terça-feira, 5 de março de 2013

A Igreja em oração



Como aconteceu nos anos anteriores, no início da Quaresma deste ano o Papa Bento XVI encontrou-se com os sacerdotes da Diocese de Roma, para um colóquio familiar. Normalmente, ele se limitava a responder às perguntas feitas pelos padres. Dessa vez, destacando que era seu último encontro com eles, preferiu dar seu testemunho a respeito do Concílio Vaticano II (1962-1965), do qual participou desde o início. Ao encerrar, Bento XVI disse aos sacerdotes que houve como que dois Concílios paralelos: um, o real, que aconteceu no Vaticano – feito de orações, discursos, reflexões etc. O outro, o Concílio virtual, do qual os protagonistas eram os meios de comunicação social, baseava-se nas interpretações dos jornalistas, que viam tudo como uma luta entre grupos políticos, opostos entre si.

Não sei se o Papa Bento XVI acompanhou o que saiu nos meios de comunicação, a partir de sua declaração de 11 de fevereiro, quando antecipou sua renúncia. Se acompanhou, deve ter-se lembrado dos "dois Concílios". Afinal, de pouco adiantou ele ter afirmado que não tinha mais vigor físico para dirigir a Igreja e, por isso, julgava mais adequado renunciar. (Aliás, é bom lembrar que ele tem quase 87 anos...). Multiplicaram-se, desde então, as mais diversas teses conspiratórias, as mais complexas explicações e não poucos absurdos a respeito de seu ato. Compreende-se, pois, o comentário irônico de um professor de Filosofia: "Hoje em dia, num mundo em que todo o mundo diz que não tem preconceito, o único preconceito aceito pelos inteligentinhos é contra a Igreja [Católica], [considerada] opressora, machista, medieval" (L. P. Pondé, Folha de S.Paulo, 18.02.13). Em outras palavras: a verdade, por ser simples, não interessa a muitos; as interpretações acabam lhes parecendo mais interessantes. 

Um poeta francês comentou: "As ondas não me interessam. O que me interessa é o mar". Vamos, pois, ao essencial: em sua já famosa declaração, Bento XVI pediu que a Igreja se unisse em oração, tendo em vista o próximo conclave. É sabido que a oração é a força dos fracos. É esse o testemunho que nos dá a Palavra de Deus. Conta-nos S. Lucas, nos Atos dos Apóstolos, que nos primeiros tempos após a ressurreição de Jesus, quando a comunidade cristã dava seus primeiros passos, o rei Herodes mandou prender Pedro. Afinal, como anunciava Jesus de Nazaré, era considerado perturbador da ordem pública. Certamente Pedro seria martirizado, como já acontecera com Tiago. Naquela hora, a comunidade se uniu em oração, pedindo a Deus o que era considerado humanamente impossível: a libertação de Pedro. Graças a essa oração da comunidade, houve uma intervenção divina e Pedro foi libertado, reiniciando suas pregações (cf. At 12).

Vivemos num momento histórico em que somos chamados a atualizar o gesto daquela comunidade de Jerusalém. Crianças e adolescentes, jovens, adultos e idosos, somos chamados a nos unir, se não física, ao menos espiritualmente, para que o Senhor dê à Igreja aquele Bispo de Roma que já está em Seu coração e de que precisamos. Não peçamos que nos dê um executivo, nem insistamos que seja brasileiro, africano, europeu ou asiático. O importante é que seja um apaixonado por Jesus Cristo; que ame a Igreja e se disponha a servi-la; que se lembre dos ensinamentos de Paulo a Timóteo: “Proclama a palavra, insiste oportuna ou inoportunamente” (2Tm 4,2). Sim, que não tenha a preocupação de agradar a todos, nem de ter a mídia a seu favor, mas que seja fiel à verdade ("A verdade vos libertará" - Jesus Cristo), uma vez que deverá trabalhar não para construir uma Igreja feita à imagem e semelhança dos homens, mas para servir a Igreja de Jesus Cristo.

Sim, precisamos nos unir em oração, antes, durante e depois do Conclave. Afinal, a Igreja não é uma ONG, nascida para acalmar a consciência das pessoas e ensinar-lhes o que querem ouvir, mas é a esposa de Cristo, pela qual ele derramou seu sangue - uma esposa que quer nos congregar numa só fé, num só batismo e numa só mesa eucarística.


Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Salvador da (BA)

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