domingo, 20 de outubro de 2013

As palavras do Papa Francisco que perturbam os católicos

Toda comparação entre papas é irrelevante em uma perspectiva cristã, 
e o amor de um católico ao Santo Padre vai muito além da sintonia pessoal

Como lido com coisas católicas desde a época de Paulo VI, em livros e jornais, muitas pessoas – talvez desconcertadas ou confusas – insistem em pedir-me opiniões sobre os primeiros meses do novo pontificado. Costumo responder dizendo algo que parafraseia a resposta dada aos jornalistas no avião de volta do Brasil, precisamente pelo Papa Francisco: "Quem sou eu para julgar?". Se somos obrigados a não julgar os outros – palavras do Evangelho –, muito menos julgaremos um pontífice eleito, segundo os crentes, pelo Espírito Santo.
 
Certamente, houve séculos nos quais, ao parecer, os homens chegaram a substituir o Paráclito: conclaves simoníacos ou dirigidos pelas grandes potências da época, com candidaturas e vetos impostos pela política.

 
No entanto, os que conhecem realmente a história da Igreja – condição que não é própria de quem é superficial demais –, os que sabem perceber a dinâmica de "longa duração" ao longo de 20 séculos, acabam se surpreendendo ao descobrir que São Paulo parece realmente ter razão quando afirma que "Omnia cooperantur in bonum", tudo coopera para o bem – também o bem da Igreja, que, em matéria de fé, não é guiada unicamente por Cristo, mas também, certamente, pelo "corpo místico".



De qualquer maneira, estando em nossa época, não se trata de confiar, apesar de tudo, em uma Providência que às vezes pode nos parecer incompreensível. Não é assim, já que, para todos, é evidente a qualidade humana daqueles que, nas últimas décadas, desempenharam o papel de pontífices romanos.

 
Se nos centrarmos unicamente na sucessão desta pós-guerra, temos as figuras de Pacelli, Roncalli, Montini, Luciani, Wojtyla, Ratzinger e, agora, Bergoglio. Quem, por mais distante ou contrário à Igreja que for, poderá negar que são personalidades de insólito relevo, unidas pela mesma fé e pelo mesmo compromisso em sua função, mas com grandes diferenças de caráter, histórias, culturas e estilos pessoais?

 
E é este precisamente o ponto que, para muitos, inclusive católicos, parece não estar claro: independentemente de quem for o homem que chega ao papado e quais forem as nossas consonâncias ou dissonâncias humorais em relação à sua pessoa, ele sempre será o sucessor de Pedro, responsável e guardião da ortodoxia; portanto, um homem de Deus, que não só deve ser aceito, mas por quem também é preciso rezar e a quem é necessário obedecer com respeito e amor filial.

 
Estas coisas deveriam estar claras, sobretudo hoje, com este Bispo de Roma, "proveniente quase do fim do mundo", um homem de personalidade impetuosa, instintivamente impulsiva, talvez autoritária (como ele mesmo reconhece na entrevista com Civiltà Cattolica) e marcada, apesar de sua origem italiana, por uma cultura diferente da nossa [da europeia, N. da T.], como é o caso da sul-americana.

 
Este Papa provém, além disso, pela primeira vez em quase dois séculos, não do clero secular, mas de uma ordem religiosa caracterizada por uma formação diferente de todas as outras dentro da Igreja. É uma "Companhia" (denominação militar de um fundador procedente da vida militar) amada e detestada, admirada e temida há cinco séculos, chegando ao ponto – caso único – de ser suprimida – “propter bonum Ecclesiae ", diz a bula – por um papa franciscano, para depois ser ressuscitada por um papa beneditino.

 
A verdade exige admitir, sobretudo quando se observam muitos sites e blogs, que não faltam aqueles que recordam com nostalgia a sobriedade, o rigor doutrinal, a profundidade cultural e o respeito pelas tradições de Bento XVI, e a atenção por ele prestada à liturgia.

 
E ninguém esqueceu o quarto de século desse extraordinário ciclone que foi João Paulo II, cuja santidade já foi reconhecida. É compreensível: os sentimentos são algo eminentemente humano. Mas, repetindo, toda comparação entre papas é irrelevante em uma perspectiva cristã, e a sintonia de cada crente com um papa se baseia em algo muito diferente das simpatias pessoais.

 
A comunidade guiada e governada pelo sucessor de Pedro sempre teve e terá um fim último (e único) do qual tudo se desprende e que é recordado explicitamente pelo Código de Direito Canônico: "É lei suprema da Igreja e salvação das almas".

 
Ainda que às vezes pareça algo esquecido, tudo se desprende disso e a totalidade da instituição eclesial existe por isso: anunciar a vida eterna prometida pelo Evangelho e ajudar todos os homens – com a pregação e com os sacramentos – a seguir o caminho que leva à meta da morte – na verdade, ao nascimento à verdadeira vida.

 
Todo o resto é só instrumento, sempre modificável e destinado a passar, começando pela burocracia da cúria, apesar de esta ser indispensável: o próprio Deus quis precisar de uma instituição humana, com seus organismos e suas leis.

 
Cada papa está obviamente convencido desta prioridade da salus animarum, mas Francisco, ao que parece, com especial urgência e de tal maneira, que faz todo o necessário para que o clero, os religiosos e os leigos cheguem também a ter consciência disso.

 
Esta opção do Pontífice argentino parece produzir resultados surpreendentes: a respeito disso, eu também meço cada dia o interesse, a simpatia ou, de fato, a adesão de tantas pessoas que, no entanto, pareciam inamovíveis em sua indiferença, quando não se encontravam, além disso, em um laicismo polêmico e agressivo.

 
O retorno à sucessão natural e, por outro lado, frequentemente esquecida (em primeiro lugar a fé, e a moral será uma consequência necessária); o chamado às raisons du coeur  antes que às raisons de la raison, usando os termos pascalianos; os braços abertos a todos, recordando a misericórdia do Deus de Jesus, cujo ofício é perdoar e acolher os filhos, sem exceção, também os pródigos. Tudo isso está provocando resultados positivos, que recordam o critério de avaliação indicado pelo próprio Evangelho: "Conhecemos uma árvore pelos seus frutos". Se a colheita espiritual está sendo tão boa, não será igualmente boa a planta da qual ela provém?

 
Este homem de 77 anos, ainda vigoroso, com seu estilo de "pároco do mundo", quer comprometer a totalidade da Igreja neste desafio de reevangelização do Ocidente, que teve um caráter central também pelo programa pastoral dos seus dois últimos antecessores.


 
Nenhuma fratura, portanto, mas continuidade, inclusive na diversidade de temperamentos. Esta nossa Igreja bimilenar mostra também, dessa maneira, não ter intenção alguma de reduzir-se a uma seita rancorosa, não só minoritária, mas também marginalizada. Com Roma e seus bispos, o mundo inteiro deverá ser medido novamente, como ocorreu nos tempos do império romano, quando tudo começou.
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Fonte: Aleteia

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