Em menos de três meses os brasileiros irão às urnas para votar e escolher um presidente da República, governadores dos Estados, deputados federais e estaduais e dois terços dos membros do Senado. As campanhas eleitorais já vão ganhando as ruas, com lançamentos de pré-candidatos e sondagens sobre as tendências do eleitorado. Passada a Copa do Mundo, as atenções agora se voltam cada vez mais para as eleições que temos pela frente.
Como de costume, as campanhas ficam focadas, sobretudo, na escolha dos chefes do Executivo, em especial do presidente da República. Por enquanto, fala-se bem pouco dos candidatos às duas Casas do Congresso Nacional e menos ainda dos pretendentes a um gabinete nas Assembleias Legislativas. E aí se esconde um equívoco e até um certo perigo para a vida política. Pretende-se, de maneira talvez inconsciente, que o presidente da República resolva todos os problemas do Brasil e seja uma espécie de chefe plenipotenciário. Mas, ao ser eleito, ele não recebe todos os poderes para realizar o que o País precisa, nem mesmo para pôr em prática, sem mais, aquilo que promete na campanha eleitoral. Nas suas decisões, ele depende do Congresso e todas as iniciativas que pretenda tomar, salvo as do funcionamento ordinário da máquina governamental, deverão ser autorizadas por leis aprovadas pelo Legislativo. O presidente não governa sem a Câmara dos Deputados e o Senado.
Há uma percepção insuficiente do poder e da responsabilidade imensa do Congresso Nacional. Os próprios candidatos à Presidência não falam claramente dessa sua dependência do Poder Legislativo. Praticamente, eles nunca chamam a atenção dos eleitores para a necessidade de elegerem deputados e senadores que apoiem as ações do Executivo. Como as campanhas para o Executivo e para o Legislativo se desenvolvem de forma quase paralela e independente, os eleitores acabam deixando para a ultimíssima hora a decisão sobre a escolha dos candidatos para o Congresso. Dessa forma, torna-se quase impossível uma renovação significativa dos mandatários do Legislativo.
Ora, tudo isso é muito preocupante. Nosso atual Congresso está extremamente desacreditado, não só porque grande número de seus membros está sendo investigado por corrupção, mas também porque sua atual representatividade é bastante questionável.
O Legislativo tem um poder enorme nas decisões sobre o que será melhor para o País. Além disso, é o único dos três Poderes com todos os membros eleitos diretamente pelo povo, para representarem, em suas tomadas de decisão, os diferentes interesses presentes na sociedade. Mas este Congresso representa de maneira muito desigual os diversos segmentos sociais, não espelhando a proporção em que eles existem na sociedade brasileira. Com isso, minorias militantes podem impor ao País políticas públicas que não atendem ao interesse geral da população, como também podem ficar ignorados em seus anseios e direitos os setores não bastante aguerridos.
Nessa perspectiva, é muito bem-vinda a campanha supra-partidária “Um novo Congresso é necessário, é possível e vai ser pelo voto”, recém-lançada e nascida dentro da sociedade civil para propor aos eleitores uma reflexão maior sobre a escolha dos deputados federais e senadores. A campanha mostra que o poder para a renovação do Congresso está na mãos dos próprios eleitores, não é preciso esperar, antes, por uma improvável reforma política vinda “de cima”. Os bons ou maus congressistas da próxima legislatura serão aqueles que os próprios eleitores escolherem. Vale recordar que somente um Congresso renovado será capaz de realizar uma boa reforma política, tão necessária ao Brasil.
No atual contexto da crise política, o interesse efetivo dos cidadãos na campanha eleitoral e seu voto esclarecido e responsável serão mais importantes do que nunca. A escolha de candidatos idôneos para o Legislativo terá um papel decisivo para o futuro político do País. Por isso o desalento e o ceticismo em relação à situação política brasileira deveriam dar lugar ao interesse pelos debates, à busca de informação sobre os candidatos à Câmara e ao Senado e ao discernimento acerca das propostas dos partidos. A eleição pode fazer renascer a esperança e impulsionar mudanças no quadro político a partir da vontade expressa do eleitorado.
É presumível que um bom número dos atuais parlamentares se proponha de novo aos eleitores, buscando mais um mandato legislativo. Nesse caso será necessário discernir a respeito do desempenho do candidato nos mandatos anteriores, para saber se esteve comprometido com a transparência no manuseio do patrimônio público e atuou em favor da justiça social, da dignidade e dos direitos básicos da pessoa. Bons candidatos precisam estar comprometidos com políticas públicas para a defesa e a promoção da vida, com a inclusão dos pobres, dos deficientes, dos idosos e dos jovens. Bons políticos são reconhecidos por seu compromisso com as grandes causas no interesse da população. E todas essas expectativas em relação à atuação dos políticos estão estreitamente unidas à preparação pessoal, à retidão e à firmeza do caráter e à estatura moral dos pretendentes ao mandato público.
São as comunidades locais que têm as melhores possibilidades de unir esforços em prol da renovação do Congresso Nacional. Os eleitores são chamados a identificar, entre os candidatos ao Poder Legislativo, aqueles que apresentam as posturas éticas exigidas pela função pública e que assumam um real compromisso com os anseios mais profundos da população: de igualdade, justiça, liberdade e paz. É pela valorização do seu voto que cada cidadão poderá ajudar a melhorar a política brasileira.
Cardeal Odilo Scherer,
Arcebispo de São Paulo
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