sábado, 9 de março de 2013

O Centro da Unidade



O Papa, sucessor de Pedro, é antes de tudo a garantia da unidade, chefe visível da Igreja, segundo a determinação de Cristo: “Apascenta as minhas ovelhas [...] apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15-19). Nunca houve da parte dos católicos papolatria, mas, sim, uma veneração especial para com aquele que pastoreia a grei do Filho de Deus. Enquanto comunidade que se insere na história, a Igreja possui uma organização social e uma estrutura hierárquica, sendo inegável o primado pontifício de acordo com os textos bíblicos.

Ao se falar da Igreja, porém, cumpre que nunca se esqueça o caráter teândrico da mesma. A Igreja na parte divina ela é incorruptível, na parte humana há falhas. Nota-se, por isto mesmo, em muitos textos apresentados na mídia ao ensejo da renúncia de Bento XVI uma terrível confusão no que concerne à eclesiologia. Há aspectos dogmáticos, morais, históricos que não podem ser abordados confusamente sob pena de se distorcer a verdade e causar confusão entre os fiéis. Impera então uma generalização perversa e se fala numa Igreja envelhecida, crepuscular, que se definha.


Aspectos históricos não podem ser analisados fora do contexto em que se deram. Assim, por exemplo, o Dictatus papae que foi um conjunto de 27 proposições publicado pelo Papa Gregório VII. Foi uma obra de direito canônico na Idade Média elaborada por canonistas que recolheram uma série de textos sob o poder papal num posicionamento claro diante dos Imperadores. Traduzir o Dictatus papae por Ditadura do Papa é já colocar uma análise preconceituosa do reflexo deste documento na história posterior da Igreja. Dictatus significa manifesto a ser divulgado. Sob o ponto de vista histórico a Igreja sempre enfrentou procelas, mas, assistida pelo Espírito Santo, princípio vital pelo qual ela recebe as forças divinas que nela atuam, nunca falhou na sua missão de salvação.

No século XIX, a título de exemplo, surgiram o iluminismo, o josefinismo, o febronianismo, as ideologias de Jean Jacques Rousseau e dos jacobinos, as agitações da Revolução Francesa. Entretanto, nunca deixou de haver uma restauração ou renovação no interior da Igreja que sempre contou também com grandes teólogos. Esforço secular para fazer Deus presente no mundo numa evangelização constante dos fiéis. O mesmo ocorreu no século XX e no início do novo milênio. Dentro desta multiplicidade de aspectos convém notar que a Cúria Romana é o órgão administrativo do Estado do Vaticano, constituído pelas autoridades que coordenam e organizam o funcionamento da Igreja Católica. Trata-se do governo da Igreja. Curia no latim medieval significa "corte" no sentido de "corte real", pelo que a Cúria Romana é a corte papal, que assiste o Papa nas suas funções. Circulam denúncias entre as quais o mau uso de dinheiro, disputas de poder, relações homossexuais e até um plano para revelar a homossexualidade do editor de uma publicação católica, tudo isso dentro da Cúria. É o lado humano da Igreja que o novo Papa terá que enfrentar. Qualquer desvio que signifique o desprezo de um dos dez preceitos do decálogo jamais será tolerado, não apenas a prostituição gay, prato preferido de certos puritanos que deveriam fazer um exame de consciência e reconhecer os próprios pecados e emendar de vida.

Ao comentar texto anterior deste articulista, um notável médico católico, residente no Rio de Janeiro, assim se expressou: “Sabe-se que não se muda a essência da doutrina. Medidas disciplinares, porém, são urgentes. Os padres sexualmente doentes devem ser afastados e alguns até eliminados de suas atividades. Tratamentos, em geral, são falhos. O mal que fazem é destrutivo. Hoje, as reações são maiores seja das vítimas, quanto de seus familiares. A repercussão disto é ruim. Não adianta tampar o sol com peneira com desculpas não muito aceitas”. Não há dúvida, porém, que o próximo Papa tomará todas as medidas necessárias para uma total renovação eclesiástica. Numa linguagem chula, grosseira, houve quem afirmasse que Bento XVI “jogou a toalha”, “chutou o balde”, obscurecendo assim a atitude corajosa de um sábio Pastor octogenário que consultou sua consciência, entrou em tertúlia com Deus, e percebeu que estava na hora de deixar o pontificado. O momento não é de críticas destrutivas, mas de muita oração da parte daqueles que verdadeiramente amam a Igreja de Jesus Cristo.


Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

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* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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