As sociedades não podem comportar-se como se Deus não existisse. A Igreja condena o indiferentismo religioso e o laicismo do Estado. |
É inegável a importância de se discutir as relações entre Estado e Igreja. Há quase dois milênios as duas esferas se relacionam, ora de modo pacífico, ora por meio de conflitos que podem durar anos, décadas e até séculos.
No começo da expansão do Cristianismo, os imperadores romanos perpetraram uma grande perseguição aos que aderiam à nova religião. Era a primeira grande dificuldade na relação entre o Estado e a Igreja. Mais adiante, na Idade Média, a "questão das investiduras" colocava, de um lado, a liberdade da Igreja em escolher e nomear seus bispos, e, do outro, o poder temporal dos reis. Só depois de o Papa Calisto II e o imperador alemão Henrique V firmarem um acordo – era a primeira concordata formal entre um Papa e um chefe de Estado –, a controvérsia viria a ser superada.
No século XX, com a chegada do socialismo ao poder, a liberdade da Igreja se viu ameaçada em várias nações: muitos de seus bens foram confiscados, parte significativa de seu patrimônio foi delapidada e várias comunidades ainda hoje se confinam a catacumbas, para praticar a fé que receberam dos Apóstolos. Na China, o conflito entre Estado e Igreja salta aos olhos: ao lado da Igreja "una, santa, católica e apostólica" – como professamos no Credo – foi fundada a Associação Patriótica Chinesa, instituição religiosa oficial do Estado comunista. Várias tentativas de sanar o problema ocuparam o trabalho dos Sumos Pontífices, sem sucesso: o governo vermelho chinês tem se mantido irredutível até o momento.
Urge, antes de mais nada, desmascarar uma ideia recorrente: a de que os religiosos não deveriam se intrometer na vida pública ou opinar nas decisões políticas. Com frequência, debatedores pretensamente "esclarecidos" recorrem a este argumento e, defendendo uma mal-entendida laicidade do Estado, sugerem à Igreja o silêncio, quando não a própria sujeição ao poder civil. Para sustentar seus pontos-de-vista, atacam com insistência a era medieval – quando as instituições estavam impregnadas do espírito cristão –, à qual contrapõem o advento do iluminismo e da modernidade ateia.
Hoje, sabe-se que a historiografia que menospreza a Igreja e a sua influência, tachando o glorioso milênio que nos deu os gênios de Agostinho, Anselmo e Tomás de "Idade das Trevas", foi confeccionada ideologicamente, e que, diferentemente do que postulavam os iluministas, a contribuição oferecida pela religião cristã à sociedade civil abrange as mais diversas áreas da atuação humana. "Onde quer que a Igreja tenha penetrado – notava o Papa Leão XIII –, imediatamente tem mudado a face das coisas e impregnado os costumes públicos não só com virtudes até então desconhecidas, mas ainda com uma civilização nova". O Papa Francisco ressaltou esta verdade histórica, quando lembrou que "graças à fé, compreendemos a dignidade única de cada pessoa, que não era tão evidente no mundo antigo".
Separar absolutamente as esferas civil e religiosa não é só, na prática, irrealizável – já que, da mesma forma, não se pode separar as realidades física e espiritual do homem –, mas teoricamente inadmissível.
Primeiro, porque contraria o próprio direito divino. De acordo com a lição da encíclica Immortale Dei, "as sociedades não podem sem crime comportar-se como se Deus absolutamente não existisse". Mais que respeitá-lo, devem elas "seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus declarou querer ser honrado". O Estado não pode permanecer indiferente à autoridade de Deus, para o qual tende todo homem e, por consequência, toda sociedade humana.
Segundo, porque esta indiferença seria extremamente prejudicial à própria convivência das pessoas. Não é possível dar paz e prosperidade a um império prescindindo da religião. Nas palavras do Papa Francisco, "só a partir de Deus (...) é que a nossa sociedade pode encontrar alicerces sólidos e duradouros".
Sobre isto, o último século, repleto de sistemas filosóficos malucos, guerras violentas e campos de concentração, tem muito a ensinar à contemporaneidade: ele lembra – para citar uma sentença do escritor russo Fiódor Dostoiévski – que "se Deus não existe, tudo é permitido". Lembra que são baldados os esforços de se construir uma moralidade "laica", distante de Deus: quando o homem tenta tirá-Lo do centro de sua vida e da sociedade, colocando a si mesmo como medida última de todas as coisas, a própria dignidade do homem se esvanece. São verdadeiras as palavras de Jesus: "Sem Mim, nada podeis fazer" (Jo 15, 5).
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