Uma das teses do catolicismo liberal — que, no Brasil, tem uma face mais ou menos homogênea, fomentada e moldada por sociedades discretas ou secretas — é a de que o católico só pode ser, por definição, um sujeito de “direita”, dada a incompatibilidade patente entre o Evangelho e os esquerdismos de todo tipo. Esses grupos, à força do poder do dinheiro e de sua notável organização, vão aos poucos disseminando e aplicando à realidade brasileira conceitos alienígenas, extraídos da política norte-americana e adaptados, por uma torção lógica, às terras tupiniquins. Uma política, obviamente, autônoma ou alheia às verdades da fé, pois outra tese muito cara a esses liberais, escrutinada numa série de textos do Contra Impugnantes, é a de que o poder material não deve prestar contas ao espiritual, dada a separação entre o Estado e a Igreja, para eles uma grande conquista do mundo moderno. A ordenação do Estado à Igreja seria acidental* ou indevida. Uma intromissão, uma usurpação de direitos.
Quando menciona em meios católicos que o socialismo foi anatematizado pelo Magistério, essa gente maliciosa omite o fato de pesar sobre o liberalismo pluriforme uma condenação ainda maior, de vários Papas. Em síntese, esses liberais eliminam um dos dois gládios da Igreja militante (o principal deles), e, assim, se sentem bem mais à vontade para defender a idéia de que o católico ou será de direita ou... anathema sit! Pura cortina de fumaça para estabelecer uma mentira insidiosa, afrontosa à fé e, por conseguinte, contrária ao Magistério.
De acordo com o ensinamento da Igreja, na prática o católico não pode ser fundamentalmente nem de direita nem de esquerda, nem socialista nem liberal, ainda que acidentalmente lhe seja lícito escolher (em matérias opináveis e em situações de extremo perigo para a configuração política) candidatos que, pelo menos no essencial, não contrariem as verdades da fé.
Outra coisa: se atualmente o Reinado Social de Cristo é na prática materialmente impossível — pois para tanto o mundo democratista precisaria ser recristianizado pela doutrina tradicional da Igreja e pelo sangue dos mártires —, isto não implica que não devamos proclamá-lo como verdade pétrea, uma espécie de cláusula inegociável.
Todo cuidado é pouco com esses lobos em pele de cordeiro!
* Como se salientou no primeiro texto da série sobre as relações entre o Estado e a Igreja (com menção a um texto do Padre Álvaro Calderón), o Cardeal Ottaviani, ao defender a tese da subordinação do Estado à Igreja, sublinha corretamente que as relações jurídicas entre ambos devem comparar-se às relações entre o corpo (Estado, plano material) e a alma (Igreja, plano espiritual superior). Mas o Cardeal comete o grande erro de afirmar que tal subordinação é acidental ou indireta, dado que o Estado seria perfeitamente sui iuris. Aqui, como diz muito bem Calderón, Ottaviani se esquece de que uma subordinação acidental é, na prática, uma não-subordinação essencial. Um exemplo? O Papa está, acidentalmente, subordinado ao seu dentista. Mas certamente não o está em relação ao fim último de todos os homens e sociedades: Deus. E dizia eu ali: “Aqui vale fazer a seguinte ressalva: é óbvio que Calderón não considera o Cardeal Ottaviani um liberal, mas cita-o para mostrar como, mesmo entre bons defensores da Tradição, pode haver erro no tocante ao tema da política, sobretudo se se parte de critérios jurídicos como se estes fossem, de todo, desconectados dos critérios teológicos e dos ensinamentos do Magistério da Igreja”.
Sidney Silveira
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Contra Impugnantes
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