Analisar qualquer obra de arte, especialmente as grandiosas e épicas como o afresco “O Juízo Final” (Il Giudizio Universale) de Michelangelo, A Divina Comédia de Dante ou a Nona Sinfonia de Beethoven sob a luz (perdoem-me o paradoxo) da lacração sempre será uma barca furada.
“Lacração” nada mais é que um discurso que interpreta algo de maneira rasa, com nenhuma intenção de se buscar a verdade, mas tão somente para se criar uma narrativa de cunho político-ideológico, particularmente de acordo com a agenda autodenominada “progressista”.
A elite bem-comportada e sinalizadora de falsas virtudes alçada à categoria de “pensadores modernos” pelo establishment está cheia de lacração, até o talo. A lacração é, de fato, o comburente da fogueira à qual são despejadas toda sorte de estultices. A lacração é o próprio ar que se respira no mundo dos Macaquinhos e Queermuseum.
Déborah Aladin é uma das queridinhas da velha mídia, juntamente com outros jovenzinhos eleitos sabe-se lá por quem como sendo as mais novas promessas da intelectualidade tupiniquim, tal qual Felipe Neto, o porta-voz do STE contra as fake news (que soltou a maior fake news da década), Átila Iamarino, o pequeno estalinista de tiara, Jonas Manoel e a globalistinha Soros-friendly, Tábata Amaral.
Recentemente a professorinha Déborah Aladin soltou uma pérola no Twitter e, após receber uma chuva de avisos de seu erro crasso, simplesmente apagou a própria conta, provavelmente voltando para a lâmpada de onde saiu.
Decerto que tal narrativa não foi invenção da professora Aladin. Há muito mais de 40 ladrões por aí, prontos a roubar a realidade e torcê-la sem dó para que caiba em suas narrativas. Há até um tour gay no Vaticano, no qual o guia, empolgadíssimo, avisa aos g(ui)ados: “Agora, à nossa direita, veremos um homem nu e gostosão, ui!”
Aproveitemos então a súbita, porém equivocada popularidade da obra magistral de Michelangelo para, de uma vez por todas, desmistificar essa bobajada.
O afresco “Il Giudizio Universale”, feito entre 1535 e 1541 pelo mestre renascentista Michelangelo Buonarroti, retrata o momento que todos os cristãos esperam com esperança e pavor: o fim dos tempos, o começo da eternidade, quando o mortal se torna imortal, quando os eleitos se unem a Cristo em seu reino celestial e os condenados são lançados nos tormentos intermináveis do inferno.
A conclusão do teto da Capela Sistina, em 1512, selou a reputação de Michelangelo como o maior mestre da figura humana – especialmente o nu masculino. O Papa Paulo III estava bem ciente disso quando o encarregou de repintar a parede do altar da capela com a representação do Juízo Final. O foco de Michelangelo – teologicamente correto – está na ressurreição do corpo. A pura fisicalidade desses nus musculosos afirmava a doutrina católica da ressurreição corporal (que no dia do julgamento, os mortos ressuscitariam em seus corpos, não como almas incorpóreas).
Após a conclusão da obra, alguns ficaram escandalizados – sobretudo pela nudez – apesar de sua exatidão teológica. Os críticos também se opuseram às poses contorcidas (algumas resultando na apresentação indecorosa de nádegas), a ruptura com a tradição pictórica (o Cristo imberbe, os anjos sem asas) e o aparecimento de seres mitológicos (as figuras de Caronte e Minos) em uma cena sacra. Os críticos viram esses enfeites como distrações da mensagem espiritual do afresco e acusaram Michelangelo de se preocupar mais em exibir suas habilidades criativas do que em retratar a verdade sagrada com clareza e decoro. A arte religiosa era o “livro dos analfabetos” e como tal deveria ser fácil de entender.
O Juízo Final de Michelangelo, no entanto, não foi pintado para um público leigo e iletrado. Ao contrário, foi projetado para um público muito específico, elitista e erudito. Esse público entenderia e apreciaria seu estilo figurativo e inovações iconográficas. Eles reconheceriam, por exemplo, que sua inclusão de Caronte e Minos foi inspirada no Inferno de Dante, um texto que Michelangelo admirava muito. Eles veriam no rosto jovem de Cristo sua referência ao Apolo Belvedere, uma antiga escultura helenística grega na coleção papal elogiada por sua beleza ideal. Assim, Michelangelo descreve a identidade de Cristo como o “Sol da Justiça” (Malaquias 4, 2).
Como Dante em seu grande poema “A Divina Comédia”, Michelangelo buscou criar uma pintura épica, digna da grandeza do momento. Ele usou metáfora e alusão para ornamentar seu assunto. Seu público educado se deliciaria com suas referências visuais e literárias.
Originalmente destinado a um público restrito, as gravuras reprodutivas do afresco rapidamente o espalharam por todos os lugares, colocando-o no centro de debates animados sobre os méritos e abusos da arte religiosa. Enquanto alguns o aclamaram como o auge da realização artística, outros o consideraram o epítome de tudo o que poderia dar errado com a arte religiosa e pediram sua destruição. No final, um acordo foi alcançado. Pouco depois da morte do artista em 1564, Daniele Da Volterra foi contratado para cobrir nádegas e virilhas nuas com pedaços de cortina e repintar Santa Catarina de Alexandria, originalmente retratada sem roupa, e São Brás, que pairava ameaçadoramente sobre ela com seus pentes de aço.
A composição
O Juízo Final de Michelangelo está entre as interpretações mais poderosas deste momento na história da arte cristã. Mais de 300 figuras musculosas, em uma variedade infinita de poses dinâmicas, preenchem a parede até suas bordas. Ao contrário das cenas nas paredes e no teto, o Juízo Final não é limitado por uma borda pintada, mas é abrangente e se expande além do campo de visão do espectador. Ao contrário de outras narrativas sagradas que retratam acontecimentos do passado, esta envolve o espectador: ainda não aconteceu e, quando acontecer, o espectador estará entre aqueles cujo destino está determinado.
Apesar da densidade das figuras, a composição é claramente organizada em camadas e quadrantes, com subgrupos e pares significativos que facilitam a legibilidade do afresco. No seu todo, sobe à esquerda e desce à direita, relembrando as balanças utilizadas para pesar as almas em muitas representações do Juízo Final.
Cristo é o fulcro dessa composição complexa. Uma figura poderosa e musculosa, ele dá um passo à frente em um gesto de torção que põe em movimento a classificação final das almas (os condenados à sua esquerda e os abençoados à sua direita). Aninhada sob seu braço erguido está a Virgem Maria. Michelangelo mudou sua postura de uma de súplica de braços abertos em nome da humanidade visto em um desenho preparatório, para uma de aquiescência ao julgamento de Cristo. O tempo de intercessão acabou. O julgamento foi aprovado.
Diretamente abaixo de Cristo, um grupo de anjos sem asas (à esquerda), com as bochechas infladas pelo esforço, tocam as trombetas que chamam os mortos a ressuscitar, enquanto outros dois seguram abertos os livros que registram as ações dos ressuscitados. O anjo com o livro dos condenados enfaticamente o inclina para baixo para mostrar aos condenados que seu destino é justamente baseado em seus erros.
Os eleitos (aqueles que vão para o céu)
Na parte inferior esquerda da composição (à direita de Cristo), os mortos emergem de seus túmulos, tirando suas mortalhas. Alguns se erguem sem esforço, atraídos por uma força invisível, enquanto outros são auxiliados por anjos hercúleos, um dos quais levanta um par de almas que se agarram a um cordão de contas de rosário.
Este detalhe reafirma uma doutrina contestada pelos protestantes: a oração e as boas obras, e não apenas a fé e a graça divina, desempenham um papel na determinação do destino de uma pessoa na vida após a morte. Logo abaixo, um corpo ressuscitado é pego em violento cabo de guerra, puxado em uma extremidade por dois anjos e na outra por um demônio com chifres que escapou por uma fenda no monte central. Esta brecha na terra fornece um vislumbre do fogo do inferno.
Os condenados (aqueles que vão para o inferno)
À direita da composição (esquerda de Cristo), os demônios arrastam os condenados para o inferno, enquanto os anjos espancam aqueles que lutam para escapar de seu destino. Uma alma é golpeada por um anjo e arrastada por um demônio, com a cabeça primeiro; uma bolsa de dinheiro e duas chaves penduradas em seu peito. Seu é o pecado da avareza. Outra alma – exemplificando o pecado do orgulho – ousa revidar, contestando arrogantemente o julgamento divino, enquanto uma terceira (na extrema direita) é puxada por seu escroto (seu pecado foi a luxúria). Esses pecados foram especificamente apontados em sermões proferidos na corte papal.
No canto inferior direito da parede do altar, Caronte – o barqueiro da mitologia grega que transporta almas para o submundo – balança seu remo enquanto conduz os condenados para a costa do inferno. No canto inferior direito está outro personagem mitológico, o Minos com orelhas de burro, sua própria pecaminosidade carnal indicada pela cobra que morde seus genitais. Ele está na beira do inferno, julgando os recém-chegados para determinar sua punição eterna.
Na companhia de Cristo
Embora tais detalhes tenham como objetivo provocar terror no espectador, a pintura de Michelangelo é principalmente sobre o triunfo de Cristo. O reino do céu domina. Os eleitos cercam Cristo; eles se avultam no primeiro plano e se estendem até a profundidade da pintura, dissolvendo os limites do plano do quadro. Alguns seguram os instrumentos de seu martírio: André, a cruz em forma de X, Lawrence, a grade de ferro, São Sebastião um feixe de flechas, para citar apenas alguns.
Especialmente proeminentes são São João Batista e São Pedro, que flanqueiam Cristo à esquerda e à direita e compartilham suas enormes proporções (acima). João, o último profeta, é identificável pela pele de camelo que cobre sua virilha e balança atrás de suas pernas; e, Pedro, o primeiro papa, é identificado pelas chaves que ele retorna a Cristo. Seu papel como guardião das chaves do reino dos céus terminou. Esse gesto foi um lembrete vívido ao papa de que seu reinado como vigário de Cristo foi temporário – no final, ele também responderá a Cristo.
Nas lunetas (espaços semicirculares) no canto superior direito e esquerdo, os anjos exibem os instrumentos da paixão de Cristo, conectando assim este momento triunfal à morte sacrificial de Cristo. Esta parte da parede se projeta um pé para a frente, tornando-se visível para o sacerdote no altar abaixo enquanto ele comemora o sacrifício de Cristo na liturgia da Eucaristia.
O auto-retrato
Ainda mais comovente é a inserção de Michelangelo no afresco. Seu é o rosto na pele esfolada de São Bartolomeu, uma concha vazia que paira precariamente entre o céu e o inferno. Para seu público instruído, a pele esfolada trazia à mente não apenas as circunstâncias do martírio do santo, mas também a esfola de Marsyas por Apolo. Em sua arrogância tola, Marsyas desafiou Apolo para um concurso musical, acreditando que sua habilidade poderia superar a do próprio deus da música. Sua punição por tal arrogância era ser esfolado vivo. Que Michelangelo se identifique com Marsyas não é surpreendente. Seus contemporâneos o apelidaram de Michelangelo “divino” por sua capacidade de rivalizar com o próprio Deus ao dar forma ao corpo ideal. Freqüentemente, ele lamentou seu orgulho juvenil, que o levou a se concentrar na beleza da arte em vez da salvação de sua alma. Então, aqui, em uma obra feita por volta dos 60 anos, ele reconhece seu pecado e expressa sua esperança de que Cristo, ao contrário de Apolo, terá misericórdia dele e o receberá na companhia dos eleitos.
“Ele virá para julgar os vivos e os mortos”.
O verso do Credo Apostólico, uma declaração antiga da fé cristã, sobressai na obra de Michelangelo de maneira sublime e aterrorizante, não apenas por suas representações cruas e reais, mas pela consciência de nossos próprios pecados. O beijo gay na cena deturpada pela professorinha que voltou à lâmpada representa um ato pecaminoso, feito por aqueles que estão descendo ao inferno, à esquerda do Cristo juiz. Seu próprio braço esquerdo parece apartar-se dos condenados, enquanto o direito chama os eleitos ao Céu. É exatamente o oposto do que a narrativa político-ideológica tenta criar.
Como já foi dito no ensaio da Dra. Esperança Camara, no qual este artigo foi baseado, a obra é, na verdade, assim como o próprio Juízo Final, a representação da esperança na vida eterna e da vitória do Reino de Cristo. Corromper e deturpar seus simbolismos e significados é mais do que “lacrar”, mas um atentado contra a essência do Cristianismo e da Cultura Ocidental.
é maestro e compositor
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