Quando falamos do “fim” das redes sociais podemos pensar de dois modos distintos. O fim das redes sociais tal como as conhecemos, ou em termos de finalidade, pois, sabemos que as redes sociais não irão acabar. E muito embora estas afectem mais os jovens e adolescentes, creio que não podemos excluir os adultos e mais idosos das alterações culturais que essas estão a gerar e que desafiam o que pensamos ser a sua finalidade.
O primeiro indício do “fim” das redes sociais, tal como as conhecemos, observa-se no afastamento por parte dos jovens pertencentes à Geração Z (GenZ), isto é, jovens que nasceram na última década do século XX. Um estudo recentemente publicado pela Origin, feito a 1000 jovens americanos entre os 18 e os 24 anos, aponta que 34% da chamada Geração Z afirma abandonar definitivamente as redes sociais e 64% irá fazer “férias” das mesmas. Em termos psicológicos, 41% dos jovens dizem que as redes sociais os fazem sentir ansiosos, tristes e deprimidos, embora, paradoxalmente, 77% vejam mais benefícios nestas plataformas do que o contrário. O que poderá estar na raiz deste paradoxo?
De certo modo, quando a televisão surgiu ocupou muito do espaço anteriormente dedicado aos jornais, teatros e – diria – também das bibliotecas, pois, muitos dos conteúdos passaram a chegar às pessoas na comodidade da sua casa. Nesse sentido, a que realidade pertencia o espaço que é hoje ocupado pelas redes sociais? Pelo facto destas permitirem um contacto virtual maior entre as pessoas podemos pensar nas cartas, telefonemas, encontro com um amigo para tomar um café ou com ele dar um passeio. Mas diante dos sintomas expressos pelo jovens, creio que o espaço ocupado seja outro, e estou ciente de que poderei incomodar-te: o alcoolismo.
As pessoas voltam-se para o álcool por não saberem como lidar com os seus problemas, e a dopamina libertada no cérebro quando se bebe dá-lhes a sensação de prazer que precisam para se alhear da realidade dura que vivem, das frustações, humilhações, incapacidade de serem felizes nos seus relacionamentos, entre tantos outros motivos. E depois de terminar o efeito acabam por sentir-se “ansiosos, tristes e deprimidos.” Porém, as redes sociais possuem um efeito que exige significativamente bem mais cautela do que o álcool, por induzir ao vício com muito mais subtileza, gradualidade e sem manifestações exteriores tão evidentes como na embriaguez.
Se usas e gostas das redes sociais é possível que neste momento comeces a desistir de ler este artigo. Não te identificas e parece-te que estou a comparar-te, ainda que em sentido figurado, a uma pessoa alcoólica. Ou então, ainda que reconheças o paralelo com o álcool como apenas uma metáfora, parece-te que estou a acusar-te de ser viciado. Ou ainda, não te identificas porque vês mais benefícios nas redes sociais do que malefícios. Eu compreendo-te, mas não te deixa, no mínimo, intrigado por que razão estão os psicólogos e sociólogos a estudar a fundo este fenómeno e as suas conclusões não sejam favoráveis ao uso das redes sociais, mas sim – gradualmente – movem-se no sentido de uma desintoxicação digital?
Tristan Harris, um dos “filósofos” por detrás dos produtos da Google, é considerado como aquele que está mais próximo de ser a “consciência” em Sillicon Valley. Ao contrário do que poderíamos pensar, diz ele que o vício das redes sociais não é uma falha pessoal de cada um de nós, por si só, mas algo estimulado pelas próprias aplicações instaladas e respectivos dispositivos. Daí que Harris tenha sugerido a criação de um “Juramento Hipocrático” para os designers de software, de modo a que deixem de explorar as vulnerabilidades psicológicas das pessoas. Pessoas como tu e eu.
Tudo isto reforça a posição de um movimento que começou em 2010 de pessoas que intuíam como as redes sociais podiam ser prejudiciais para a nossa vida (veja-se o que acontece com os jovens), más para a democracia (influência da Rússia nas eleições americanas) e para a privacidade (como no caso da Cambridge Analytica). A reforma que este movimento propõe sintetiza-se em três pontos.
Renovação Cultural Através de algoritmos dos quais se conhece pouco, as corporações que detêm as plataformas das redes sociais procuram manipular a nossa atenção, e consumi-la até que cliquemos nos seus anúncios, fornecendo mais informação sobre nós, o que estamos a viver e pensar. Renovar a cultura passa por privilegiar uma cultura do encontro pessoal, face-a-face, e proteger melhor as nossas capacidades cognitivas destas “armas de distração massiva.”
Proteger os jovens O impacte viciante das redes sociais e aplicações como o Snapchat são preocupantes. Esta última incita os jovens a partilhar fotos com os seus amigos – que as têm de visualizar – para manterem umas “chamas.” Jean Twenge escreveu recentemente um livro, iGen, não traduzido ainda para português, que alerta para o efeito destas e outras situações sobre a saúde mental dos jovens. Se a sociedade procura enfrentar esta situação, como as recentes proibições de telemóveis e tablets nas escolas francesas, o melhor que cada um de nós pode fazer desde já seria dar o exemplo e promover outro tipo de actividades com os jovens que estimulem a sua criatividade.
Regulamentos A Europa foi pioneira na resposta aos excessos das redes sociais com o novo regulamento de protecção de dados, dando aos utilizadores mais controlo sobre a informação que os sites recolhem sobre eles. Mas isso não substitui uma aprendizagem ao auto-domínio, pois, além de regular os nossos dados, mais importante ainda é regular a nossa vida.
As redes sociais, tal como as conhecemos hoje, estão a morrer porque não nos ajudam a viver. Quando encontrarmos o modo justo de as usar, no desapego, e sem desviar a atenção plena sobre o olhar daqueles que estão diante de nós, talvez uma outra revolução aconteça. Qual?
Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário),
Blog & Autor
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Agência Ecclesia
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