É notório nos últimos anos o ressurgimento do
catolicismo no Brasil (tanto que prefiro chamá-lo de “renascimento católico
brasileiro”). A prova para que esta afirmação não seja infundada é a
proliferação de iniciativas católicas, como editoras, associações, centros
culturais e eventos, além de dois deputados, uma federal e um estadual,
explicitamente católicos.
Um caso histórico muito peculiar, e principalmente
didático, foi o do catolicismo político na Alemanha, representado pelo partido
denominado Zentrum (Partido do Centro Alemão), de forma especial no século XIX.
O marco inicial pode ser considerado o fim das guerras napoleônicas e a
realização do Congresso de Viena, em 1815, quando a ilusão revolucionária
perdeu força na Europa em geral e ocorreu a anexação de regiões alemãs
majoritariamente católicas, como a Renânia e a Vestfália, pelo reino
protestante da Prússia.
Com o fim dos principados espirituais do oeste
alemão, como o de Colônia, os católicos da região, que começaram a ter uma
tendência mais ultramontana – ou papista – do que modernista, buscaram se
organizar a fim de defenderem a influência da Igreja dos ataques tanto dos
protestantes quanto dos liberais. Foram as “confusões de Colônia” (Kölner
Wirren), um marco deste processo que resultou na prisão, em 1837, do Arcebispo
Clemens August Droste zu Vischering (alguns fatos são muito semelhantes aos da
Questão Religiosa que ocorreu no Brasil). Este evento gerou uma grande comoção
– e reação pública – de todo o povo católico que estava sob o domínio
prussiano, tendo como um de seus expoentes o professor e publicitário Joseph
von Görres.
Durante boa parte da vida, von Görres foi um
revolucionário e entusiasta da Revolução Francesa, porém, com a invasão de
Napoleão à Alemanha, começou a se distanciar do liberalismo e, após criticar as
ações do governo prussiano contra a Igreja, fugiu para o Reino da Baviera (o
qual é até hoje a região mais conservadora e católica da Alemanha), onde formou
um círculo intelectual que resultaria no catolicismo político deste reino. O
outro marco importante para os católicos alemães foram as revoluções de 1848,
quando é instalado na cidade de Frankfurt a Assembleia Nacional, aprovando no
ano seguinte a constituição da Confederação Alemã. Assim, eles perceberam a
oportunidade de conseguir garantir os direitos fundamentais da Igreja contra o
Estado. Com isso, vários deputados de diversos partidos formaram informalmente
o chamado Clube Católico (Katholische Club), no intuito de aprovar as suas
pautas na Constituição, obtendo certo sucesso, principalmente nas áreas
eclesiástica e educacional.
Com a instalação permanente da Câmara dos
Representantes da Prússia, tais adeptos formaram o Grupo Católico (Katholische
Fraktion), que existiu entre 1852 e 1867. As principais causas de seu
surgimento foram a limitação da ação jesuítica em terras prussianas e a
dificuldade criada pelo governo para evitar que os religiosos estudassem em
Roma, o que rememora as “confusões de Colônia”. A iniciativa de criar o Grupo
Católico partiu dos irmãos August e Peter Reichensperger , o nobre Hermann von
Mallinckrodt e o padre Kaspar Franz Krabbe, conseguindo agregar 64 deputados,
sendo que nas câmaras dos demais reinos alemães surgiram ações parecidas.
Neste período, uma das pautas mais importantes
defendidas pelo Grupo era a defesa da educação católica e, em 1859, mudaram de
nome para Grupo do Centro (Fraktion des Zentrums). Tal mudança deu-se por conta
do arranjo dos assentos do parlamento, mas que refletiu posteriormente nas
votações da bancada, que poderiam ser tanto em prol do governo quanto em prol
da oposição.
Dois fatores foram essenciais para a expansão
do catolicismo político na Alemanha. Um deles foi o surgimento por todo o
território alemão de várias associações católicas desde 1848, de forma especial
as Piusvereine (nome dado em homenagem ao papa da época, Pio IX). O outro fator
seriam as chamadas conferências Soest (nome dado por conta do local da primeira
conferência), sugerida em 1864 por Wilderich Freiherr von Ketteler, irmão do
famoso bispo Wilhelm Emmanuel von Ketteler. Essas conferências, que ocorreram
durantes vários anos de discussão, resultaram, em 28 de outubro de 1870, no Programa
Soester (Soester Programm), que seria o programa político dos católicos alemães
e tinha como principais pautas a defesa da independência da Igreja, das
instituições educacionais católicas, do federalismo forte e do que se chamaria
hoje de subsidiariedade.
Finalmente, em 13 de dezembro de 1870, 48
membros da Câmara dos Deputados da Prússia fundaram oficialmente como partido o
“Grupo do Centro”, cujo primeiro presidente foi Karl Friedrich von Savigny,
filho do famoso jurista. Além dele, podem ser citados como fundadores eminentes
do partido Peter e August Reichensperger, von Mallinckrodt, o hanoveriano
Ludwig Windthorst, Friedrich Wilhelm Weber, Philipp Ernst Maria Lieber e Eduard
Müller.
No ano seguinte, em 1871, foi completada a
unificação alemã e eleições gerais foram realizadas para o primeiro Reichstag
alemão. O Zentrum obteve 18,6% dos votos e 63 mandatos, tornando-se, assim, o
segundo maior partido do parlamento alemão. A questão é que ele era visto como
oposição ao governo, dado que Otto von Bismarck ocupava o cargo de chanceler
(ele seria o equivalente, mutatis mutandis, ao que Getúlio Vargas foi para o
Brasil em diversos aspectos).
Bismarck buscou nas primeiras décadas do novo
regime extirpar a influência da Igreja no Império, o que o levou a obter o
apoio tanto dos conservadores protestantes quanto dos liberais laicistas. Esta
disputa entre a Igreja e o Império Alemão foi denominada de Kulturkampf (em
português, luta cultural), que só começou a amenizar a partir de 1878 e
encerrada oficialmente em 1887. A disputa foi tão acirrada que as relações
diplomáticas foram cortadas e durante este processo mais de 1800 padres foram
presos. Mesmo com algumas vitórias de Bismarck, a coesão entre os católicos
aumentou bastante, resultando no sucesso eleitoral com a vitória de 91
deputados nas eleições de 1874. No final das contas, graças ao empenho dos
católicos alemães, representados politicamente pelo Zentrum, a Igreja Católica
na Alemanha foi salva do extermínio e as escolas católicas, preservadas.
O Zentrum teve forte atuação política na
Alemanha até 1933, quando Hitler o dissolve por ter sido o partido que fez a
maior oposição a ele, mas isso daria um outro artigo. Por fim, acredito que a
experiência deste partido católico pode ser uma referência em diversos
aspectos, já que há enormes semelhanças entre a situação atual brasileira e a
deles. A saber: 1) conseguir obter vitórias mesmo com o catolicismo sendo
minoria na vida pública, especialmente na política; 2) a forma com a qual
católicos de diversas culturas e regiões conseguem se unir em prol dos direitos
da Igreja; 3) a importância dada ao aspecto cultural, por meio de associações,
publicações e algumas escolas para que pessoas e sociedades sejam evangelizadas
etc. Ainda que a bibliografia seja relativamente escassa, há bons livros em
inglês sobre o assunto. Podem-se citar The German Center Party, 1870-1933: A
Study in Political Catholicism, de Ellen Lovell Evans; The War Against
Catholicism: Liberalism and the Anti-Catholic Imagination in Nineteenth-Century,
de Michael B. Gross; e Fighting for the Soul of Germany: The Catholic Struggle
for Inclusion after Unification, de Rebecca Ayako Bennette.
Luís Tourinho
Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e mestrando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP).
E-mail: luistourinho@hotmail.com
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Centro Dom Bosco
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