Em menos de uma semana, o conflito entre Israel e os palestinos escalou dramática e violentamente. É a situação mais grave em cinco anos, e a Organização das Nações Unidas teme uma "guerra em grande escala".
Em meio a essa crise, uma minoria observa como um conflito - que está sem solução há quase 70 anos - coloca em risco sua própria existência. São os cristãos que residem nos territórios palestinos.
Moradores milenares dessa região, os cristãos palestinos representam 1% da população. Para muitos, a única opção é emigrar, abandonar sua nação. Os que ficam sofrem com o conflito que atravessa o território.
"Não somos apenas cristãos. Somos acima de tudo árabes, palestinos. E tudo o que acontece aqui nos afeta diretamente", diz Bandak Saleh, cristão ortodoxo que mora em Belém, na Cisjordânia, à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
A maioria dos cristãos que vivem em Jerusalém são palestinos.
A BBC Mundo consultou vários líderes e membros de igrejas cristãs que residem nos territórios palestinos para descobrir como eles veem esta crise, a escala da violência e seu futuro na região.
1. "Uma 'ideologia extremista' sangra a Cidade Santa"
Atualmente, a população cristã nos territórios palestinos é de cerca de 50 mil pessoas (apenas 1%), distribuídas nas cidades de Belém, Ramallah e Jerusalém, além dos residentes na Faixa de Gaza.
Do total, 48% pertencem à Igreja Ortodoxa Grega, 38% à Igreja Católica e o restante a Igrejas Protestantes, Presbiterianas e Ortodoxas de outros ritos (Síria e Armênia).
Nessas cidades estão alguns dos centros de peregrinação de suas crenças religiosas: os lugares onde Jesus nasceu, pregou e morreu, de acordo com o relato bíblico e a tradição cristã.
Os líderes cristãos da região criticam as ações do governo israelense, parte de "uma tentativa, inspirada em uma ideologia extremista, que nega o direito de existir a quem mora em suas próprias casas", como disse o bispo católico Pierbattista Pizzaballa de Jerusalém em uma declaração recente.
"E isso sangra a alma da Cidade Santa", acrescentou.
Por sua vez, para o secretário-geral do Conselho das Igrejas Cristãs do Oriente Médio, Michel E. Abs, há uma consequência clara: "Qualquer conflito, guerra, confronto político sempre causa deslocamento. As pessoas têm que sair do lugar onde vivem", disse ele à BBC Mundo.
Para Abs, como os cristãos são minoria, essa ameaça subjacente os coloca em maior risco de desaparecer se o conflito continuar.
"Os árabes cristãos que precisam fugir não têm muitos países ou comunidades próximas para se estabelecer e, sendo uma minoria, não têm as mesmas possibilidades de apoio que os árabes muçulmanos, que são a maioria."
Isso pode condenar a comunidade que habita a região palestina há séculos, disse o secretário do conselho.
"A ameaça é constante. Você não pode crescer ou ter uma vida tranquila se houver constantemente uma entidade que quer te tirar de sua casa, derrubar a árvore que está em seu quintal ou que não te deixa andar quieto" ele diz.
Um ponto chave para os cristãos tem sido a ajuda de cristãos palestinos que vivem fora dos territórios - em outros países, outros continentes - e que têm fortalecido a rede de apoio criada por centros comunitários, especialmente na Cisjordânia.
"O papel que os líderes religiosos cristãos têm desempenhado tem sido mais eficaz no nível micro: apoiar as suas comunidades através das paróquias, de forma espiritual, independentemente de o beneficiário ser cristão ou não", conclui.
"A comunidade cristã tem um peso simbólico, mas é muito pequeno", diz o analista Mariano Aguirre, especialista em questões do Oriente Médio do instituto Chatham House, em Londres.
O conflito afeta fortemente todos aqueles que vivem em Jerusalém, especialmente na parte chamada Cidade Velha e em Jerusalém Oriental, de onde os palestinos são constantemente deslocados e onde dizem se sentir perseguidos pelos colonos israelenses.
A comunidade cristã, em particular, é muito afetada por duas razões. Primeiro, pelo crescente assédio por parte dos colonos israelenses às comunidades cristãs ortodoxas e seus representantes religiosos.
Em segundo lugar, porque dos aproximadamente 16 mil cristãos que vivem em Jerusalém, cerca de 13 mil são palestinos.
A comunidade cristã em Jerusalém é muito pequena. Tem um peso simbólico e uma forte presença religiosa, mas sua capacidade de influenciar politicamente o conflito israelense-palestino é limitada.
2. "Se houver conflito, não há economia"
Em Jerusalém, empresários de turismo denunciaram entidades israelenses por um suposto lobby para confiscar vários hotéis na Cidade Velha que pertencem a igrejas cristãs.
Walid Dajani é dono do Imperial Hotel, que fica em um prédio que pertence à Igreja Ortodoxa Grega e está localizado no bairro cristão da parte velha.
Dajani diz que testemunhou a pressão de grupos radicais israelenses para que ele deixasse esses lugares e abrisse mão da posse.
"Foi um pesadelo. Este prédio pertence à Igreja Ortodoxa Cristã há séculos e, devido a decisões judiciais que não entendemos, ela está prestes a perder esse controle", disse Dajani à BBC Mundo.
"Para isso, eles tomaram uma série de decisões: aumento de impostos sobre igrejas, agressões verbais e até propostas para aprovar a desapropriação de nossas propriedades", diz.
O governo da cidade de Jerusalém e o de Israel negaram, em diferentes declarações sobre o tema, que haja uma campanha para tomar o controle dos prédios das igrejas cristãs.
Uma das entidades israelenses indicadas por trás dessa pressão é a organização Ateret Cohanim, que negou as acusações de "assédio" e de ataques verbais a padres ortodoxos.
"As alegações ou acusações do Patriarcado grego sobre 'colonos radicais' atacando seus padres com abuso verbal, etc. são absurdas, inaceitáveis e vergonhosas", disse Daniel Luria, porta-voz de Alteret Cohanim, ao jornal britânico The Guardian.
"Ateret Cohanim acredita na coexistência com cristãos e muçulmanos, vivendo lado a lado sem cercas ou fronteiras, vivendo em qualquer bairro de Jerusalém", acrescentou.
A verdade é que a grande maioria dos cristãos que residem nos territórios palestinos vive da indústria do turismo. Principalmente em Belém.
No centro desta cidade, o Grand Hotel se destaca com seus sete andares de altura. E há anos vem sofrendo as consequências do conflito e agora da pandemia de covid-19.
"Tínhamos conseguido sobreviver à pandemia e quando os potenciais visitantes começaram a fazer reservas novamente e vimos a luz no fim do túnel, essa escalada nos obrigou a fechar novamente", conta à BBC Mundo Fares Bandak, cristão ortodoxo e dono do Grand Hotel.
"E sempre foi assim: é impossível pensar que alguém vai fazer uma viagem se tem que viver as férias com a sensação de que pode haver um bombardeio. Sem estabilidade é muito difícil construir uma comunidade."
Para Bandak, este é um dos grandes problemas: o turismo depende totalmente do que Israel permite.
"Não temos aeroporto, ou seja, as viagens para Belém ou Jerusalém dependem principalmente do Ben Gurion (aeroporto internacional localizado próximo a Tel Aviv, em território israelense)."
E acrescenta que enquanto em Israel avança uma grande campanha de vacinação contra o coronavírus que tem permitido a reativação do turismo, nos territórios palestinos ela está apenas começando.
Ele também está ciente de que do lado palestino existem obstáculos para se chegar a um acordo de paz. E um muito específico é o Hamas, a principal organização militante palestina que controla a Faixa de Gaza.
"Não faço parte do Hamas porque é uma organização muçulmana e, embora tenha uma posição extremista, não acho que seja uma organização terrorista como Israel aponta", diz ele.
"É claro que o Hamas é um obstáculo para se chegar a um acordo de paz, mas eles estão buscando defender os interesses de todos os palestinos contra a ocupação e o constante assédio de Israel", acrescenta.
3. "Não podemos visitar igrejas"
Saleh Bandak foi preso várias vezes. Passou vários dias em prisões israelenses.
Após vários anos de ativismo político, ele agora está no ramo de alimentos. Bandak mora em Belém, onde tem um restaurante próximo à Basílica da Natividade, um dos principais pontos de visitação da chamada "Terra Santa".
"Eu sou um cristão ortodoxo e muitas vezes quando quero ir orar no templo de Maria Madalena, que é um dos templos sagrados que existem em Jerusalém, eles não me deixam passar. Eu não posso", diz Saleh à BBC Mundo.
Para ele, isso pode piorar no futuro, a ponto de não haver mais cristãos nos territórios palestinos.
"Ninguém quer viver assim. As pessoas querem viver em paz. Se querem ir rezar, que é uma coisa cotidiana, deveriam poder fazer isso sem ter que apresentar documentos no caminho para a igreja", afirma.
"Tenho dito: se o conflito continuar, não haverá mais cristãos na terra de Cristo. Onde Jesus nasceu e morreu", diz ele.
Quando questionado sobre o Hamas como um possível obstáculo para se chegar a um acordo de paz na região, ele aponta para o contrário.
"O Hamas não é nosso inimigo. Pelo contrário, tenho vários amigos que são ativos no Hamas. Eles nunca foram uma ameaça para os cristãos na Palestina", diz ele.
Como Saleh, Bandak não é otimista quanto ao futuro.
"Não é apenas porque afeta os cristãos na Palestina. Não estou otimista sobre o que acontecerá aos palestinos em geral. Há cada vez mais ameaças e mais perseguições de Israel", diz ele. "E não vejo como o conflito vai acabar."
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BBC News
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