Ataques contra igrejas e outras instituições cristãs aumentaramdepois da deposição do membro da Irmandade Muçulmana Mohamed Mursi. |
O cristão copta Fadi, de 25 anos, e o muçulmano Mahmoud, de 27, ficaram amigos na tarde do dia 14 de agosto. Até então, os dois egípcios jamais haviam se encontrado. Fadi, um estudante de direito, vem de uma família de classe média, e Mahmoud trabalha na pequena padaria do pai, distante apenas cinco quadras da escola secundária que Fadi frequentou no Cairo. Mahmoud não cursou a faculdade de engenharia de computação que sonhava. Fadi deverá se formar em breve.
Para além das diferenças sociais, os dois também fazem parte de grupos religiosos distintos. Mahmoud integra a maioria muçulmana que corresponde a 90% da população, enquanto Fadi é da minoria cristã, contra a qual a perseguição aumentou depois que o Exército e a polícia egípcia iniciaram uma operação para remover dois acampamentos formados por apoiadores do presidente deposto Mohamed Mursi. A operação de dispersão, no dia 14, deixou centenas de mortos.
Contudo, as diferenças foram minimizadas diante de uma causa maior – tentar impedir a destruição de igrejas cristãs. Naquela tarde, uma multidão de apoiadores de Mursi marchava em direção a El Zawya el Hamraa, o bairro de Fadi e Mohamed. “O Egito é muçulmano; cristãos são exceção”, gritavam os islamistas, que também exigiam a volta do presidente deposto ao poder e a libertação de líderes da Irmandade Muçulmana que haviam sido presos pelas forças de segurança.
Cristãos participam de missa na basílica Nossa Senhora de Fátima, no Cairo, Egito (Amr Abdallah Dalsh/Reuters) |
“Éramos mais de cem homens, cristãos e muçulmanos, prontos para defender a igreja de Santa Maria Ardel Sherka, localizada em nosso bairro. Tudo o que tínhamos eram pedras, pedaços de paus. Alguns carregavam facas”, contou o engenheiro agrônomo Mohamed, outro muçulmano que se juntou à multidão para defender a igreja local.
“No início éramos na maioria cristãos, mas aos poucos foram chegando mais muçulmanos para nos ajudar. Disseram que a destruição de igrejas era um atentado contra todos os egípcios e que era dever dos muçulmanos defender seus irmãos coptas”, completou Fadi.
Além da capital, cristãos e muçulmanos também se uniram para apagar incêndios em igrejas ou conter ataques em outras cidades como Minya, Suez, Fayoum, Assiut e Alexandria. “No início, os dois grupos ficaram trocando gritos e intimidações. Mas logo as brigas começaram, com pedras sendo atiradas. Eu fui atingido no braço por uma pedra, mas sem gravidade. Mas vi um homem levar uma pedrada na cabeça e cair ao chão com o rosto cheio de sangue”, contou Fadi.
Segundo os dois jovens, o confronto durou cerca de 45 minutos, até a chegada de alguns policiais. “Fadi ajudou um amigo meu que havia levado uma pedrada. Prometi que voltaria nos dias seguintes para ajudar um grupo a fazer vigília para defender a igreja. Foi aí que ficamos amigos”, disse Mahmoud.
Ataques – Testemunhas relataram ataques a dezenas de igrejas e também a escolas, centros comunitários, casas e lojas pertencentes a cristãos nos dias que se seguiram à ação para dispersar os manifestantes contrários ao governo interino. Algumas das igrejas atacadas têm séculos de idade, como a da Virgem Maria, em Minya, datada do século 4 e que ficou tomada por chamas. A maior parte dos ataques ocorreu no interior do país, em cidades menores ou em regiões mais pobres e rurais, redutos da Irmandade Muçulmana e de outros movimentos islâmicos, como o dos salafistas.
Hashem, um ativista político e cristão copta em Alexandria, a segunda maior cidade do Egito, contou que um grande grupo da Irmandade Muçulmana invadiu um centro comunitário cristão que ajuda crianças de rua, sejam elas cristãs ou muçulmanas. “Testemunhas disseram que um grupo jogou molotovs na grande tenda de lona que abrigava trabalhos de agentes comunitários mantidos por uma das igrejas locais. Ninguém ficou ferido, mas o ataque causou uma revolta entre muçulmanos e cristãos”, disse.
Depois do ataque, uma multidão formada por pessoas das duas religiões se dirigiu a uma área próxima, onde um grupo depredava uma igreja. “Corremos em direção a eles, chamando-os de criminosos”. Seguiu-se uma briga, que envolveu facas, barras de ferro, pedras, pedaços de pau. “Houve alguns feridos, mas sem muita gravidade”, contou, acrescentando que os agressores acabaram indo embora. “Fomos aplaudidos pelos moradores dos prédios, de ambas as religiões. É triste ver egípcios brigando entre si, mas comemoramos a vitória como se fosse uma final de futebol”.
"Bode expiatório" – O analista político Emad Gad, do Centro Al-Ahram para Pesquisas Políticas e Estratégicas do Cairo, considera a atual gravidade dos ataques contra cristãos sem precedentes no país. “Ao longo das últimas décadas, houve pequenos ataques contra coptas, mas nos últimos meses eles se intensificaram. As forças de segurança nada fazem para proteger as pessoas e os templos religiosos”.
Em discursos recentes, dirigentes da Irmandade alegaram que a Igreja e empresários coptas financiaram a imensa manifestação popular do dia 30 de junho que levou à deposição de Mursi. “A retórica foi uma estratégia para angariar apoio de seus simpatizantes para sua causa. Os cristãos coptas serviram de bodes expiatórios pela derrubada de Mursi”, analisou Gad.
Os cristãos passaram a ser mais ativos na política do país após a derrubada do ditador Hosni Mubarak, em 2011. Durante o governo Mursi, porém, foram excluídos. “Muçulmanos e coptas seculares não querem o domínio de uma facção sobre a outra na sociedade egípcia. Mas os islamistas, ou querem tudo sob seu controle ou destruirão o país. Durante o governo de Mursi, os coptas foram reprimidos e excluídos de quase todos os postos importantes no país”.
Alguns políticos acusaram a Irmandade Muçulmana de incitar seus seguidores a cometer atos de violência contra cidadãos coptas e outros muçulmanos e a realizar ataques contra instituições cristãs. No entanto, líderes da Irmandade negaram as acusações e condenaram os ataques, acusando os serviços de inteligência do governo interino e seus apoiadores de atacar igrejas para culpar o movimento islâmico.
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Fonte: Veja
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