“Não quero a morte do pecador, e, sim, que ele se converta e viva.”
Essas palavras de Ezequiel (18,23) formam o pano de fundo (deixado na penumbra)
da liturgia de hoje (cf. Lc 15,32).
A leitura do livro do Êxodo mostra-nos um Deus que volta atrás do seu
projeto de rejeitar Israel, e o Evangelho apresenta as parábolas de Jesus a
respeito de quem se perdeu e por Deus é reencontrado. Paulo entendia bem isso:
na Primeira Carta a Timóteo, descreve como, de perseguidor, ele foi, pela
abundante graça de Deus, levado à vida em Cristo. Jesus veio para salvar os
pecadores, e Paulo foi o principal deles. Com isso, tornou-se exemplo daquilo
que ele mesmo pregou: a reconciliação.
Em Lc 15, 1-32, na introdução, os fariseus criticam Cristo porque
“acolhe gente de má fama e come com eles…”. Esta crítica provoca a resposta de
Jesus com as três parábolas da misericórdia que ilustram a atitude
misericordiosa de Deus para com os pecadores: a ovelha perdida; a moeda
perdida; o filho pródigo (perdido). Em todas elas dá importância muito
particular à ALEGRIA daquele que encontra o que tinha perdido. O pastor, depois
de encontrar a ovelha, “coloca-a nos ombros com alegria”, regressa à casa e
convoca os amigos e vizinhos para que se alegrem com ele. A mulher, depois de ter
procurado por todos os recantos da casa, ao encontrar a moeda perdida, faz a
mesma coisa: “alegrai-vos comigo, porque achei a moeda perdida!” Muito mais faz
o pai ao ver ao longe o filho que volta e que há tanto tempo tinha abandonado a
casa paterna; não pensa em recriminá-lo, mas em fazer uma festa!
Que pena! Os escribas e os fariseus não pensavam assim! Eles ficaram
murmurando quando Jesus acolheu os pecadores. O filho mais velho, aquele que
sempre estava na casa do pai, que ficou chateado quando o seu irmão voltou ao
lar, representa não só cada fariseu triste pela atitude de Jesus, mas também
representa a cada um de nós quando, vivendo há tantos anos na casa do Pai, na
Igreja, perde a capacidade de admirar-se, surpreender-se e alegrar-se pela
conversão de um novo adepto à causa de Deus.
O personagem central destas parábolas é o próprio Deus (que é PAI), que
lança mão de todos os meios para recuperar os seus filhos feridos pelo pecado.
“No seu grande amor pela humanidade, Deus vai atrás do homem, escreve Clemente
de Alexandria, como a mãe voa sobre o passarinho quando este cai do ninho; e se
a serpente começa a devorá-lo, esvoaça gemendo sobre os seus filhotes (Dt 32,
11). Assim Deus busca paternalmente a criatura, cura-a da sua queda, persegue a
besta selvagem e recolhe o filho, animando-o a voltar, a voar para o ninho.”
“Assim haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se
converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc
15, 70). Isto não quer dizer que o Senhor não estime a perseverança dos justos,
mas aqui se põe em realce o gozo de Deus e dos bem-aventurados diante do
pecador que se converte. É um claro chamamento ao arrependimento e a não
duvidar nunca do perdão de Deus.
O pecado, tão detalhadamente descrito na parábola do filho pródigo,
consiste na rebelião contra Deus, ou ao menos no esquecimento ou indiferença
para com Ele e para com o seu amor, no desejo tolo de viver fora do amparo de
Deus, de emigrar para uma terra distante, longe da casa paterna. Como se passa
mal quando se está longe de Deus! “Onde se passará bem sem Cristo – pergunta
Santo Agostinho -, ou quando se poderá passar mal com Ele?”
“Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos” (Lc 15, 20).
Acolhe-o como filho imediatamente! Estas são as palavras da Bíblia: cobriu-o de
beijos, comia-o a beijos. Pode-se falar com mais calor humano? Pode-se
descrever de maneira mais gráfica o amor paternal de Deus pelos homens? Perante
um Deus que corre ao nosso encontro, não nos podemos calar, e temos que
dizer-Lhe, como São Paulo: “Abbá, Pai” (Rm 8,15). Quer que Lhe chamemos de Pai,
que saboreemos essa palavra, deixando a alma inundar-se de alegria.
Essa parábola deve nos despertar para a beleza do sacramento da
Reconciliação (confissão). Na Confissão, através do sacerdote, o Senhor
devolve-nos tudo o que perdemos por culpa própria: a graça e a dignidade de
filhos de Deus. Cumula-nos da sua graça e, se o arrependimento é profundo,
coloca-nos num lugar mais alto do que aquele em que estávamos anteriormente.
O pecado existe e todo o pecado é uma ofensa a Deus, porém a
misericórdia de Deus é maior do que todos os nossos pecados. Contudo supõe uma
atitude de retorno: CONVERSÃO.
O Pai é Deus, que tem sempre as mãos abertas, cheias de misericórdia. O
filho mais novo é a imagem do pecador, que percebe que só pode ser feliz junto
de Deus, nem que seja no último lugar, mas com o seu Pai-Deus. E o mais velho?
É um homem trabalhador, que sempre serviu…; mas sem alegria. Serviu porque não
tinha outra solução, e, com o tempo, o seu coração tornou-se pequeno. Foi
perdendo o sentido da caridade enquanto servia. O seu irmão é já, para ele,
“esse teu filho”. É a figura de todo aquele que esquece que estar com Deus, nas
coisas grandes e nas coisas pequenas, é uma honra imerecida.
Deus espera de nós uma entrega alegre, sem tristeza nem constrangimento,
pois Deus ama aquele que dá com alegria (2 Cor 9, 7). “É uma doce alegria
pensar que o Senhor é justo, que conhece perfeitamente a fragilidade da nossa
natureza! Por que então temer? Ele que se dignou perdoar, com tanta
misericórdia, as culpas do filho pródigo, não será também justo comigo, que
estou sempre junto dEle?” (Santa Teresinha do Menino Jesus). Com alegria
sirvamos ao Senhor nas coisas mais pequenas!
Comentários dos textos bíblicos
Caríssimos irmãos e irmãs,
Para este domingo a liturgia da Palavra propõe
à nossa meditação o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, uma das páginas mais
profundas e comoventes de toda Sagrada Escritura. É belo pensar que no mundo
inteiro, onde a comunidade cristã se reúne para celebrar a Eucaristia
dominical, ressoa neste dia esta Boa Nova de verdade e de salvação: Deus é amor
misericordioso. O evangelista São Lucas recolheu neste capítulo três parábolas
sobre a misericórdia divina: as duas mais breves são as parábolas da ovelha
desgarrada e da moeda perdida (cf. Lc 15,1-10); a terceira, a mais longa, é a
conhecida parábola do Pai misericordioso, também habitualmente chamada de
parábola do filho pródigo.
O ponto de partida para a narração da Parábola
é a murmuração dos fariseus e dos escribas, diante da cena onde publicanos e
pecadores escutam Jesus: “Este homem acolhe os pecadores e come com eles” (v.
2), comentam. O acolhimento dos
publicanos e pecadores por parte de Jesus é algo escandaloso na perspectiva dos
fariseus; comer com eles, estabelecer laços de familiaridade e de irmandade é algo
abominável. Na perspectiva da teologia
da época, os pecadores não podiam aproximar-se de Deus. É neste contexto que
Jesus apresenta a Parábola do filho pródigo, na qual encontramos três
personagens de referência: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho.
O pai, na parábola, é aquele que sabe conjugar
o respeito pelas decisões e pela liberdade dos filhos, com um amor gratuito e
sem limites. Esse amor manifesta-se na emoção com que abraça o filho que volta,
mesmo sem saber se esse filho mudou a sua atitude. Trata-se de um amor que
permaneceu inalterado, apesar da rebeldia, da ausência e da infidelidade do
filho. O amor do pai aparece representado no abraço, no beijo, no anel, símbolo
da autoridade e do poder (cf. Gn 41,42; Est 3,10; 8,2) e nas sandálias, calçado
do homem livre (cf. Gl 5,1).
No início da parábola observa-se que o filho
exige do pai tudo aquilo que ele tem direito. A lei judaica previa que o filho
mais novo recebesse apenas um terço da fortuna do pai (cf. Dt 21,15-17); mas,
ainda que a divisão das propriedades pudesse fazer-se em vida do pai, os filhos
não podiam tomar posse de seus bens, senão depois da morte do pai (cf. Eclo
33,20-24). O filho mais novo abandona a casa e o amor do pai e dissipa os bens
colocados à sua disposição. É uma imagem de egoísmo, de orgulho e
irresponsabilidade. Após gastar tudo o
que possuía, aquele que se tornara totalmente livre, torna-se agora escravo:
guardador de porcos. Para os judeus, o
porco é um animal impuro – servir aos porcos é sinal de extrema alienação e de
extrema miséria. O filho mais novo tornou-se um escravo miserável. Sem direito
até mesmo de saciar a fome com o alimento oferecido aos porcos. Neste momento, ele então percebe que está
perdido. Percebe que o seu nível de vida
é inferior a dos porcos. Sente um tédio
e um vazio inquietador, de uma vida sem sentido e da qual ele só vê um iminente
morrer de fome.
O filho mais novo ao partir para um país
distante geograficamente, desejava uma mudança não só exterior, mas também
interior, pois queria uma vida totalmente diversa. Seu desejo era viver a
liberdade, fazer tudo o que desejava e ignorar as normas do Pai que ficara
distante. Passa então a perceber que era muito mais livre quando estava na casa
do seu pai, pois era também ele proprietário e contribuía para a edificação do
lar. Ao “cair em si” inicia uma reflexão interior que o faz almejar um novo
projeto de vida. A decisão pela concretização deste objetivo o leva a uma ação
exterior: ele se levanta e direciona os seus passos para um encontro com o pai,
com um propósito de recomeçar a sua vida, porque já compreendeu que o caminho
por ele percorrido era o caminho errado. Ele quer começar de novo e sabe que
perdeu o direito de ser filho e, por isto, está disposto a ser um dos empregados,
pois, para ele o mais importante agora é estar na casa do pai, não importa
como.
E é neste momento que ele “entra em si mesmo”,
como diz o Evangelho (cf. Lc 15,17).
Podemos dizer que longe da casa do pai, em um país distante ele se
afastou até de si mesmo. Vivia longe da
verdade de sua existência. A sua
mudança, a conversão, consiste em que ele reconhece que outrora partiu de si e
agora ele regressa a si mesmo. E é em si
mesmo que ele encontra a indicação de um novo caminho: o caminho da casa do Pai. As palavras que ele preparou para o seu
regresso: “Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de ser
chamado teu filho…” (Lc 15,18), nos permitem reconhecer a peregrinação interior
que ele então realiza.
E, ao chegar à casa, recebe do pai o abraço e
o beijo, sinal de reconciliação e perdão.
É oferecida uma festa e então ele percebe que a vida pode começar de
novo. Regressa à casa paterna interiormente maduro e purificado: compreendeu o
que é viver. Mesmo diante de possíveis
tentações futuras, estará ele plenamente consciente que uma vida longe da casa
do Pai não funciona: falta o essencial, falta a luz, falta o sentido da vida.
Não podemos esquecer o início do Evangelho,
quando a narrativa nos faz lembrar que Jesus aproximava-se dos publicanos e dos
pecadores, chegando mesmo a fazer-se convidar por eles, o que o tornava impuro,
aos olhos daqueles que se sentiam puros. Na Parábola, ao abraçar o filho que
julgava perdido, cobrindo-o de beijos, o pai também se torna impuro, também
pelo próprio ato de tocar este filho que regressava, depois de uma vida
desordenada. Como os fariseus e os
escribas, o filho mais velho se recusa a entrar em comunhão com um pecador,
pois se julga puro, incapaz se unir aos impuros.
O filho mais velho, cumpridor de todas as
regras, sempre fez o que o pai mandou. Nunca pensou em deixar o espaço cômodo e
acolhedor da casa do pai. No entanto, a sua lógica é a lógica da “justiça” e
não a lógica do amor e da misericórdia. Ele acha que tem créditos superiores
aos do irmão e não compreende nem aceita que o pai exerça a misericórdia para
com o filho rebelde. Semelhante à imagem dos fariseus e escribas, que
interpelaram Jesus porque cumpriam rigorosamente as exigências da Lei,
desprezavam os pecadores e achavam que essa devia ser também a lógica de
Deus. Eles desconheciam o Deus
misericordioso que acolhe o pecador e se alegra com o seu regresso.
Nesta parábola conhecemos a identidade de
Deus: Deus é amor (cf. 1Jo 4,16). Ele é
o Pai misericordioso que em Jesus nos ama e nos perdoa. Os erros que cometemos,
mesmo se grandes, não prejudicam a fidelidade do seu amor. Ele nos acolhe e nos
restitui a dignidade de filhos. Com isto podemos redescobrir o Sacramento da
Penitência e do Perdão, que faz brotar a alegria num coração renascido para uma
vida nova.
Assim como o Filho Pródigo, hoje nós também
somos convidados a percorrer um caminho interior, lançar um olhar para nós
mesmos, para que possamos direcionar os nossos pensamentos e os nossos atos
para a conversão que, antes de ser um esforço para mudar o nosso comportamento,
é uma oportunidade para recomeçar, ou seja, abandonar o pecado e escolher
voltar para Deus, para a casa do Pai.
O encanto deste texto esconde-se no verbo
“splanchnizomaim”, uma palavra grega comumente traduzida como: “movido por
compaixão”. Trata-se, na realidade, de um movimento visceral, como que de um parto. O filho “que estava morto e voltou
à vida”, renasce no abraço misericordioso do Pai. Por isso, o Pai exclama: “É preciso
alegrar-se”. Esta é a grande proposta de cada cristão: renascer, voltar ao Pai
como homem novo e aceitar o irmão exatamente como ele é, ou seja, com suas
limitações; abraçá-lo quando vem ao nosso encontro, trazendo as suas cicatrizes
e as suas fragilidades.
Assim como o filho pródigo, quantos de nós
também estamos perdidos e somos convidados a percorrer um caminho interior,
lançar um olhar para nós mesmos, para que possamos direcionar os nossos passos
para o caminho da conversão que, antes de ser um esforço para mudar o nosso
comportamento, é uma oportunidade para recomeçar, ou seja, abandonar o pecado e
escolher voltar para Deus. Possamos ser
determinados em nossa decisão a deixar para trás uma vida de erro e de pecado,
para irmos em direção à casa do Pai. E
ao chegarmos, queira esse Pai de misericórdia ter compaixão também de nós, que
ele possa correr ao nosso encontro, a nos abraçar e a nos acolher de novo em
sua casa. Assim seja.
PARA REFLETIR
Na Solenidade do santo Natal, na segunda
leitura da Missa da Aurora, a Igreja, olhando o Presépio, faz-nos escutar as
palavras de São Paulo a Tito: “Manifestou-se a bondade de Deus nosso Salvador,
e o seu amor pelos homens. Ele salvou-nos, não por causa dos atos de justiça
que tivéssemos praticado, mas por sua misericórdia…” (Tt 3,4s). O Menino que
veio viver entre nós, Jesus, nosso Senhor, é a bondade de Deus, é a sua
salvação misericordiosa… Estas palavras são maravilhosamente ilustradas pela
liturgia deste Domingo. Hoje, o Cristo nos é apresentado como a própria
bondade, a própria ternura misericordiosa do Pai do céu, do nosso Deus. Aquilo
que já fora prefigurado por Moisés, intercedendo pelo povo pecador, na primeira
leitura; aquilo que, na segunda leitura, São Paulo pregou e experimentou na
própria vida: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E eu sou o
primeiro deles!” – tudo isso nós tocamos nas três parábolas da misericórdia do
Evangelho de São Lucas.
Sigamos a narrativa. Por que Jesus contou
essas parábolas? Porque “os publicanos e pecadores aproximavam-se dele para o
escutar. Os fariseus, porém, e os escribas criticavam Jesus: ‘Este homem acolhe
os pecadores e faz refeição com eles’.” Aqui está: Jesus era um fio de
esperança para aqueles considerados perdidos, metidos no pecado, sem jeito nem
solução… Os publicanos, as prostitutas, os ignorantes, os pequenos e
desprezados, gente sem preparo e sem cultura teológica… estavam aproximando-se
de Jesus para escutá-lo; viam nele a ternura e a misericórdia de Deus. Os
escribas e fariseus – homens praticantes e doutores da Lei – criticavam Jesus
por isso. Ele se misturava com os impuros, ele acolhia a gentalha e os
pecadores. Pois bem, foi para esses doutores que Jesus contou as parábolas,
para mostrar-lhes que o coração do Pai é ternura, é amor, é vida, é amplo como
uma casa grande…
O Pai se alegra, porque Jesus, o Bom Pastor,
era capaz de deixar noventa e nove ovelhas para ir atrás daquela que se perdera
totalmente, até encontrá-la! O convite que Jesus estava fazendo aos escribas e
fariseus era claro: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava
perdida!” Alegrai-vos, porque o coração do Pai está feliz: ele não quer a morte
do pecador, mas que ele se converta e tenha a vida! Do mesmo modo, na parábola
da dracma perdida: Deus é como aquela mulher que acende a lâmpada e varre
cuidadosamente a casa até encontrar sua moedinha. E não descansa até
encontrá-la. Quando a encontra, como Deus, quando encontra o pecador, ela
exclama: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que havia perdido!” O Deus que
Jesus nos revela, o Deus a quem ele chamava de Pai é assim: bom, compassivo,
misericordioso, preocupado conosco e com cada um de nós. Ele somente é
glorificado quando estamos de pé, quando estamos bem, quando somos felizes.
Mas, não há felicidade verdadeira para nós, a não ser juntinho dele, que é o
Pai de Jesus e nosso Pai. É isso que Jesus inculca com a terceira parábola, a
mais bela de todos: o Pai e os dois filhos.
“Um homem tinha dois filhos”. Este homem é o
Pai do céu. “O filho mais novo disse ao pai: ‘Dá-me a parte da herança que me
cabe’”. Esse moço quer ser feliz, deseja ser livre… e imagina que somente vai
sê-lo longe do olhar do pai. Assim, sem juízo, como que mata o pai, pedindo-lhe
logo a herança. “e partiu para um lugar distante”. Quanto mais longe do pai,
melhor, mais livre. E aí dissipa tudo, numa terra pagã, longe do pai, longe de
Deus. E termina na miséria, tendo esbanjado a vida, a felicidade, o futuro, o
amor e o sexo… Vai pedir trabalho e dão-lhe o mais vergonhoso para um judeu:
cuidar de porcos, animais impuros. E ele queria comer a lavagem dos porcos e
não lha davam! Em que deu o sonho de autonomia, de liberdade, de felicidade
longe do pai! Tudo não passara de ilusão! Mas, apesar de louco, o jovem era
sincero: caiu em si, reconheceu que pecou. Não colocou a culpa no pai, nos
outros, no mundo, no destino. Reconheceu-se culpado e recordou e confiou no
amor do pai: “Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e
contra ti!” E volta! O jovem era corajoso, generoso, era sincero! O que ele não
sabia é o pai nunca o esquecera; esperava-o todos os dias, olhando ao longo do
caminho. De longe o avistou e o reconheceu, apesar da miséria e da fome e das
roupas maltrapilhas. E, cheio de compaixão – como o coração do Pai de Jesus –
correu ao encontro do filho, cobriu-o de beijos e de vida, e restituiu-lhe a
dignidade de filho. E deu uma festa! O Pai é assim: não quer ninguém fora de
sua casa, de seu coração, da festa do seu amor, do banquete de sua eucaristia!
Mas, havia ainda o filho mais velho. Este, como os escribas e os fariseus,
jamais havia desobedecido ao pai; cumprira todos os seus preceitos. Por isso,
ficou com raiva e não quis entrar na festa do pai: “O pai, saindo, insistia com
ele…” Notem que o mesmo pai que saíra ao encontro do mais novo, saiu agora ao encontro
do mais velho, que estava perdido no seu egoísmo, na sua raiva, fora da festa e
do aconchego do pai! E o mais velho passou-lhe na cara: “Eu trabalho para ti há
tantos anos… e tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos…”
O pai respondeu: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu…” É
que aquele filho nunca amara o pai de verdade: cumpria tudo, de tudo fazia
conta… e, um dia, iria pedir o pagamento, a recompensa por tudo… Por isso nunca
se sentiu íntimo do pai, por isso não sentia que tudo quanto era do pai era
dele também! Pode-se estar junto do pai e nunca o conhecê-lo de verdade! Não
era esta a situação daqueles escribas e fariseus? Interessante que Jesus não
diz se o filho entrou na festa do pai e na alegria do irmão ou se, ao
contrário, ficou fora, onde somente há choro e ranger de dentes.
Pois bem, o Senhor nos convida hoje a acolher
em Jesus a misericórdia incansável de Deus para conosco, um Deus que não
sossega até nos encontrar… Mas, nos convida também a ser misericordioso para
com os outros. É triste quando experimentamos que somos pecadores,
experimentamos a bondade acolhedora de Deus para com nossos pecados e, depois,
somos duros, insensíveis e exigentes em relação aos irmãos. Que o Senhor nos dê
um coração como o coração de Cristo, imagem do coração do Pai, capaz de acolher
o perdão e a misericórdia de Deus e transbordar esse perdão e essa misericórdia
para com os outros. Amém.
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