sexta-feira, 20 de julho de 2018

Coreia do Norte: Onde os Filmes de Hollywood são assistidos secretamente


Graças aos dois encontros históricos nos últimos meses, a Coreia do Norte tornou-se a notícia de destaque na mídia recentemente. O primeiro encontro ocorreu em Abril, entre os respectivos chefes de Estado da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, com o intuito de acabar com o estado de hostilidades que marcaram as relações bilaterais desde a Guerra da Coreia (1950-1953). O segundo encontro foi em 12 de Junho, quando o Presidente dos EUA, Donald Trump, e Kim Yong Un, realizaram uma reunião de Cúpula em Singapura. Fora desses encontros sob os holofotes da mídia, o que realmente sabemos sobre a situação do povo norte-coreano? Sobre a Igreja Católica na Coreia do Norte? Como vivem os cristãos e como professam sua fé?

A fim de descobrir algo além das manchetes dos jornais, a Fundação Pontifícia ACN, entrevistou o Padre Kang Ju-Seok, diretor do Instituto Católico para a Paz e Cooperação, localizado em Paju (Coreia do Sul); muito perto da zona desmilitarizada na fronteira entre as duas Coreias. O objetivo do instituto é desenvolver métodos para a construção da paz no nordeste da Ásia e trabalhar para a evangelização do norte.

A entrevista para a ACN, foi conduzida por Mark Riedemann.

Como sabemos muito pouco sobre a Coreia do Norte, poderia nos dar uma visão de como é a vida neste país?

Muitas vezes, a Coreia do Norte é identificada apenas com um problema de segurança e um ditador potencialmente irracional com mísseis. No entanto, muitas vezes nos esquecemos da história dos 24 milhões de pessoas comuns que, assim como você e eu, estão vivendo suas vidas naquele país. Na verdade, não sabemos muito sobre suas histórias. De acordo com os refugiados vindos da Coreia do Norte, não há maneiras de sobreviver dentro de uma economia de estado socialista – por exemplo, há falta de alimentos para as pessoas – dessa forma, as pessoas tiveram que tomar uma iniciativa, contrabandeando mercadorias da China. Muitos refugiados dizem que a mídia estrangeira está se se infiltrando no país e que há, portanto, mais informações. De fato, os norte-coreanos têm tido mais acesso a telefones celulares, aparelhos de DVD e computadores; e cada vez mais assistem, secretamente, a filmes sul-coreanos, novelas e até filmes de Hollywood.

O país tem cerca de 24 milhões de habitantes. É verdade que metade deles vive abaixo da linha da pobreza?

Na década de 90, houve uma grande quantidade de mortos por consequência da fome. Embora não saibamos os números exatos, acreditamos que, naquele período, cerca de um milhão de pessoas morreram e, até os dias de hoje, a maioria dos norte-coreanos tem sofrido com a extrema pobreza. Como o regime norte-coreano violou as regras de relações internacionais, a ONU impôs sanções por um longo período. Me preocupo com as pessoas, especialmente os pobres e vulneráveis, pois são os que mais sofrem com essas sanções.

Poucos entendem a estrutura política na Coreia do Norte e o culto à dinastia Kim por norte coreanos. Pode explicá-los?

Muitos especialistas dizem que o país é uma espécie de grupo religioso e que as pessoas praticam o culto à dinastia da família Kim. Não sabemos exatamente o motivo pelo qual as pessoas fazem isso, nem como funciona o sistema da sociedade. No entanto, presumimos que o medo e o ódio do povo [em relação à Coreia do Sul] poderiam ser uma razão. Durante a Guerra da Coreia, cerca de dois ou três milhões de pessoas morreram na Coreia do Norte, e o governo norte-coreano permanece aproveitando esse trauma que persiste por parte da população.

Antes do reinado da dinastia Kim, no início de 1900, a capital norte-coreana de Pyongyang era uma fonte de atividade cristã conhecida como a Jerusalém Oriental. No seu auge, três em cada dez habitantes eram cristãos praticantes; além disso, mais de duas mil igrejas foram construídas na região. O que aconteceu para que o cristianismo fosse dizimado tão rapidamente?

No início do regime norte-coreano, o governo achou que a religião seria seu principal inimigo. Portanto, começaram a perseguir grupos religiosos de diversas maneiras. Mesmo antes da guerra da Coreia, muitos norte-coreanos, a maioria cristãos, cruzaram a fronteira em busca de liberdade religiosa. Além disso, antes e durante a guerra em que milhões de pessoas foram assassinadas, os cristãos foram perseguidos incessantemente.

Hoje existem quatro igrejas em Pyongyang toleradas pelo Estado: duas ortodoxas russas, uma católica romana e uma protestante. Elas existem como “prova” de que a Coreia do Norte tolera a religião. Seriam elas apenas uma fachada?

É um assunto muito complicado. A Igreja Católica na Coreia do Norte fundou a “Associação de Membros Católicos de Chosun” quando a Catedral de Changchung em 1988. Uma vez estabelecida a Catedral de Changchung (em Pyongyang) e da Associação de Membros Católicos de Chosun, ambas começaram a representar os católicos norte-coreanos, enquanto a Igreja da Coreia do Sul iniciou esforços para uma troca e apoio entre as duas Coreias.

Nos últimos vinte anos, os sacerdotes e católicos do sul, que visitaram a Coreia do Norte através de vários canais, tiveram a oportunidade de visitar a Catedral de Changchung e participar da missa junto aos fiéis norte-coreanos. Trocas humanitárias e ajuda estão ocorrendo através da Catedral de Changchung. No entanto, a atitude dos os padres e fiéis sul-coreanos, em relação à Igreja norte-coreana, é ambígua. Alguns deles estão impressionados com as missas que participaram junto aos norte coreanos. Mas outros suspeitam e se perguntam: “Será que os norte-coreanos, que vêm a missa na catedral de Changchung, são os verdadeiros crentes?”

Na minha opinião, a verdade é que a maioria é mobilizada pelo regime norte-coreano; embora eu acredite que alguns deles sejam autênticos crentes católicos, que assistem às missas celebradas na Catedral de Changchung.

Em 2001, a Coreia do Norte afirmou que havia 38.000 fiéis religiosos: 10.000 protestantes, 3.000 católicos, 10.000 budistas e 15.000 cheononistas (seguidores de uma fé sincrética baseada em grande parte no confucionismo). Há cristãos e de quantos estamos falando?

Infelizmente, não temos números confiáveis. Entretanto, acreditamos que há cristãos.

Você pode nos falar sobre o sistema de estratificação social “Songbun” da Coreia do Norte e como os cristãos são classificados dentro do sistema? (“Songbun determina acesso a necessidades como comida, educação e saúde?)

“Sungbun” é conhecido por ser um sistema que garante e mantém o regime norte-coreano. Nós só podemos confiar nos testemunhos dos desertores norte-coreanos; não é fácil tirar uma conclusão completa e detalhada. Poderíamos apenas supor que, no processo de distribuição de bens e serviços, uma classe ou grupo de pessoas que são leais ao regime, recebe maior participação ou um tratamento mais generoso.

O relatório de 2014 da Comissão de Inquérito da ONU, constatou que o regime era culpado de crimes contra a humanidade dizendo que “os cristãos estão proibidos de praticar sua religião e são perseguidos”. De que tipo de perseguição estamos falando?

A maioria dos desertores que encontrei, afirmaram nunca terem tido contato religioso na Coreia do Norte. Pessoalmente, acredito que é impossível praticar a fé a longo prazo sem ser descoberto por esse regime rigoroso. O caso dos católicos, é uma exceção: a Igreja Católica de Jangchung segue praticando a liturgia. Naturalmente há uma incerteza se os fiéis que se encontram na Catedral de Changchung são católicos autênticos.

O Instituto também busca integrar os refugiados – quais são os desafios que esses desertores enfrentam quando chegam à Coreia do Sul?

Principalmente os refugiados encontram problemas por serem minoria. Além disso, as relações inter-coreanas reforçam as dificuldades. Quando as relações pioram, os refugiados são frequentemente considerados inimigos. E quando o relacionamento melhora, às vezes são considerados como um obstáculo à reconciliação entre as duas Coreias.

Você tem esperança de que um dia o cristianismo retorne ao norte?

Sim. Não muito em breve, mas lentamente. Acredito que o cristianismo retornará com a reforma e abertura da Coréia do Norte. O regime norte-coreano terá que, em algum momento, baixar a guarda contra as religiões e trabalhos de missionários. Creio que o Espírito Santo estará conosco e precisaremos nos esforçar continuamente e com muita paciência.

Como poderíamos ajudar?

No final, precisamos conquistar os corações do povo norte-coreano. O povo cristão pode contribuir realizando obras com amor, sem esperar nada em troca. Segundo o Papa Francisco, como cristãos, devemos acreditar que, no lugar das forças militares, o diálogo e a negociação são o único caminho. Não é um caminho fácil, mas devemos ter esperanças de alcançar a paz por meios pacíficos. Quanto à evangelização e os direitos humanos dos norte-coreanos, trabalhemos juntos pela paz; desse modo, o regime será gradualmente transformado em favor dos norte-coreanos que tem enfrentado muitas dificuldades.
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ACN Brasil

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