“Recebereis uma força, a força do Espírito
Santo que virá sobre vós; e sereis então minhas testemunhas em Jerusalém, em
toda a Judeia e Samaria,
até as extremidades da terra” (At 1,8).
Diante desta passagem podemos nos perguntar:
“– Jesus deixou algo escrito?” Ele disse: “sobre a Bíblia edificareis a minha
Igreja”? Não! Cristo fundou a Igreja sobre a vida e o testemunho dos apóstolos.
Por esse motivo, não podemos afirmar que somos uma “religião do livro” – apesar
de alguns estudiosos das religiões nos considerarem assim. Somos uma “religião
do testemunho”.
Os livros contidos na Bíblia servem para nos
relatar fatos e verdades de fé. “Diante daquilo que acabei de ler, como deve
ser a minha atitude para com Deus e os meus irmãos?”. É para que façamos este
tipo de confronto conosco mesmo que as Sagradas Escrituras existem. Servem para
mudar a nossa vida (ação transformadora). Mas nem sempre estes textos sagrados
existiram. Vejamos como se formou este conjunto de textos sagrados, para que
compreendamos a essência da Palavra de Deus.
Comecemos pelo período em que alguns livros
foram escritos. É importante saber que o escrito mais antigo do Novo Testamento
é 1Tessalonicenses – redigido por volta do ano 51 d.C., quando Paulo se
encontrava na Acaia (cf. At 18,12). É importante começarmos por este exemplo
apenas para demonstrar que a Bíblia não segue uma ordem cronológica; o primeiro
livro do Novo Testamento não foi o Evangelho de Mateus. Além disso, Paulo
morreu e provavelmente não viu sequer um Evangelho escrito. Os fatos sobre a
vida de Jesus que este incansável apóstolo tanto pregava foram-lhe relatados de
maneira oral.
A Igreja, portanto, não nasceu da Bíblia, mas
o contrário. Ela não precisou esperar vinte anos após a morte de Jesus para que
começasse a nascer (com a carta de São Paulo citada acima). Ela já estava aí.
E, além disso, havia entre os cristãos um código de conduta, uma certa
tradição, que consistia em dizer com fidelidade quem era Jesus Cristo.
O último livro do Novo Testamento a ser
escrito foi o Apocalipse, escrito por São João por volta do ano 100 d.C.,
quando este se encontrava exilado na ilha de Patmos. Nesta altura da História
ainda não havia Bíblia, apesar de todos os seus livros já estarem escritos.
Isto porque, quando São Paulo, São João, São Judas Tadeu escreveram suas cartas
eles não sabiam que estavam escrevendo partes do Novo Testamento. Os cristãos
ainda precisavam escolher quais seriam os escritos que iriam compor as
Escrituras Sagradas.
A decisão do Cânone Bíblico, isto é, dos
livros que iriam compor as Sagradas Escrituras demorou cerca de 200 anos. Um
tempo relativamente longo. Mas a Igreja não resolveu cruzar os braços e esperar
esse tempo todo para então afirmar: “Pronto! Agora somos Igreja”. Ela já era
antes das Escrituras existirem.
Por volta dos anos 70 d.C. surgem os
evangelhos sinóticos e, aos 100 d.C., o evangelho de São João. Não somos nem
capazes, muitas vezes, de lembrarmos o que comemos ontem no almoço, como é
então que 70, 100 anos depois as pessoas ainda lembravam de detalhes da fala e
da vida de Jesus Cristo? Somente por obra do Espírito Santo. O que nos faz crer
que a Bíblia foi inspirada por Deus.
Além de toda essa dificuldade ainda havia
hereges que queriam reduzir o Novo Testamento a pouquíssimos livros, já outros
queriam fazer um apanhado com mais de 40 livros – como era o caso dos
gnósticos. Coube, então, aos bispos da Santa Igreja o papel de discernir quais
escritos falavam de Cristo com autenticidade e quais eram apócrifos. Portanto,
o Espírito deveria inspirar quem escrevia e quem lia. Cada novo escrito que
chegava ao conhecimento dos bispos era como uma maçaneta nova, caso o prelado
tivesse a chave, a autenticidade da porta seria provada.
Passaram-se muitos anos e já havia Bíblia em
muitos lugares. Era por volta do ano de 1500. Neste período nasceu a Reforma
Protestante. Para Martinho Lutero, foi fácil afirmar que sola scriptura
(somente a Escritura) é fundamento para a verdade de fé, quando vivia na época
da imprensa e podia fazer tiragem de cópias e distribuir Bíblia a quem
quisesse.
Durante 1500 anos a Igreja Católica conservou
as Sagradas Escrituras e a transmitiu a seu povo através das Missas, isto
porque nem todos tinham condições de ter a Bíblia em casa. Esta era escrita em
pergaminho (feito com pele de carneiro), com uma tinta especial e através de um
monge que escrevia à mão a Bíblia inteirinha. Agora, imagine o preço de um
produto como esse! Era caríssimo! Por isso, só era reservada a mosteiros,
catedrais e bibliotecas ricas.
Mas a Santa Igreja, em sua grande sabedoria,
jamais deixou de transmitir Jesus Cristo, a Palavra de Deus, o Verbo Encarnado
às pessoas. Mesmo quando a Bíblia ainda nem estava escrita. Sempre foi possível
falar de Jesus. Daquele homem que tocou a vida de muitas pessoas ao longo de
dois mil anos.
A Palavra de Deus não é a Bíblia, é Jesus,
vivo e ressuscitado. Não é um livro onde aprendemos uma doutrina. Nem mesmo um
livrinho de histórias. Quando lemos sobre Jesus na Celebração Eucarística
trazemos Cristo à assembleia e não apenas um saber milenar. Da mesma maneira
que ele vem em forma de pão a nós, também vem em forma de palavra.
Fr. Thiago Pereira, SCJ
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Fonte: Aleteia
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