Mineração
e Hidrelétricas em Terras Indígenas
“A
Igreja está na Amazônia
não
como aqueles que têm as malas na mão,
para
partir depois de terem explorado
tudo
o que puderam”.
(Papa
Francisco aos Bispos do Brasil, Rio de Janeiro,
27
de julho de 2013.)
O nosso país
intensificou, nos últimos anos, uma política de crescimento econômico que passa
pela exploração dos recursos naturais para a exportação. Este modelo econômico
não é novo e já nos legou marcas de desigualdade social e de injustiça
ambiental: os benefícios ficam na mão de poucos, enquanto os impactos e
prejuízos, muitos deles irreversíveis, pesam sobre as costas de comunidades
indígenas, camponesas, ribeirinhas e quilombolas; repercutem ainda no inchaço
de muitas de nossas cidades. Mesmo não sendo um modelo novo, estamos assistindo
a sua intensificação, fazendo lembrar as políticas do mal chamado
“desenvolvimento”, que o Regime Militar impulsionou na década de 1970.
Tal realidade é mais
gritante na região amazônica. Dezenas de projetos de médias e grandes
hidrelétricas estão barrando o curso dos rios que formam a bacia amazônica. Do
Teles Pires ao rio Branco, do Madeira ao Tapajós e o Xingu, passando por outras
barragens projetadas sobre rios amazônicos de países vizinhos, como Peru e
Bolívia. Os impactos ambientais desses grandes projetos são incalculáveis e
irreversíveis, já suficientemente demonstrados por estudos científicos e pela
própria experiência de projetos passados. E os impactos sobre os territórios e
a vida de tantas comunidades ribeirinhas e indígenas, considerando
particularmente os povos indígenas isolados, serão gravíssimos.
Os grandes projetos
hidrelétricos não são pensados para as comunidades e regiões locais. Respondem
a interesses maiores, de grandes empresas nacionais e transnacionais e ao ídolo
do crescimento macroeconômico que a miopia política insiste em perseguir.
Hidrelétricas e Mineração sempre andaram juntas: todo projeto hidrelétrico abre
a porta, favorece e alimenta os grandes projetos de mineração para exportação
que rondam a Amazônia.
O Governo Federal
propõe-se a multiplicar por quatro a exploração mineral em nosso país até 2030.
No decorrer dos próximos anos, incrementará grandes projetos extrativos, razão
pela qual se empenha, junto com o Congresso Nacional, pela aprovação do Novo
Código de Mineração. Circula ainda na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
1610/99. Este Projeto de Lei visa regulamentar a mineração em terras
indígenas, sem garantir salvaguardas sobre lugares sagrados nem medidas para
proteger a vida das comunidades.
A Amazônia,
como se sabe, é região cobiçada pelos interesses minerários que reúnem grandes
empresas transnacionais a setores políticos e econômicos de nosso país.
Recordamos os 30 anos da exploração no Carajás como prova de que a mineração em
grande escala traz consequências funestas: é um tipo de economia que absorve a
maior parte dos empreendimentos econômicos sem conseguir diversificá-los
nem construir uma perspectiva de sustentabilidade na região. Provoca a chegada
de milhares de trabalhadores, a criação espontânea de vilas e cidades e o
acúmulo de toneladas de rejeitos. Não existem experiências bem sucedidas de
políticas preventivas ao fim do minério. Quando a exploração mineira se esgota
(muitas vezes antes do previsto), os impactos deixados se tornam irreversíveis
e a recuperação social, econômica e ambiental fica comprometida.
A quem pode
interessar um crescimento econômico assim? É este o desenvolvimento em que
acreditamos, aquele que gera vida para todos e vida em abundância?
No mês de maio, povos
indígenas de Roraima, Guiana e Venezuela, junto com o CIMI, o ISA e outros,
reuniram-se na comunidade de Tabalascada no I Seminário sobre Mineração e
Hidrelétricas em Terras Indígenas. Nesse encontro, os povos indígenas
levantaram sua voz firme e clara contra esses grandes projetos em seus
territórios. “Para nós, o que tem
importância é a terra, a vida, as florestas, os animais, a cultura, a
tranquilidade e essa forma de vida garantida para nossas futuras gerações”,
afirma o documento final do encontro. Do território guianense, 68%podem ser
afetados por projetos de mineração e hidrelétricas. Na Venezuela, avançam as
concessões de vastas áreas amazônicas do país para empresas chinesas, enquanto
90% das terras indígenas ainda não foram demarcadas. O Brasil, além de
encaminhar propostas legislativas visando permitir e facilitar esses
empreendimentos nos territórios indígenas, já vem comprometendo recursos
públicos (de todos nós!) no financiamento de grandes projetos em países
vizinhos, como Peru, Bolívia e Guiana.
Os povos indígenas
têm o direito de serem consultados e definirem livremente o caminho que querem
seguir. Em uma Nota da Hutukara Associação Yanomami – HAY, Davi Kopenawa
Yanomami afirma sabiamente: “Nós
não somos contra o desenvolvimento: nós somos contra apenas o desenvolvimento
que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós [..].Nós, Yanomami, temos
outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem
enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças
satisfeitas”. Os Estados, por sua vez, têm o dever legal e moral de
consultar os povos indígenas sobre quaisquer empreendimentos ou iniciativas
legislativas que os afetem, e, em decorrência, respeitar assuas decisões.
Os povos
amazônicos são portadores de uma enorme contribuição para a vida e o nosso
futuro. Sua profunda espiritualidade, sua relação com a Mãe-Terra, com as
florestas, os rios e todas as formas de vida com que convivem; seu
impressionante acervo de conhecimentos aponta caminhos diferentes e
humanizadores para todos nós.
Mineração e
Hidrelétricas são faces de um projeto econômico que é lesivo não apenas para os
povos indígenas, mas para toda a sociedade e o planeta. Agride a Vida e
compromete as gerações que virão depois de nós. Como diz o Documento de
Aparecida, conclusivo da V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe: “Nossa
irmã a mãe terra é nossa casa comum e o lugar da aliança de Deus com os seres
humanos e com toda a criação. Desatender as mútuas relações e o equilíbrio que
o próprio Deus estabeleceu entre as realidades criadas, é uma ofensa ao
Criador, um atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a
vida”. (DAp.125).
Boa Vista-RR, 06 de
Junho de 2014
Roque
Paloschi
Bispo da Diocese de
Roraima
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