa ser sustentada pela esperança
e permanecer enraizada na fé da Igreja (cf. CIgC 162). Somente pela luz da fé e
pela meditação da Palavra de Deus é possível sempre e por toda parte proclamar
as maravilhas do Senhor.
Saibamos olhar com esperança para o futuro e
vivamos com coragem os valores do Evangelho, para fazer resplandecer a luz do
bem. Com a força da fé tudo é possível!
Que o Cristo venha em nosso auxílio e alimente em cada um de nós o
desejo de proclamar, com as palavras e as obras, a sua presença e o seu amor e
que possamos viver com coragem os valores do evangelho, para fazer resplandecer
a luz do bem. Assim seja.
PARA REFLETIR
Hoje, a Palavra de Deus nos coloca diante de
um tema inquietante, o tema da fé. E o coloca com toda a dureza, nas palavras
do profeta Habacuc. Ele viveu no final do século VII, início do século VI antes
de Cristo. Reinava em Judá um rei iníqüo, Joaquim; o povo já não cultivava amor
pelo Senhor; imperava a injustiça, a impiedade, a imoralidade, a violência do
grande contra o pequeno… Diante desta situação tão triste, o profeta anunciava
que os babilônios viriam e levariam o povo para o exílio. Seria a correção de
Deus. Mas, aí, o profeta entra em crise: está certo que Judá merecia castigo;
mas, por que Deus iria usar para castigar exatamente os babilônios, que eram um
povo mais pecador que os judeus? O profeta angustia-se com esta incompreensível
lógica do Senhor e, com dor e sinceridade sofrida, apresenta o seu protesto:
“Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti:
‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniqüidades, quando tu
mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente”. “Senhor,
tu poderias resolver tudo! Tu poderias corrigir o teu povo de um modo mais
lógico, mais compreensível! Por que, Senhor, ages deste modo?”
Crer não é compreender tudo. O profeta, que
fala em nome de Deus, nem mesmo ele compreende totalmente o agir de Deus, e se
angustia, e pergunta, e chora: “Senhor, por que ages assim? Por que teus
caminhos nos escapam deste modo?” A verdade é que a fé não é uma realidade
quieta e pacífica! O próprio Jesus adverte que somente os violentos conquistam
o Reino dos céus (cf. Mt 11,12s); somente aqueles que lutam, que teimam em
acreditar! A fé é uma realidade que sangra, sangra na dor de tantas perguntas
sem resposta, sangra pelo sofrimento do inocente, pela vitória dos maus, pelo
mal presente em tantas dimensões da nossa vida… E Deus parece calar-se! Um
filósofo ateu do século passado chegou a dizer, escandalizado com o sofrimento
no mundo: “Se Deus existe, o mundo é sua reserva de caça!” Jó, usou palavras
parecidas: “Também hoje minha queixa é uma revolta, porque sua mão agrava os
meus gemidos. Ele cobriu-me o rosto com a escuridão” (23,2.17). E, pesaroso, se
queixa de Deus: “Clamo por ti, e não me respondes; insisto, e não te importas
comigo. Tu te tornaste o meu carrasco e me atacas com teu braço musculoso!”
(30,20s). Por que, Senhor? Por que te calas? Por que teus caminhos nos são
escondidos? Por que parece que não te importas conosco? – Eis a dor que sangra
das feridas dos crentes! A resposta de Deus a Habacuc não explica, mas convida
a crer novamente, a abandonar-se novamente, a teimar na perseverança: “Quem não
é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé!” Deus é assim: nunca nos
explica, mas nos convida sempre à confiança renovada, ao abandono nas suas
mãos. Quem não é correto, quem não se entrega nas mãos do Senhor, perderá a fé,
morrerá na sua amizade com Deus… mas o justo, o amigo de Deus, viverá,
permanecerá firme pela sua fé total e confiante. O justo vive da fé! É isto que
é tão difícil para o homem de hoje, que tudo deseja enquadrar na sua razão e,
quando não enquadra, se revolta e dá as costas a Deus e, assim, termina
morrendo… porque viver sem Deus é a pior das mortes, o maior dos absurdos! O
justo vive da fé, vive na fé, vive abandonado nas mãos do Senhor, como dizem as
palavras da Antífona de Entrada, que o missal coloca para a liturgia de hoje:
“Senhor, tudo está em vosso poder, e ninguém pode resistir à vossa vontade. Vós
fizestes todas as coisas: o céu, a terra, e tudo o que eles contêm; sois o Deus
do universo!” (Est 13,9.10-11).
Nunca esqueçamos: Deus não nos explica seu
modo de agir! Se o compreendêssemos, compreenderíamos o próprio Deus e, aí, já
não seria o Deus verdadeiro, mas apenas um idolozinho! Contudo, isso não
significa que Deus não liga para nossa dor e para o nosso destino. Pelo
contrário! Ele veio a nós, fez-se um de nós, viveu nossa vida, suportou nossas
dores, experimentou nossa morte! Deus próximo, Deus de amor, Deus solidário! Por
isso, podemos olhar para ele e, suplicantes, estender-lhe as mãos, como os
discípulos do Evangelho, que pediam: “Aumenta a nossa fé!” E Jesus responde – a
eles e a nós – “Se vós tivésseis fé (em mim), mesmo pequena como um grão de
mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no
mar’ e ela vos obedeceria”. Ou seja: se crermos de verdade naquele amor que se
manifestou até a cruz, se crermos – aconteça o que acontecer – que Deus nos ama
a ponto de entregar o seu Filho, teremos a força de enfrentar todas as noites
com a sua luz, todos os pecados com a sua graça, todas as mortes com a sua
vida! Mas, se não crermos, pereceremos… O que o Senhor espera dos seus servos é
esta fé total, incondicional, pobre e amorosa! É o que o Senhor espera de nós.
Mas, o que fazemos? Queremos recompensas, provas, certezas lógicas! E, os mais
cultos, vamos atrás de filosofias e sabedorias humanas… e os mais incultos e
tolos, vamos atrás de seitas, de descarregos, de exorcismos feitos por
missionários de araques e pastores de si próprios, falsos profetas de um deus
falso, feito de dízimos, moedas e gritarias…
O justo vive da fé! Como nos exorta a segunda
leitura, reavivemos a chama do dom de Deus que recebemos! “Deus não nos deu um
espírito de timidez, de frouxidão, de covardia e incerteza, mas de fortaleza,
de amor e sobriedade”. Não nos envergonhemos do testemunho de nosso Senhor!
Guardemos aquilo que aprendemos de nossos antepassados, conservemos o
“preciosos depósito” da nossa fé católica e apostólica, “com a ajuda do
Espírito Santo que habita em nós”. Não corramos atrás das ilusões, fruto das
invenções humanas! É isto que o Senhor espera de nós, é este o nosso dever, é
esta a nossa vocação, é esta a nossa glória. E, após termos agido assim, não
achemos que temos algum direito diante de Deus. Humildemente, digamos: “Somos
servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”.
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