quarta-feira, 6 de março de 2013

Novo Papa enfrentará crises com a China



Quando o próximo papa assumir o trono de São Pedro, encontrará em sua mesa dezenas de dossiês complicados. Mas, um deles promete ser particularmente espinhoso: o que trata da relação entre o Vaticano e a China. Documentos sigilosos de diversas embaixadas europeias e relatórios internos da diplomacia da Santa Sé obtidos pelo Estado revelam os desafios e as prioridades da Igreja com as várias regiões do mundo.

Um dos maiores obstáculos, segundo as informações que constam nesses documentos, é a relação entre duas entidades que se consideram centros do mundo. O material aponta que, durante os últimos anos do pontificado de Bento XVI, a relação entre o Vaticano e Pequim atingiu seu pior momento em 50 anos.

No centro do debate está a insistência do governo de controlar quem são os bispos chineses, um ato que, para o Vaticano, dá a dimensão da falta de liberdade religiosa no país. No final do ano passado, Pequim simplesmente passou a ordenar bispos, sem a autorização do Vaticano, além de prender um dos religiosos considerados "ilegítimos". 

Segundo os documentos, a existência de duas Igrejas Católicas na China é o motivo da tensão. Uma é a oficial do regime comunista, conhecida como Associação Católica Patriótica da China; a outra, que é obrigada a atuar de forma semiclandestina, é a Igreja Católica reconhecida pelo Vaticano.

Se essa era uma realidade histórica, ela ganhou contornos de crise nos últimos anos. Entre 1990 e 2006, um entendimento entre o Vaticano e Pequim determinava que bispos seriam nomeados com a aprovação dos dois lados. Mas, desde a chegada de Bento XVI na Santa Sé, os chineses optaram por simplesmente ignorar o Vaticano. Pequim nomeou seis bispos desde então e deixou de reconhecer 15 nomes apresentados pelo Vaticano.

Joseph Yue Fusheng foi um dos casos. Ele foi nomeado bispo de Harbin em 2012, sem a aprovação do Vaticano, em uma cerimonia na qual bispos leais ao Vaticano foram obrigados a participar para tentar demonstrar aos católicos a legitimidade do ato. A Santa Sé o excomungou um dia depois.

O conflito ficou claro quando, também no ano passado, um bispo nomeado pelo governo comunista em Xangai, Thaddeus Ma Daqin, usou sua primeira missa para anunciar que estava abandonando a Associação Patriótica. Na missa seguinte, ele não apareceu e teria sido levado a um seminário nos arredores da cidade. O governo afirmou ao Vaticano que ele estava "repousando".

Tentativas

Segundo os informes, Bento XVI tentou mediar a crise para proteger os 12 milhões de católicos chineses. Suas iniciativas, porém, apenas aprofundaram a crise. Sete meses depois de se tornar papa, Bento XVI publicou uma carta aos católicos chineses, garantindo que a Santa Sé atenderia às suas necessidades. A mensagem foi considerada por Pequim uma ameaça.

O então papa enviou grupos de diplomatas da Santa Sé em diversas ocasiões para negociar um entendimento. Mas as condições apresentadas pelo Vaticano eram inaceitáveis para os chineses: a garantia de liberdade religiosa e a manutenção das relações diplomáticas entre a Santa Sé e Taiwan.

Em um documento de um governo europeu relatando encontros em 2007, o funcionário do Vaticano encarregado das relações com Pequim, Giancarlo Rota-Graziosi, garantiu que as reuniões haviam sido um fracasso. "Estou pessimista em relação às chances de um acordo para normalizar as relações", indicou. "Não vejo esperança", disse o próprio negociador.

Naquele mesmo momento, Pequim teria plantado informações em jornais oficiais em que indicava que um acordo estava prestes a ser assinado. Mas, para o Vaticano, aquilo era "publicidade para mostrar abertura às vésperas dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008".

Num outro documento, o padre de Sichuan, Luo Xuegang, relata o controle que a Igreja passou a sofrer das autoridades. Ao mesmo tempo em que o governo propunha dar dinheiro para renovar igrejas leais à Pequim, vetava qualquer novo templo.

Prisões reveladas

O impasse foi mantido em encontros realizados em 2009 entre o Vaticano e Pequim. Na época, a Santa Sé aprofundou a crise, ao revelar a governos estrangeiros que seus bispos estavam sendo presos. Um deles fora detido dias antes da Páscoa para impedir que pregasse diante de milhares de pessoas. O governo também passou a cobrar 10% de impostos sobre o custo de qualquer ato organizado pela Igreja.

Documentos do mesmo ano mostram que bispos leais ao papa resistiram à pressão do governo e não foram às comemorações dos 50 anos da Associação Patriótica. O Vaticano passou a acusar Pequim de fazer "lavagem cerebral" nos padres da entidade e controlar homilias.

Diante da tensão, a estratégia da Santa Sé é a de tentar manter uma unidade entre as duas comunidades católicas na China, ajudar a treinar os padres e, acima de tudo, aguardar com paciência a chegada de novas lideranças em Pequim que possam rever o relacionamento.

Os documentos mostram que o Vaticano não tem ilusões de que a crise será solucionada a curto prazo. Coincidência ou não, durante a despedida de Bento XVI na Praça São Pedro, um grupo carregando uma bandeira da China insistia em estar presente para alertar ao próximo papa que a situação dos católicos estava longe de ser resolvida.
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Disponível em: Fiéis Católicos da Arquidiocese de Ribeirão Preto.

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