ORIENTE E OCIDENTE
PERANTE O MISTÉRIO DA TRINDADE
1. Compartilhar o que nos une
A recente visita do papa Francisco à Turquia, que terminou com o encontro entre
ele o patriarca ortodoxo Bartolomeu, e, especialmente, a sua exortação a
compartilhar plenamente a fé comum do Oriente cristão e do Ocidente latino, me
convenceram da utilidade de usar as meditações quaresmais deste ano para
atender esse desejo do papa, que é desejo, também, de toda a cristandade.
Este desejo de
compartilhar não é novo. O Concílio Vaticano II, na Unitatis Redintegratio,
já exortava a uma especial atenção às Igrejas orientais e às suas riquezas (UR,
14). São João Paulo II, na carta apostólica Orientale Lumen, de 1995,
escreveu:
"Porque
acreditamos que a venerável e antiga tradição das Igrejas orientais é parte
integrante do patrimônio da Igreja de Cristo, a primeira necessidade para os
católicos é conhecê-la, a fim de poderem nutrir-se dela e favorecer, do modo
possível a cada um, o processo da unidade"[1].
O mesmo santo
pontífice formulou um princípio que eu considero fundamental para o caminho da
unidade: "compartilhar as muitas coisas que nos unem e que certamente são
mais numerosas do que as coisas que nos dividem"[2]. A ortodoxia e a
Igreja católica compartilham a mesma fé na Trindade, na encarnação do Verbo, em
Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem numa só pessoa, que morreu e
ressuscitou para a nossa salvação, que nos deu o Espírito Santo; acreditamos
que a Igreja é o seu corpo animado pelo Espírito Santo, que a Eucaristia é
"fonte e ápice da vida cristã", que Maria é a Theotokos, a Mãe de
Deus, que temos como destino a vida eterna. O que pode haver de mais importante
do que isto? As diferenças se manifestam na maneira de entender e de explicar
alguns desses mistérios e, portanto, são secundárias, não primárias.
No passado, as
relações entre a teologia oriental e a teologia latina se caracterizavam por um
notável matiz apologético e polêmico. Insistia-se especialmente (talvez com um
tom mais conciliador nos tempos mais recentes) naquilo que distingue e que cada
lado acreditava ter de diferente e de mais correto do que o outro. É hora de
inverter essa tendência, deixando de insistir obsessivamente nas diferenças
(baseadas muitas vezes em uma leitura forçada, quando não deformada, do
pensamento do outro) e juntar o que temos em comum e o que nos une em uma única
fé. É uma exigência peremptória do dever comum de anunciar a fé em um mundo
profundamente mudado, com perguntas e interesses diferentes dos que havia no
tempo em que nasceram as divergências, e que, em sua grande maioria, já não
incluem sequer o sentimento de tantas das nossas sutis distinções, estando a
anos-luz de distância delas.
Até agora, no
esforço de promover a unidade entre os cristãos, prevaleceu uma linha que pode
ser formulada assim: "resolver primeiro as diferenças para depois
compartilhar o que temos em comum". Já a linha que se reforça cada vez
mais nos círculos ecumênicos é: "compartilhar o que temos em comum para
depois resolver as diferenças, com paciência e respeito mútuo".
O resultado mais
surpreendente desta mudança de perspectiva é que as próprias diferenças
doutrinárias reais, em vez de aparecerem como um "erro" ou
"heresia" do outro, começam a se mostrar cada vez mais como
compatíveis com a própria posição e, muitas vezes, até como um necessário
corretivo e um enriquecimento. Um exemplo concreto, em outra frente, veio do
acordo de 1999 entre a Igreja Católica e a Federação Mundial das Igrejas
Luteranas sobre a justificação pela fé.
Um sábio
pensador pagão do século IV, Quinto Aurélio Símaco, recordava uma verdade que
assume todo o seu valor quando aplicada às relações entre as diferentes
teologias do Oriente e do Ocidente: "Uno itinere non potest perveniri
ad tam grande secretum"[3]: "A um mistério assim tão grande não
se pode chegar por uma única estrada". Nestas nossas meditações,
tentaremos mostrar não só a necessidade, mas também a beleza e a alegria de nos
encontrarmos no topo, contemplando a mesma vista maravilhosa da fé cristã,
mesmo se chegados de lados diferentes.
Os grandes
mistérios da fé, em que procuraremos verificar as concordâncias de fundo apesar
da diversidade das duas tradições, são o mistério da Santíssima Trindade, a
pessoa de Cristo, a do Espírito Santo, a doutrina da salvação. Dois pulmões, um
só fôlego: esta será a convicção que nos guiará nesta jornada de
reconhecimento. O papa Francisco fala, neste sentido, de "diferenças
reconciliadas": não silenciadas ou banalizadas, mas reconciliadas. Tratando-se
de simples prédicas quaresmais, é claro que abordarei estes problemas tão
complexos sem nenhuma pretensão de exaustividade, com uma intenção mais prática
e de orientação do que especulativa.
Empreendo este
propósito com muita humildade e quase na ponta dos pés, sabendo o quanto é
difícil abrir mão das próprias categorias para assumir as dos outros. Um fato
que me conforta é que os Padres gregos, juntamente com os latinos, foram
durante anos o meu pão de cada dia nos estudos e muitos autores ortodoxos
posteriores (Simeão, o Novo Teólogo; Cabasilas; a Filocalia; Serafim de Sarov)
me inspiraram constantemente no ministério da pregação, para não falar dos
ícones, que são as únicas imagens diante das quais eu consigo rezar.