"Desperta, tu que dormes, levanta-te
dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá" (Ef 5, 14). A luz e o
dia que vencem a escuridão são imagens que perpassam as culturas e as épocas,
presentes também em várias concepções da vida humana em diversas religiões. Também
a Sagrada Escritura recorre com frequência a esta polarização entre a luz e as
trevas, como apresenta a Igreja durante estes dias de Quaresma.
A Igreja vive uma estação claramente
catecumenal, proporcionando aos que já são batizados acompanharem os irmãos e
irmãs que serão batizados na Vigília Pascal e renovarem seus compromissos.
Neste percurso formativo, todos os cristãos são convidados a se confrontarem
com Cristo, Água viva que sacia a humanidade, Luz do Mundo, vencedor das trevas
do pecado, Cristo, Ressurreição e vida. Na presente etapa, o convite é dirigido
a todas as pessoas que querem deixar-se tocar por Jesus, acompanhados por um
certo cego de nascença, na narrativa esplendorosa do Evangelho de São João (Jo
9, 1-38). Jesus realiza uma obra nova, recria o cego, que alcança o ponto mais
alto de sua existência: "Quando Jesus o encontrou, perguntou-lhe: 'Tu crês
no Filho do Homem?' Ele respondeu: 'Quem é, Senhor, para que eu creia nele?'
Jesus disse: 'Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo. Ele
exclamou: 'Eu creio, Senhor!' E ajoelhou-se diante de Jesus" (Jo 9,35-38).
Ouvi de uma mulher, cega de nascença, na
autoridade de seus mais de oitenta anos, uma afirmação desconcertante:
"Agradeço a Deus por ser cega, pois a maior parte dos pecados começa com a
vista! Não enxergando, posso pecar menos, dizia magistralmente esta senhora que
nunca leu uma letra, diante de alguém que se tinha debruçado várias vezes
diante da palavra do Evangelho: "Se teu olho direito te leva à queda,
arranca-o e joga para longe de ti! De fato, é melhor perderes um de teus
membros do que todo o corpo ser lançado ao inferno" (Mt 5,29). Trata-se
uma revolução na escala de valores que pode orientar a vida, na qual importa
efetivamente uma vida distante do pecado! É que Deus não nos fez para o egoísmo
e a maldade, mas para a virtude e para o bem!
O presente de Deus que nos foi confiado no
Batismo, a iluminação da fé, abre horizontes diferentes para a vida inteira. O
próprio Batismo já foi chamado "iluminação". Os cristãos hão de
aproveitar a graça da purificação quaresmal, lavar seus olhos, ou quem sabe
passar um bom colírio (Cf. Ap 3,18), para enxergar de novo e de forma renovada
a vida e os acontecimentos. Cabe-lhes mudar o rumo da vida e contribuir para
que o mundo se conforme aos valores do Reino de Deus. Ora, trata-se de fazer
opções diferentes, afastando-se da escuridão do pecado, buscando lá dentro, no
Batismo recebido, as forças para lutar contra a correnteza.
A Igreja nos oferece, através das leituras da
Escritura escolhidas para o Tempo Quaresmal, indicações precisas, para que a
luz de Deus, que um dia brilhou em nós pelo Batismo, jamais se esconda e não se
apague em nós o seu fulgor, como muitas vezes cantamos num hino de renovação do
Sacramento da iluminação! Sim, queremos que o amor plantado em nossos corações
ajude os irmãos a caminharem, guiados pelas mãos de Deus, na nova Lei do
Evangelho. É na escola de São Paulo (Ef 5, 8-14) que encontramos os frutos da
luz!
A luz de Deus resplandece na bondade com que os
cristãos são chamados a agir. Pequenos gestos de atenção, olhares feitos de
simplicidade, iniciativas comunitárias, compromisso com o bem. Mesmo quando nos
sentimos limitados, ou quando efetivamente pecamos pela fraqueza que nos
acompanha, ser filhos da luz significa não compactuar com as más intenções, mas
purificar-nos decididamente, comprometendo-nos com o bem.
Os homens e as mulheres marcados pela graça
batismal se comprometem com a justiça e não aceitam qualquer vínculo com meios
ilícitos em vista de objetivos como o lucro, a projeção social ou qualquer
outro proveito a ser alcançado indignamente. Consequências? Palavra dada,
lisura nos negócios, retidão na administração dos bens, irrepreensibilidade no
comportamento social.
Mais ainda, no programa de vida decorrente do
Batismo: a opção pela verdade. A história da Igreja e da humanidade está
repleta de exemplos de homens e mulheres retilíneos em seu comportamento,
capazes de suscitar santa inveja em gerações que os sucedem. É claro que tal
escolha tem consequências, inclusive sofrimento ou derramamento do próprio
sangue para serem coerentes com a verdade. São pessoas das quais "o mundo
não era digno"(Hb 11,38), que enfrentaram todos os desafios, sem jamais
ceder no compromisso assumido. E escolheram a Verdade que é Jesus Cristo, sem
inventar suas próprias verdades ou meias-verdades.
Para alcançar tais alturas, as quais todos
somos destinados, quem se descobre filho da luz, no sentido que São Paulo, na
Carta aos Efésios (5, 8-14) e a Igreja entendem, busca o discernimento do que
agrada ao Senhor. Um dos pontos de referência se encontra nos mandamentos,
resumidos no amor a Deus e ao próximo. Outra ajuda preciosa no discernimento é
a chamada "regra de ouro" (Cf. Mt 7,12), que propõe fazer aos outros
aquilo que desejamos que seja feito a nós mesmos. Vale também escutar as outras
pessoas, conselheiros e conselheiras que nos ajudam a ver ângulos diferentes
quando se trata de tomar decisões. Mais ainda, é na escuta da Palavra de Deus e
na oração que se identifica cada passo a ser dado na vida.
A seriedade com que o cristão assume sua vida
exige ainda que ele não se associe com as obras das trevas. De fato, tudo o que
precisa ficar escondido, resistindo à luz da verdade, traz consigo suspeita e
desconfiança, pelo que a prática das virtudes evangélicas acrescenta ainda a
exigência de radicalidade. Não dá para ser meio cristão e meio pagão. Se
quisermos ser honestos com a própria consciência e com a verdade, não será
possível manter conceitos como "não praticante", referindo-se a
cristãos que entenderam a beleza da graça recebida no Batismo.
O apelo feito pela Igreja
é, sim, pela seriedade na vivência cristã. E este é o tempo oportuno, a hora da
graça e da salvação. Cresça em número e qualidade o povo amado por Deus. E
como, graças a Deus, a maioria das pessoas que se envolvem conosco recebeu o
Batismo, é hora de dizer: ninguém fique de fora!
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Fonte: ZENIT
(28 de Março de 2014) © Innovative Media Inc.
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