Uma das expressões que o Evangelho de hoje
utiliza parece-me de um grande valor significativo: Jesus estava “atravessando
a cidade” de Jericó. Anos, decênios, séculos, milênios atrás, outro Jesus
atravessou Jericó. Refiro-me a Josué. Sabe-se que a palavra Jesus é a
transcrição grega da palavra Yeschowah, que significa “O Senhor (Javé) é o
Salvador”. Os nomes de Jesus e de Josué são, portanto, o mesmo nome.
A narração da conquista de Jericó é
grandiloquente. A arca do Senhor presidia aquela imponente procissão, sete
sacerdotes tocavam as trombetas diante da arca e, diante dos sacerdotes, um exército
em ordem de batalha. Durante seis dias, o Povo de Deus dava uma volta ao redor
de Jericó; no sétimo dia, porém, sete voltas, toque de trombetas, gritos do
povo e muralha ao chão. Jericó já estava derrotada! A Sagrada Escritura no diz
que eles “tomaram a cidade e votaram-na ao interdito, passando a fio de espada
tudo o que nela se encontrava, homens, mulheres, crianças, velhos e até mesmo
os bois, as ovelhas e os jumentos” (Js 6,21). Barbaridade!
No Novo Testamento, o Novo Josué não tinha
como objetivo destruir os muros de Jericó, o que Jesus queria era derrubar os
muros do coração de Zaqueu que, por contraste, “era de baixa estatura” (Lc
19,3).
Uma multidão apinhava-se nas ruas por onde o
Mestre passava e lá no meio da multidão encontrava-se um homem chefe dos
publicanos e rico, bem conhecido em Jericó pelo seu cargo.
Os publicanos eram cobradores de impostos. O
imposto era fixado pela autoridade romana e os publicanos cobravam uma
sobretaxa, da qual viviam. Isto prestava-se a arbitrariedades, razão pela qual
eram facilmente hostilizados pela população.
São Lucas diz que Zaqueu procurava ver Jesus
para conhecê-Lo, mas não podia por causa da multidão, pois era muito baixo. Mas
o seu desejo é eficaz! Para conseguir realizar o seu propósito, começa por
misturar-se com a multidão e depois, sem pensar no ridículo da sua atitude,
correndo adiante subiu a um sicômaro para ver Jesus, que devia passar por ali.
Não se importa com o que as pessoas possam pensar ao verem um homem da sua
posição começar a correr e depois subir numa árvore. É uma formidável lição
para nós que, acima de tudo, queremos ver Jesus e permanecer com Ele.
Ademais, Zaqueu não pôs resistência ao chamado
de Jesus. Zaqueu era uma dessas pessoas que podemos chamar “um homem de boa
vontade”: ele queria ver a Jesus; rico como era, fez o esforço de subir a um
sicômoro para ver a um profeta; quando Jesus o chamou, esse bom homem não só
aceita com toda alegria que Jesus entre na sua casa, mas é tão generoso que ao
descobrir o tesouro da amizade de Jesus, relativiza totalmente aquilo que ele
tanto desejou e conquistou durante a sua vida, dinheiro. Jesus votou o coração
de Zaqueu ao interdito, passando a fio de espada os vícios que nele se
encontrava.
Qualquer esforço que façamos por aproximar-nos
de Cristo é amplamente recompensado. Disse Jesus: “Zaqueu desce depressa! Hoje
Eu devo ficar na tua casa” (Lc 19, 5). Que alegria imensa! Zaqueu, que já se
dava por satisfeito de vê-Lo do alto de uma árvore, ouve Jesus chamá-lo pelo
nome, como a um velho amigo, e, e com a mesma confiança, fazer-se convidar para
sua casa.
Zaqueu está agora com o Mestre, e com Ele tem
tudo. Mostra com atos a sinceridade da sua nova vida; converte-se em mais um
discípulo do Mestre.
O encontro com Cristo leva-nos a ser generosos
com os outros, a compartilhar imediatamente com quem está mais necessitado o
muito ou o pouco que temos.
“Hoje entrou a salvação nesta casa” (Lc 19,
9). É um convite à esperança: se alguma vez o Senhor permite que passemos por
dificuldades, se nos sentimos às escuras e perdidos, temos de saber que Jesus,
o Bom Pastor, sairá imediatamente em nossa busca. A figura de Zaqueu deve
ajudar-nos a nunca dar ninguém por perdido ou irrecuperável.
Não
duvidemos nunca do Senhor, da sua bondade e do seu amor pelos homens, por muito
extremas ou difíceis que sejam as situações em que nos encontremos ou em que se
encontrem as pessoas que queremos levar até Jesus. A sua misericórdia é sempre
maior do que os nossos pobres raciocínios. Somente quem está insertado na vida
de Deus pode entender o que pode vir a ser a vida dos homens.
Comentário
aos textos bíblicos
Leituras: Sb 11,22 – 12,2; Sl 144; 2Ts 1,11 – 2,2; Lc 19,1-10
Caros irmãos e irmãs, para este domingo, logo
na primeira leitura, tirada do Livro da Sabedoria (cf. Sb 11,22-12,2),
encontramos o motivo para justificar a benevolência de Deus em relação ao
homem: a misericórdia e o perdão (cf. Sb 11,23). Deus não quer a morte do
pecador, mas que este se converta e viva; mas, ao mesmo tempo, convida o
pecador ao arrependimento. É exatamente
isto o que vemos no relato do evangelho, onde temos o encontro de Jesus com
Zaqueu, o chefe dos publicanos, um homem que o judaísmo oficial considerava um
pecador público, por ser cobrador de impostos para os romanos e, por isto, era
odiado pelos judeus. Um publicano era visto como um explorador dos pobres e
considerado um pecador público, estando, portanto, excluído da comunidade da
salvação, sem hipóteses de perdão.
Um publicano, segundo os costumes da época,
era um amaldiçoado por Deus e desprezado pelos homens. A referência à “pequena
estatura” de Zaqueu, mais do que uma indicação de caráter físico, pode significar
a sua pequenez e insignificância, do ponto de vista moral. Este homem procurava
ver Jesus. O “ver” pode indicar mais do que uma curiosidade, mas uma procura
intensa, uma vontade firme de encontrar algo novo, um desejo de fazer parte
dessa comunidade de salvação que Jesus anunciava.
Por ser de baixa estatura, Zaqueu não
conseguia ver Jesus. Na verdade, pela sua má reputação, não podia sequer
aproximar-se de Jesus. Sendo uma figura conhecida, venceu a vergonha e subiu em
uma árvore para poder ver Jesus. O texto evangélico diz que Zaqueu “correndo à
frente, subiu” e depois, quando Jesus o chamou, “desceu imediatamente” (v. 6).
Zaqueu certamente ouvira falar de Jesus, de
sua misericórdia, de sua bondade, de sua mansidão. Jesus o chama pelo
nome. Enquanto todos o rejeitavam,
Jesus, o chama pelo nome, como a um amigo, como a um conhecido, e se oferece
para ficar hospedado na sua casa: “Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com
alegria” (v. 6).
Em conformidade com as normas judaicas da
época, Jesus não devia entrar na casa Zaqueu, pois era um conhecido pecador
público, como era julgado, mas Jesus levantou o seu olhar para ele (v. 5). O
olhar de Jesus ultrapassa os defeitos e vê a pessoa; não se detém no mal do
passado, mas entrevê o bem no futuro.
Jesus chama Zaqueu pelo nome, sinal do seu
amor e da sua atenção para com aquele homem. É o amor de Deus manifestado em
Jesus Cristo, que ama todos os seus filhos sem excluir ninguém, nem sequer os
pecadores e os marginais. Jesus chama pelo nome um homem desprezado por todos.
Na boca de muitos, este nome certamente era pronunciado com grande desprezo.
Agora é proferido de outra maneira, indicando familiaridade e de algum modo
urgência de uma amizade.
Cristo não só fez notar que vira Zaqueu, o
chefe dos publicanos, portanto, um homem de certa posição, em cima da árvore,
mas além disso declarou diante de todos querer “ficar em sua casa” (v. 5). Esta
iniciativa de Jesus provoca em Zaqueu toda uma mudança. Nota-se aqui uma
relação de olhares. Há o olhar de Zaqueu, que procurava ver quem era Jesus. E
há o olhar de Jesus que, ao chegar a esse lugar, ergueu os olhos para Zaqueu.
Nesta altura toma-se claro que não só Zaqueu
viu o Cristo, mas realizou o efeito, produziu o verdadeiro fruto de “ver” a
Cristo, do encontro com Ele na plena verdade, realiza-se a abertura do coração,
realiza-se a conversão. É que “o Filho do homem veio procurar e salvar o que
estava perdido” (v. 10).
O ódio dirigido a Zaqueu e a sinalização do
povo que murmura, não serviram para transformar esse homem, mas bastou um olhar
diferente em sua vida, foi suficiente que alguém o chamasse pelo seu nome com
amor e entrasse em sua casa sem interesses lucrativos, para que Zaqueu se
transformasse, para que voltasse a começar corrigindo seus erros. A luz
misericordiosa de Jesus provocou nele a mudança.
Jesus levou a sua luz à casa de Zaqueu e, de
modo particular, levou alegria e salvação à sua casa. Graças à proximidade de Jesus, das suas
palavras e do seu ensinamento começa a ter cumprimento a transformação do
coração de Zaqueu. E ele confessa: “Senhor, vou dar metade dos meus bens aos
pobres; e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes
mais” (v. 8).
Sob o olhar amoroso de Cristo, o coração de
Zaqueu se abre ao amor para com o próximo. Saiu de uma posição de
insensibilidade, que o levara a enriquecer sem se importar com o sofrimento
alheio e passa a uma atitude de partilha, que se traduz em uma verdadeira
divisão do seu patrimônio: a “metade dos bens” para os pobres. A injustiça, que
causou dano aos irmãos com a fraude, é reparada, restituindo-lhes o quádruplo:
“Se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes mais” (v.
8). Só quando chegou a este ponto é que o amor de Deus alcançou o seu objetivo
e se operou a salvação: “Veio hoje a salvação a esta casa” (v. 9).
Também chama a nossa atenção o “hoje” dito por
Jesus: “Hoje tenho que ficar em sua casa” (v.5). Sim, precisamente agora é para
ele o momento da salvação. Este “hoje” é
importante. Constitui uma solicitação. Na vida há questões de tal forma
importantes e urgentes que não podem ser adiadas. Já nos diz o Salmista: “Se
ouvires hoje a sua voz: ‘não endureçais os vossos corações’” (Sl 94, 8). Também
esta expressão: “Tenho que ficar”, manifesta que o Pai, rico em misericórdia,
quer que Jesus vá “procurar e salvar quem estava perdido” (v. 10), pois “Deus
não quer a morte do pecador, mas sim, que ele se converta e viva” (Ez 18,25).
Esta passagem evangélica faz evidenciar, uma
vez mais, a atenção de Jesus pelos humildes, os rejeitados e desprezados. Seus
concidadãos desprezavam Zaqueu, porque praticava a injustiça com o dinheiro e
com o poder, e possivelmente também porque para eles, Zaqueu não é mais que um
pecador. Mas Deus apareceu visivelmente
em Jesus Cristo que “veio buscar e salvar o que estava perdido”, como Ele mesmo
disse (v. 10).
O resultado desta visita de Jesus à casa de
Zaqueu foi a sua conversão. Nem sempre ele respeitava as exigências da justiça
em sua função, mas encontro com Jesus toca o seu coração, muda a vida deste
homem outrora pecador, a ponto de dizer: “Senhor, eu dou a metade de meus bens
aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais!” (v.8).
Zaqueu fizera experiência do amor de Deus, ele soube acolher esse amor e,
transformado, transborda em arrependimento, ternura e misericórdia para com os
outros.
As palavras de Jesus dirigidas a Zaqueu devem
encontrar eco em cada um de nós. Cristo, como outrora, se apresenta diante do
homem do nosso século e faz a cada um a mesma proposta: “Hoje preciso ficar em
tua casa” (v. 5). E qual será a nossa resposta?
Peçamos à Virgem Maria, que possamos também
nós experimentar a alegria de receber a visita do Filho de Deus também em nossa
casa, que Ele possa entrar em nossa vida e nos acompanhar em nosso itinerário
e, renovados por seu amor, saibamos ser transmissores da sua verdade. Assim Seja.
PARA REFLETIR
Comecemos nossa meditação da Palavra deste
Domingo pelo Evangelho. Aí, a miséria corre para ver a Misericórdia, o homem
corre para encontrar Deus…
Quem é este Zaqueu, este baixinho ansioso do
Evangelho de hoje? É um publicano – como o homem que rezava compungido no
Domingo passado. Um publicano é um pecador público, cobrador de impostos para
os romanos e, por isso, odiado pelos judeus. Os publicanos muitas vezes
extorquiam o povo. Talvez fosse o caso de Zaqueu, pois ele “era chefe dos
publicanos e muito rico”. Certamente, tanto mais odiado quanto mais rico…
Pois bem, é um homem assim que correu e subiu
numa figueira para ver o Senhor. Imaginemos a cena: Zaqueu esquece sua pose,
sua respeitabilidade, sua posição. Aquele homem rico devia também ser sozinho,
amargurado na sua riqueza, que o tornava um rejeitado por todos e um excluído
da comunidade do Povo de Deus. Zaqueu certamente ouvira falar de Jesus, de sua
misericórdia, de sua bondade, de sua mansidão. Não era ele que acolhia os
pecadores? Não era ele que comia com os publicanos? Não tinha ele um publicano,
Mateus, como um dos Doze? Por isso, não hesita em subir numa figueira, não tem
medo do ridículo! Quer ver Jesus, nem que fosse às escondidas… Quem dera que
fôssemos assim, que não deixássemos o Senhor passar em vão no caminho da nossa
vida! E aí vinha Jesus… O coração de Zaqueu certamente disparou… Jesus vai
passando, acompanhado, cercado por uma multidão barulhenta. Aí, então, para
surpresa de todos e desespero de Zaqueu, ele pára, olha pra cima… Imaginemos os
risos, a mangação, a situação de ridículo na qual o pobre Zaqueu encontrou-se!
Mas, Jesus é surpreendente – ele sempre nos surpreende; ele é maravilhosamente
surpreendente! “Zaqueu – chama-o pelo nome. Conhecia-o! – Desce depressa! Hoje
eu devo ficar na tua casa!” Era demais para Zaqueu: o mundo desaparecera; a
mangação não tinha importância… Naquela hora, naquele momento só existitam Jesus
e ele! E Jesus o chamava pelo nome! Enquanto todos o rejeitavam, Jesus,
chamava-o pelo nome, como a um amigo, como a um conhecido, e oferecia-se para
se hospedar na sua casa! “Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria”.
Contemplemos o amor de Deus, amor misericordioso, que alegra, renova,
transforma a existência e dá um novo sentido para a vida!
Qual o resultado desta visita do Senhor, deste
acolhimento de Zaqueu? “Senhor, eu dou a metade de meus bens aos pobres, e se
defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais!” Zaqueu fizera experiência do
amor de Deus, Zaqueu acolhera esse amor, deixara-se amar e, agora, transborda
em arrependimento, amor e misericórdia para com os outros! Que pena que não
compreenderam isso, e começaram a murmurar contra Jesus…
Quem dera que da escuta da Palavra deste
Domingo aprendêssemos quem é o nosso Deus, como age seu coração, e como nós
deveríamos reagir! Pensemos no coração de Deus não a partir dos nossos
sentimentos mesquinhos, mas a partir das palavras comoventes do Livro da
Sabedoria: um Deus tão grande, tão imensamente maior que tudo quanto existe,
tão imensamente para lá de tudo quanto possamos imaginar… “Senhor,o mundo
inteiro, diante de ti, é como um grão de areia na balança, uma gota de orvalho
da manhã que cai sobre a terra”. E, no entanto, ele se inclina com carinho
sobre o mundo: dele cuida, sustenta-o, compadece-se de suas criaturas e nos
perdoa as loucuras, ingratidões e pecados: “De todos tens compaixão, porque
tudo podes. Fechas os olhos aos pecados dos homens, para que se arrependam.
Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se
odiasses alguma coisa não a terias criado”… Admirado, o autor sagrado exclama:
“A todos tu tratas com bondade, porque tudo é teu, ó Senhor, Amigo da vida!”
Que título comovente: Amigo da vida! Um Deus que somente é glorificado na nossa
alegria, na nossa vida! Um Deus que sorri com o sorriso de Zaqueu, um Deus que
se oferece para entrar na casa e no coração de um pecador perdido!
Quem dera que sejamos como Zaqueu; que
desejemos vê-lo, que abramos para ele a nossa porta, que por seu amor mudemos
nossa atitude, como esse publicano. São Paulo deseja, na segunda leitura de
hoje, que o nome de Jesus seja glorificado em nós, na nossa vida… Seria, será glorificado,
se abrirmos essa nossa vida fechada, mesquinha e cansada para o Senhor. Ele vem
a nós cada dia, ele passa por nós de tantos modos: na Palavra, nos irmãos, nas
situações, nos desafios, nos sofrimentos, nas provas… Quem dera que o
reconhecêssemos, como Zaqueu… Saber acolhê-lo nas suas vindas é glorificá-lo
agora e preparar-se bem para a sua Vinda, no fim dos tempos, aquela da nossa
união definitiva com ele, de que fala o Apóstolo na leitura de hoje.
Que o Senhor nos dê a ânsia e a graça que
concedeu a Zaqueu. Amém.
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