Poderiam ampliar esta informação, por favor? Há nulidade matrimonial quando se
dão casos de coerção moral, erro ou dolo sobre alguma qualidade essencial do
cônjuge?
Aqui
estamos falando, de fato, de duas possíveis causas de nulidade matrimonial contempladas no Direito Canônico da Igreja, dentro da
área dos “vícios de consentimento”. Detalharei as duas, citando os respectivos
cânones do Código de Direito Canônico (CIC) e acrescentando um breve comentário.
De
qualquer maneira, como ocorre nestes temas, a lei indica a causa, que
necessariamente deve ser uma fórmula geral, mas que depois precisa ser aplicada
ao caso concreto pelos tribunais. É impossível “enquadrar” a vida em um pequeno
conjunto de artigos de um código, e inevitavelmente haverá casos difíceis de
discernir – mas é para isso que existem os tribunais.
Em
outras palavras, não se pode esperar que a simples leitura dos cânones permita
deduzir de forma indiscutível uma solução clara – se incidem ou não – para
todos os casos que possam se apresentar.
Além
disso, aqui há uma dificuldade a mais: estamos falando de defeitos (“vícios”)
de consentimento, e o consentimento é algo interior. Então, os tribunais só
podem trabalhar com provas externas que indicam, melhor ou pior, o
consentimento que houve, mas não há uma garantia total do que se prova, ou
seja, de que o consentimento tenha estado realmente viciado.
Dito
isso, passo a examinar os casos:
1. O
erro da pessoa. Cânon 1097: “§ 1. O erro de pessoa torna inválido o matrimônio. § 2. O erro de qualidade da pessoa, embora seja
causa do contrato, não torna nulo o matrimônio, salvo se essa qualidade for direta e
principalmente visada”.
Dos
dois supostos, o primeiro é, sem dúvida, o mais claro, mas ao mesmo tempo é um
suposto bastante raro: prestar o consentimento a uma pessoa quando, na
realidade, é outra pessoa seu receptor.
É raro
porque, de fato, só acontece quando os contraentes não se viram antes do casamento –
algo que hoje, pelo menos no Ocidente, não ocorre.
O
segundo suposto é mais habitual, de fato, mas ao mesmo tempo é bastante mais
difícil que se torne causa de nulidade. Pensemos neste exemplo: “Eu achei que havia me
casado com um médico, mas ele me enganou, sua profissão não era essa”.
Este
caso realmente é lamentável, mas, para que seja caso de nulidade, a condição de médico teria de ser o principal motivo
pelo qual se contraiu matrimônio. E a pessoa precisaria provar isso. O cânon deixa
bem claro que não é suficiente alegar que, “Se eu soubesse, nunca teria me
casado”. Por isso, este motivo não costuma ser muito utilizado nas causas de
nulidade.
Só
conta um erro em algo que, de maneira inequívoca, desvirtue o consentimento.
Não estamos falando de descobrir, depois de algum tempo, que o cônjuge não era
tão maravilhoso como se pensava, como aparentava ou como havia feito acreditar.
Por
quê? Porque, em maior ou menor medida, isso acontece sempre ou quase sempre –
também com nós mesmos. É por isso que se traça uma linha em uma ignorância que
seja o principal fator do consentimento outorgado.
2. A
violência e o medo. Cânon 1103: “É inválido o matrimônio contraído
por violência ou por medo grave proveniente de causa externa, ainda que
incutido não propositadamente, para se livrar do qual alguém seja forçado a
escolher o matrimônio”.
A
primeira observação é que deve ser uma causa externa. O puro medo subjetivo de
casar-se, que às vezes pode ser bastante intenso, não serve para este efeito.
De qualquer maneira, é preciso ser provocado de forma objetiva por uma causa
externa ao sujeito.
O
segundo requisito é que seja grave. Nem sempre é fácil determinar a gravidade,
mas, em todo caso, é preciso recorrer ao senso comum (o que se costuma entender
como algo grave e importante) e ao bom senso.
Como a violência já consumada (por exemplo, sequestrar alguém
para arrancar-lhe o consentimento matrimonial) não é frequente, é preciso ver a
violência aqui como um caso dentro do medo: o medo pode ser de muitas coisas,
como perder o emprego, ser expulso do âmbito familiar, ser chantageado etc. Mas
fica fora de dúvidas quando se trata de ameaças de violência.
A
verdade é que, antigamente, este motivo tinha mais incidência que na
atualidade, pelo menos em sociedades modernas. Ocorria com certa frequência,
por exemplo, em casos em que um homem deixava uma mulher grávida, e a família
desta o obrigava a casar-se com ela, inclusive sob ameaça de morte. Hoje, isso
pode acontecer às vezes, mas não é uma causa alegada com frequência diante do
tribunal.
O
motivo da cauda de nulidade aqui
é bastante claro: o consentimento precisa ser livre. E, nos casos contemplados,
ele deixa de sê-lo – pelo menos, deixa de sê-lo na medida requerida para dar um
consentimento matrimonial.
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Disponível em: Aleteia
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