terça-feira, 10 de junho de 2014

Eu me casei sem conhecer bem meu marido. Meu casamento é nulo?


Poderiam ampliar esta informação, por favor? Há nulidade matrimonial quando se dão casos de coerção moral, erro ou dolo sobre alguma qualidade essencial do cônjuge?
 
Aqui estamos falando, de fato, de duas possíveis causas de nulidade matrimonial contempladas no Direito Canônico da Igreja, dentro da área dos “vícios de consentimento”. Detalharei as duas, citando os respectivos cânones do Código de Direito Canônico (CIC) e acrescentando um breve comentário.

 
De qualquer maneira, como ocorre nestes temas, a lei indica a causa, que necessariamente deve ser uma fórmula geral, mas que depois precisa ser aplicada ao caso concreto pelos tribunais. É impossível “enquadrar” a vida em um pequeno conjunto de artigos de um código, e inevitavelmente haverá casos difíceis de discernir – mas é para isso que existem os tribunais.

 
Em outras palavras, não se pode esperar que a simples leitura dos cânones permita deduzir de forma indiscutível uma solução clara – se incidem ou não – para todos os casos que possam se apresentar.

 
Além disso, aqui há uma dificuldade a mais: estamos falando de defeitos (“vícios”) de consentimento, e o consentimento é algo interior. Então, os tribunais só podem trabalhar com provas externas que indicam, melhor ou pior, o consentimento que houve, mas não há uma garantia total do que se prova, ou seja, de que o consentimento tenha estado realmente viciado.

 
Dito isso, passo a examinar os casos:



1. O erro da pessoa. Cânon 1097: “§ 1. O erro de pessoa torna inválido o matrimônio. § 2. O erro de qualidade da pessoa, embora seja causa do contrato, não torna nulo o matrimônio, salvo se essa qualidade for direta e principalmente visada”.

 
Dos dois supostos, o primeiro é, sem dúvida, o mais claro, mas ao mesmo tempo é um suposto bastante raro: prestar o consentimento a uma pessoa quando, na realidade, é outra pessoa seu receptor.

 
É raro porque, de fato, só acontece quando os contraentes não se viram antes do casamento – algo que hoje, pelo menos no Ocidente, não ocorre.

 
O segundo suposto é mais habitual, de fato, mas ao mesmo tempo é bastante mais difícil que se torne causa de nulidade. Pensemos neste exemplo: “Eu achei que havia me casado com um médico, mas ele me enganou, sua profissão não era essa”.

 
Este caso realmente é lamentável, mas, para que seja caso de nulidade, a condição de médico teria de ser o principal motivo pelo qual se contraiu matrimônio. E a pessoa precisaria provar isso. O cânon deixa bem claro que não é suficiente alegar que, “Se eu soubesse, nunca teria me casado”. Por isso, este motivo não costuma ser muito utilizado nas causas de nulidade.

 
Só conta um erro em algo que, de maneira inequívoca, desvirtue o consentimento. Não estamos falando de descobrir, depois de algum tempo, que o cônjuge não era tão maravilhoso como se pensava, como aparentava ou como havia feito acreditar.
 
Por quê? Porque, em maior ou menor medida, isso acontece sempre ou quase sempre – também com nós mesmos. É por isso que se traça uma linha em uma ignorância que seja o principal fator do consentimento outorgado.

 
2. A violência e o medo. Cânon 1103: “É inválido o matrimônio contraído por violência ou por medo grave proveniente de causa externa, ainda que incutido não propositadamente, para se livrar do qual alguém seja forçado a escolher o matrimônio”.

 
A primeira observação é que deve ser uma causa externa. O puro medo subjetivo de casar-se, que às vezes pode ser bastante intenso, não serve para este efeito. De qualquer maneira, é preciso ser provocado de forma objetiva por uma causa externa ao sujeito.
 
O segundo requisito é que seja grave. Nem sempre é fácil determinar a gravidade, mas, em todo caso, é preciso recorrer ao senso comum (o que se costuma entender como algo grave e importante) e ao bom senso.


Como a violência já consumada (por exemplo, sequestrar alguém para arrancar-lhe o consentimento matrimonial) não é frequente, é preciso ver a violência aqui como um caso dentro do medo: o medo pode ser de muitas coisas, como perder o emprego, ser expulso do âmbito familiar, ser chantageado etc. Mas fica fora de dúvidas quando se trata de ameaças de violência.
 
A verdade é que, antigamente, este motivo tinha mais incidência que na atualidade, pelo menos em sociedades modernas. Ocorria com certa frequência, por exemplo, em casos em que um homem deixava uma mulher grávida, e a família desta o obrigava a casar-se com ela, inclusive sob ameaça de morte. Hoje, isso pode acontecer às vezes, mas não é uma causa alegada com frequência diante do tribunal.


 
O motivo da cauda de nulidade aqui é bastante claro: o consentimento precisa ser livre. E, nos casos contemplados, ele deixa de sê-lo – pelo menos, deixa de sê-lo na medida requerida para dar um consentimento matrimonial.
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Disponível em: Aleteia

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