segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Papa Francisco recorda os mártires assassinados pelos totalitarismos na Lituânia


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO 
À LITUÂNIA, LETÔNIA E ESTÔNIA
[22-25 DE SETEMBRO DE 2018]

ENCONTRO COM OS SACERDOTES, 
RELIGIOSOS, RELIGIOSAS, CONSAGRADOS, CONSAGRADAS
 E SEMINARISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Lituânia - Catedral de S. Pedro e S. Paulo em Kaunas
Domingo, 23 de setembro de 2018


Amados irmãos e irmãs, boa tarde!

Antes de mais nada, gostaria de expressar um sentimento que me vai na alma. Ao contemplar-vos, vejo atrás de vós tantos mártires. Mártires anónimos, não sabendo nós sequer onde foram sepultados. Inclusive alguns de vós: saudei um, que soube o que era a prisão. Para começar, vem-me à mente uma palavra: não vos esqueçais, fazei memória. Sois filhos de mártires: esta é a vossa força. E que o espírito do mundo não vos venha dizer outra coisa diferente da que viveram os vossos antepassados. Recordai os vossos mártires e imitai o seu exemplo: não tinham medo. Hoje, ao falar com os Bispos – os vossos Bispos –, eles diziam: «Como se pode fazer para introduzir a Causa de Beatificação de muitos que nem documentos temos, mas sabemos que são mártires?» É consolador, é bom ouvir isto: a preocupação com aqueles que nos deram testemunho. São santos.

O Bispo [Linas Vodopjanovas OFM, encarregado da vida consagrada] disse sem meias palavras (os franciscanos falam assim): «Muitas vezes hoje, de várias maneiras, é colocada à prova a nossa fé – afirmou ele; e não estava a pensar nas perseguições dos ditadores –. Depois de corresponder à chamada da vocação, muitas vezes já não sentimos alegria na oração nem na vida comunitária».

O espírito da secularização, do tédio por tudo o que diz respeito à comunidade é a tentação da segunda geração. Os nossos pais lutaram, sofreram, estiveram encarcerados… e nós talvez não tenhamos a força de continuar. Tende isto em conta!

A Carta aos Hebreus faz uma exortação: «Não vos esqueçais dos primeiros dias. Não vos esqueçais dos vossos antepassados» (cf. 10, 32-39). Esta é a exortação que vos dirijo ao começar.

Toda a visita ao vosso país decorreu sob este lema: «Jesus Cristo, nossa esperança». Já quase no final deste dia, encontramos um texto do apóstolo Paulo que nos convida a esperar com constância. E faz este convite depois de nos ter anunciado o sonho de Deus para cada ser humano, mais ainda, para toda a criação: «tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28); a tradução literal seria «endireita» todas as coisas.

Hoje gostaria de partilhar convosco alguns traços caraterísticos desta esperança; traços que nós – sacerdotes, seminaristas, consagrados e consagradas – somos chamados a viver.

Antes de nos convidar à esperança, Paulo repetiu três vezes a palavra «gemer»: geme a criação, gemem os homens, geme o Espírito em nós (cf. Rm 8, 22-23.26). Geme-se pela escravidão da corrupção, pelo anseio à plenitude. Hoje, far-nos-á bem perguntar se aquele gemido está presente em nós ou se, pelo contrário, já nada grita na nossa carne, nada anela pelo Deus vivo. Como dizia o vosso Bispo: «Já não sentimos alegria na oração, na vida comunitária». O gemido da corça sequiosa por falta de água deveria ser o nosso na busca da profundidade, da verdade, da beleza de Deus. Meus amigos, não somos «funcionários de Deus»! Talvez a «sociedade do bem-estar» nos tenha deixado demasiadamente saciados, cheios de serviços e de bens, e encontramo-nos «pesados» de tudo e cheios de nada; talvez nos tenha deixado aturdidos ou dissipados, mas não cheios. Pior ainda, às vezes já nem sentimos fome. Somos nós, homens e mulheres de especial consagração, aqueles que não podem jamais permitir-se a perda daquele gemido, daquela inquietude do coração que só no Senhor encontra repouso (cf. Santo Agostinho, Confissões, I, 1,1). A inquietude do coração. Nenhuma informação imediata, nenhuma comunicação virtual instantânea pode privar-nos dos tempos concretos, prolongados, para conquistar – é precisamente disto que se trata: de um esforço constante – para conquistar um diálogo diário com o Senhor através da oração e da adoração. Trata-se de cultivar o nosso desejo de Deus, como escrevia São João da Cruz. Dizia assim: «Sê assíduo na oração, sem a deixares sequer no meio das ocupações exteriores. Quer comas ou bebas, quer fales ou trates com os seculares quer faças qualquer outra coisa, deseja sempre a Deus mantendo n’Ele o afeto do coração» (Conselhos para alcançar a perfeição, 9).

Este gemido deriva também da contemplação do mundo dos homens, sendo um apelo à plenitude face às necessidades insatisfeitas dos nossos irmãos mais pobres, perante a falta de sentido da vida dos mais novos, a solidão dos idosos, os abusos contra o meio ambiente. É um gemido que procura organizar-se para influenciar os acontecimentos duma nação, duma cidade; não como pressão ou exercício de poder, mas como serviço. O grito do nosso povo deve-nos importunar como a Moisés, a quem Deus revelou o sofrimento do seu povo no encontro junto da sarça ardente (cf. Ex 3, 9). Escutar a voz de Deus na oração faz-nos ver, faz-nos ouvir, conhecer o sofrimento dos outros para os podermos libertar. Mas de igual modo devemos sentir-nos importunados quando o nosso povo deixou de gemer, deixou de procurar a água que mata a sede. É hora também para discernir o que está a anestesiar a voz do nosso povo.

O clamor que nos faz procurar a Deus na oração e na adoração é o mesmo que nos faz escutar o lamento dos nossos irmãos. Eles «esperam» em nós e, a partir dum discernimento atento, precisamos de nos organizar, programar e ser ousados e criativos no nosso apostolado. Que a nossa presença não seja deixada à improvisação, mas dê resposta às necessidades do povo de Deus e seja, assim fermento na massa (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 33).

Mas o Apóstolo fala também de constância; constância no sofrimento, constância em perseverar no bem. Isto significa estar centrados em Deus, permanecendo firmemente enraizados n’Ele, ser fiéis ao seu amor.

Vós, os mais idosos (como não mencionar Mons. Sigitas Tamkevicius?), sabereis testemunhar esta constância no sofrimento, este «esperar contra toda a esperança» (cf. Rm 4, 18). A violência usada contra vós por ter defendido a liberdade civil e religiosa, a violência da difamação, o cárcere e a deportação não puderam vencer a vossa fé em Jesus Cristo, Senhor da história. Por isso, tendes tanto a dizer-nos e ensinar-nos, e muito também a propor, sem precisar de julgar a aparente fraqueza dos mais jovens. E vós, mais jovens, quando vos vedes confrontados com as pequenas frustrações que vos desanimam e tendeis a fechar-vos em vós mesmos, recorrendo a comportamentos e evasões que não são coerentes com a vossa consagração, procurai as vossas raízes e olhai o caminho percorrido pelos idosos. Vejo que há jovens aqui. Repito, porque há jovens. E vós, mais jovens, quando vos vedes confrontados com as pequenas frustrações que vos desanimam e tendeis a fechar-vos em vós mesmos, recorrendo a comportamentos e evasões que não são coerentes com a vossa consagração, procurai as vossas raízes e olhai o caminho percorrido pelos idosos. É melhor seguirdes outro caminho do que viverdes na mediocridade. Isto para os jovens. Estais ainda a tempo, e a porta está aberta. São precisamente as tribulações que delineiam os traços distintivos da esperança cristã, porque, quando é apenas uma esperança humana, podemos sentir-nos frustrados e esmagados com o fracasso; mas não acontece o mesmo com a esperança cristã: esta sai mais límpida, mais experimentada do crisol das tribulações.

É verdade que estes são outros tempos e vivemos noutras estruturas, mas é verdade também que estes conselhos são melhor assimilados quando as pessoas que viveram aquelas duras experiências não se fecham, mas compartilham-nas aproveitando os momentos comuns. As suas histórias não aparecem cheias de saudade pelos tempos passados apresentados como melhores, nem de acusações dissimuladas contra aqueles que têm estruturas afetivas mais frágeis. A provisão de constância duma comunidade de discípulos é eficaz, quando sabe integrar – como o escriba – o novo e o velho (cf. Mt 13, 52), quando está ciente de que a história vivida é raiz para que a árvore possa florescer.

Por fim, olhar para Cristo Jesus como nossa esperança significa identificar-nos com Ele, participar comunitariamente no seu destino. Para o apóstolo Paulo, a salvação esperada não se limita a um aspeto negativo – libertação duma tribulação interna ou externa, temporal ou escatológica –, mas a ênfase está colocada em algo altamente positivo: a participação na vida gloriosa de Cristo (cf. 1 Ts 5, 9-10), a participação no seu Reino glorioso (cf. 2 Tm 4, 18), a redenção do corpo (cf. Rm 8, 23-24). Trata-se, portanto, de vislumbrar o mistério do projeto único e irrepetível que Deus tem para cada um, para cada um de nós. Pois não há ninguém que nos conheça e nos tenha conhecido tão profundamente como Deus; por isso Ele nos destinou para algo que parece impossível, aposta sem possibilidade de erro que reproduzamos a imagem de seu Filho. Ele colocou as suas expetativas em nós, e nós esperamos n’Ele.

Nós: um «nós» que integra, mas também supera e excede o «eu»; o Senhor chama-nos, justifica-nos e glorifica-nos juntos; e juntos, até ao ponto de incluir a criação inteira. Muitas vezes colocamos tanta ênfase na responsabilidade pessoal que a dimensão comunitária se tornou um pano de fundo, apenas um ornamento. Mas o Espírito Santo reúne-nos, reconcilia as nossas diferenças e gera novos dinamismos para dar impulso à missão da Igreja (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 131; 235).

Este templo, onde estamos reunidos, é dedicado a São Pedro e São Paulo. Ambos os apóstolos estavam cientes do tesouro que lhes fora dado; e, em momentos e de modos diferentes, ambos foram convidados a «fazer-se ao largo» (cf. Lc 5, 4). No barco da Igreja, estamos todos, sempre procurando clamar a Deus, ser constantes no meio das tribulações e ter Cristo Jesus como objeto da nossa esperança. E este barco reconhece no centro da sua missão o anúncio da glória esperada que é a presença de Deus no meio do seu povo, em Cristo ressuscitado, e que um dia, ansiosamente esperado por toda criação, se manifestará nos filhos de Deus. Este é o desafio que nos impele: o mandato de evangelizar. É a razão da nossa esperança e alegria.

Quantas vezes encontramos sacerdotes, consagrados e consagradas tristes. A tristeza espiritual é uma doença. Tristes, porque não sabem... Tristes, porque não encontram amor, porque não se sentem enamorados: enamorados do Senhor. Deixaram de lado uma vida de matrimónio, de família e quiseram seguir o Senhor. Mas agora parece que se cansaram... E surge a tristeza. Por favor, quando vos encontrardes tristes, parai. E procurai um padre sábio, uma irmã sábia. Não sábios, porque se doutoraram na universidade; não por isso! Sábio ou sábia, porque foram capazes de avançar no amor. Ide pedir-lhe conselho. Quando começa aquela tristeza, podemos profetizar que ela, se não for curada a tempo, fará de vós «solteirões» e «solteironas», homens e mulheres que não são fecundos. E, desta tristeza, tende medo! É o diabo que a semeia.

E hoje aquele mar, onde «fazer-se ao largo», hão de ser «os cenários e os desafios sempre novos» desta Igreja em saída. Devemos interrogar-nos novamente: Que nos pede o Senhor? Quais são as periferias que mais precisam da nossa presença, para lhes levar a luz do Evangelho? (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 20).

Caso contrário, se não tiverdes a alegria da vocação, quem poderá acreditar que Jesus Cristo é a nossa esperança? Só o nosso exemplo de vida dará razão da nossa esperança n’Ele.

Há outra coisa que está ligada com a tristeza: confundir a vocação com uma empresa, com uma fábrica. «Estou empregado nisto, trabalho nisto, entusiasmo-me com isto..., e sou feliz, porque tenho isto». Mas, amanhã, vem um Bispo (outro ou o mesmo), ou vem outro superior, superiora, e diz-te: «Não, deixa isto e vai para tal lugar». É o momento da derrota. Porquê? Porque naquele momento dar-te-ás conta de que seguiste um caminho equivocado. Descobrirás que o Senhor, que te chamou para amar, está dececionado contigo, porque preferiste fazer o empresário. No princípio, disse-vos que, a vida de quem segue Jesus, não é a vida de funcionário ou funcionária: é a vida do amor ao Senhor e do zelo apostólico pelas pessoas. Permiti-me uma caricatura! Que faz um padre funcionário? Tem o seu horário, o seu escritório, abre o escritório àquela hora, faz o seu trabalho, fecha o escritório... E as pessoas estão fora. Não se aproxima das pessoas. Queridos irmãos e irmãs, se não quiserdes ser funcionários, digo-vos uma palavra: proximidade! Vizinhança, proximidade. Proximidade do Sacrário, face a face com o Senhor. E proximidade das pessoas. «Mas, padre, as pessoas não vêm». Vai ao encontro delas! «Mas, hoje, os adolescentes não vêm». Inventa qualquer coisa: o oratório, para os acompanhar, para os ajudar. Proximidade com as pessoas. E proximidade com o Senhor no Sacrário. O Senhor quer que sejais pastores de povo, e não clérigos de Estado! Depois direi algo às irmãs, mas depois…

Proximidade quer dizer misericórdia. Nesta terra, onde o Senhor Se revelou como Jesus misericordioso, um sacerdote não pode deixar de ser misericordioso. Sobretudo no confessionário. Pensai como Jesus acolheria esta pessoa [que vem confessar-se]. A este pobrezinho, a vida já o fustigou bastante! Fazei-lhe sentir o abraço do Pai que perdoa. E se, por exemplo, não lhe podes dar a absolvição, dá-lhe a consolação do irmão, do pai. Encoraja-o a prosseguir. Convence-o de que Deus perdoa tudo. Mas isto, com ardor de padre. Nunca afugentar alguém do confessionário! Nunca expulsá-lo. «Sabes? Tu não podes... Agora não posso, mas Deus ama-te; tu reza, volta e falaremos...». Fazer assim. Proximidade. Ser padre é isto. Não te importas daquele pecador, para o expulsares assim? Não estou a falar de vós, porque não vos conheço. Falo doutras realidades. E misericórdia. O confessionário não é o gabinete dum psiquiatra. O confessionário não é para escavar no coração das pessoas.

E por isso, queridos sacerdotes, para vós proximidade significa também ter entranhas de misericórdia. E as entranhas de misericórdia, sabeis onde se ganham? Ali, no Sacrário.

E vós, queridas irmãs! Muitas vezes vêm-se irmãs que são boas – todas as irmãs são boas – mas que murmuram, murmuram, murmuram... Perguntai àquela que está no primeiro lugar do outro lado – a penúltima –, se na prisão tinha tempo de murmurar, enquanto cosia as luvas. Perguntai-lhe. Por favor, sede mães! Sede mães, porque sois ícone da Igreja e de Nossa Senhora. Possa cada pessoa que vos vir, ver a mãe Igreja e a mãe Maria. Não esqueçais isto. E a mãe Igreja não é «solteirona». A mãe Igreja não murmura: ama, serve, faz crescer. A vossa proximidade é ser mãe: ícone da Igreja e ícone de Nossa Senhora.

Proximidade ao Sacrário e à oração: aquela sede da alma de que falei. E, com os outros, serviço sacerdotal e vida consagrada não de funcionários, mas de pais e mães de misericórdia. E, se assim fizerdes, quando fordes idosos tereis um sorriso belíssimo e olhos brilhantes! Porque tereis a alma cheia de ternura, mansidão, misericórdia, amor, paternidade e maternidade.

E rezai por este pobre bispo. Obrigado!
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Santa Sé

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