O consistório para a criação de cardeais em 27 de agosto é uma cerimônia que parece marcar o fim de um pontificado, ainda que esse fim possa demorar a chegar.
Depois de rezar o Regina Coeli no domingo, o Papa Francisco anunciou a criação de 16 novos cardeais aptos a votar em um futuro conclave e cinco com mais do que a idade limite de 80 anos.
Ele também convocou todos os cardeais para participar de outro consistório, nos dias 29 e 30 de agosto, para discutir a nova constituição da Santa Sé Praedicate evangelium. Não ocorre uma discussão tão ampla entre os cardeais há sete anos.
Há uma percepção generalizada em Roma de que este será o último consistório do papa Francisco e que, portanto, ele quer esclarecer as coisas. Francisco usa os consistórios como forma de governo. O primeiro critério é a representatividade, e Francisco ampliou dramaticamente a representação eleitoral dos cardeais. Após o consistório em agosto, 18 países que anteriormente nunca tiveram um cardeal estarão representados no Colégio dos Cardeais.
O Papa Francisco também usou consistórios para mudar profundamente o perfil do Colégio. Até agora, ele criou 83 cardeais eleitores (serão 101 após o consistório de agosto). Este consistório, em particular, envia uma mensagem de “conclusão do trabalho”. Com as escolhas para cardeal, o papa esclarece quais posições prefere em torno de temas importantes, destaca que te um cargo na Cúria romana não pesa muito para ele e destaca a importância das dioceses periféricas.
Ao mesmo tempo, o papa Francisco confirma uma característica típica de seu modus operandi: a de discutir as decisões somente depois que elas já foram tomadas. O papa convocou uma reunião dos cardeais meses depois da entrada em vigor do Praedicate evangelium. Esta não é, afinal, uma reforma consensual, embora os rascunhos da constituição tenham sido enviados aos presidentes das conferências episcopais do mundo todo. É uma reforma feita para responder ao mandato confiado ao papa Francisco. Os cardeais não poderão mudar a reformam só aceitá-la.
Ao anunciar a reunião para discutir a nova constituição da Santa Sé, o papa efetivamente congelou o debate em andamento até o final de agosto. Durante três meses, a discussão da reforma curial e a trajetória mais ampla da Igreja serão efetivamente contidas, dando ao papa Francisco mais liberdade para fazer mudanças, incluindo novas nomeações curiais, e apresentá-las como um fato consumado no momento de seu encontro com os cardeais.
Alguns observadores até especulam que o papa Francisco poderia encerrar a reunião de 29 a 30 de agosto anunciando sua renúncia. Isso certamente seria um gesto marcante, enviando a mensagem de que, uma vez concluído o mandato, e o mandato do Papa Francisco é acima de tudo a reforma da Cúria, pode-se deixar o cargo.
Números e símbolos
O papa Francisco aboliu a ideia de que os bispos de determinadas dioceses importantes do mundo se tornassem quase naturalmente cardeais. Assim, sem cardeais, sedes importantes como Milão, Veneza, Cracóvia, Paris, Los Angeles e São Francisco.
O papa procurou expandir a representatividade global do Colégio dos Cardeais. Como resultado, Paraguai, Timor Leste e Cingapura terão um cardeal pela primeira vez. O papa Francisco também criará como cardeal o bispo Giorgio Marengo, vigário apostólico em Ulan Bator, Mongólia.
Serão seis novos cardeais da Ásia, quatro da Europa, quatro das Américas, incluindo dois do Brasil, e dois da África. Atualmente, a Oceania tem três cardeais, mas nenhum da Austrália.
Há 117 cardeais eleitores, e serão 116 no momento do consistório porque o cardeal Norberto Rivera Carrera terá completado 80 anos. Após o consistório, haverá 132 cardeais com direito a voto em conclave, 12 a mais do que o limite de 120 estabelecido por são Paulo VI.
Até o final de agosto, o papa Francisco terá, portanto, criado 83 cardeais eleitores, ou 62% dos cardeais em um futuro conclave. Até o final de 2022, outros seis cardeais completarão 80 anos, perdendo assim o direito de votar em um conclave.
Apenas um deles, o cardeal Gregorio Rosa Chávez, foi criado cardeal pelo Papa Francisco. Portanto, o papa Francisco se encontrará no final do ano com um possível conclave de 126 cardeais, 82 dos quais ele criou.
Isso significa que em um conclave, os cardeais criados pelo Papa Francisco estariam em pouco mais de 65%. O quórum para a eleição de um papa é de dois terços, ou 84 cardeais. No final de 2022, os cardeais criados pelo papa Francisco serão apenas dois a menos do que a cota necessária para eleger um sucessor.
Após a cerimônia de 27 de agosto, a Europa terá 55 cardeais eleitores, a África 16 e a América do Norte 16. A América Central permanecerá em sete, enquanto a América do Sul sobe para 15, a Ásia sobe para 19 e a Oceania não vê novas entradas, ficando em três.
No final de 2022, a América Central terá cinco cardeais, a América do Sul 14 e a Europa 52. Em 27 de agosto, os cardeais eleitores criados pelo Papa Francisco serão 83, com 38 por Bento XVI e 11 por João Paulo II. No final de 2022, a cota cairá para 82, 34 e 10, respectivamente.
O papa Francisco também nomeou cinco novos cardeais com mais de 80 anos sem direito a voto no conclave. No total, ele terá criado 27 cardeais com mais de 80 anos em oito consistórios. Este é um recorde: Bento XVI fez 16 cardeais com mais de 80 anos em cinco consistórios e João Paulo II 20 em nove consistórios.
O que significa o próximo consistório, então? Em primeiro lugar, que o papa não dá um peso especial aos novos cargos da Cúria. Os que já estão no cargo recebem o chapéu vermelho: o arcebispo Lazarus You Heung-sik, prefeito da Congregação para o Clero, o arcebispo Arthur Roche, prefeito da Congregação para o Culto Divino, e o arcebispo Fernando Vérgez Alzaga, presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano .
No entanto, o arcebispo Rino Fisichella, atual presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, não será cardeal. Com a reforma, ele se tornará pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, ao lado do cardeal Luis Antonio Tagle, atual presidente da Congregação para a Evangelização dos Povos (o prefeito será o papa). Mas Fisichella não terá o reconhecimento do chapéu vermelho, como o Cardeal Tagle teve.
Para o papa Francisco, uma nomeação na Cúria não conta porque, segundo a nova Constituição, só se pode ficar no cargo por dez anos no máximo. O que conta, para o papa, é a confiança pessoal ou a ênfase que ele quer dar a determinados temas. O papa criará cardeal o arcebispo Arthur Roche, prefeito da Congregação para o Culto Divino, que promoveu com entusiasmo a restrição á missa tradicional determinada pelo motu próprio Traditionis custodes.
Também será cardeal o bispo Oscar Cantoni, de Como, Itália, um dos primeiros a aplicar a exortação apostólica Amoris laetitia, no sentido de conceder a comunhão aos divorciados casados novamente.
O nome de Cantoni apareceu em dois julgamentos do Vaticano. Um deles dizia respeito a supostos abusos no pré-seminário do Vaticano. O bispo foi questionado porque foi ele quem ordenou o padre Gabriele Martinelli, um padre que foi absolvido no julgamento. Cantoni também participou do julgamento financeiro da Santa Sé, porque o cardeal Angelo Becciu teria se dirigido a ele para pressionar para interromper o fluxo de testemunhos de monsenhor Alberto Perlasca, padre da diocese de Como que hoje é uma das principais testemunhas. O papa, no entanto, confia em Cantoni.
O arcebispo Jean-Marc Aveline, de Marselha, será o primeiro prelado residencial francês a receber o chapéu vermelho do papa Francisco. Em abril de 2021, Aveline conheceu o papa e propôs uma visita papal a Marselha para desenvolver uma espécie de “teologia do Mediterrâneo” que o papa lançou com sua viagem a Lampedusa em 2013 e continuou a moldar com uma viagem a Nápoles em 2015.
Aveline apresentou ao papa a ideia de uma peregrinação mediterrânea e também lançou a ideia de um sínodo extraordinário para o Mediterrâneo. O papa parece preferir essa ideia à iniciativa “fronteira mediterrânea da paz” lançada pela conferência episcopal italiana. Portanto, a escolha de Aveline não afeta apenas o episcopado francês, mas também dá um sinal claro ao italiano.
Entre os novos cardeais está também Dom Peter Ebere Okpaleke, de Ekwulobia, Nigéria. Ele foi nomeado bispo de Ahiara por Bento XVI em 2012, mas não conseguiu se estabelecer na diocese porque os católicos locais exigiam um bispo de sua etnia mbaise. O papa Francisco considerou a situação como “inaceitável” e até considerou suprimir a diocese. Okpalele renunciou á nomeação. Em 2020, Francisco nomeou Okpakele bispo de Ekwulobia.
Outro sinal significativo é o chapéu vermelho concedido ao bispo Robert McElroy de San Diego, que teria sido considerado um possível candidato a liderar a Igreja em Washington, D.C. McElroy representa a linha mais conciliatória entre os bispos dos EUA em relação à Comunhão para políticos católicos pró-aborto, como como o presidente Joe Biden e a presidente da Câmara Nancy Pelosi. Em 2019, Francis nomeou McElroy um dos dois americanos a participar do sínodo da Amazônia.
O bispo Lucas Van Looy, bispo emérito de 80 anos de Ghent, na Bélgica, é outro dos novos cardeais a serem criados pelo papa Francisco, que insistiu em sua presença no sínodo da família de 2015. Suas posições no sínodo buscavam uma síntese, mas ele é considerado um expoente da ala progressista em casa. Sua criação como cardeal é mais um tapa na cara do arcebispo emérito André-Joseph Leonard, que liderou a arquidiocese de Mechelen-Bruxelas de 2010 a 2015. Seu antecessor, o ultra-progressista Godfried Danneels, foi cardeal, assim como seu sucessor, Jozef de Kesel. No consistório de 2015, o papa também deu o chapéu vermelho a Karl Jozef Rauber, ex-núncio na Bélgica que se opôs fortemente à nomeação de Léonard como arcebispo de Mechelen-Bruxelas. Segundo Andrea Tornielli, diretor editorial do Dicastério para a Comunicação da Santa Sé, Léonard é “o bispo mais tradicional da Bélgica”.
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Andrea Gagliarducci / CNA
ACI Digital
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