A
Liturgia reserva as últimas celebrações do Ano Litúrgico para
celebrar e refletir sobre o final dos tempos. Mesmo que a Palavra
fala de momentos catastróficos, a linguagem é apocalíptica, e isso
tem causado incompreensões e até mesmo temor. Uma aproximação
equivocada, do senso comum, por relacionar a linguagem apocalíptica
a acontecimentos trágicos, extremamente catastróficos e, por isso,
destruidores.
Apocalipse
é uma palavra de origem grega que significa “revelação”. Disso
se conclui que a linguagem apocalíptica é uma linguagem reveladora,
não no sentido de anunciar o futuro, mas de chamar atenção à
vigilância de cada um para não perder a fé, a esperança e a
alegria no momento que as seguranças da terra começarem a
desaparecer. A Liturgia, portanto, em suas celebrações não anuncia
o terror da destruição, mas celebra a força da esperança, apoiada
na virtude da vigilância. Em nenhum momento, a Liturgia profetiza de
catástrofes, nas celebrações de fim de ano. Ao contrário,
continua sendo profeta e promotora da esperança em Deus.
Mas,
vamos colocar uma questão: — esta esperança pode diminuir ou até
mesmo desaparecer devido à desconfiança pessoal? Sim! Disso se
entende o empenho da Liturgia em manter a esperança através da
vigilância. Vamos considerar como isso acontece a partir de algumas
considerações de celebrações do Ano A.
A
santidade como realização da vida
A
santidade divina é a primeira proposta apocalíptica celebrada na
Liturgia. É a celebração de uma revelação festiva e repleta de
esperança: todo homem e mulher são chamados a participar da
santidade divina. É a comunhão de todos os santos, que professamos
no Credo da Igreja e celebrada na Solenidade de todos os santos e
santas, em dia 1º novembro. Por motivos pastorais, aqui no Brasil, é
transferida para o primeiro Domingo depois da data.
Minha
reflexão considera a proposta pastoral pedagógica do Ano Litúrgico.
Neste caso, antes de celebrar a morte cristã, no dia seguinte (2 de
novembro), a pedagogia litúrgica celebra o destino da vida: viver e
participar da santidade divina. Antes de refletir sobre a morte, a
Liturgia, pedagogicamente, mostra que somos destinados a ser santos e
santas. A morte não é o fim de tudo, não é o fim da vida, mas é
uma passagem para participar da vida plena que acontece na santidade
divina, na comunhão de todos os santos e santas.
Por
isso, as duas celebrações — de Todos os Santos e dos Fiéis
Defuntos — do ponto de vista pedagógico, estão próximas porque
indicam duas realidades da vida humana: a realidade da morte e a
realidade do destino da vida humana. Entende-se que a celebração
do dia 2 de novembro celebra a fé e a esperança na "comunhão
dos santos", como professamos no Credo, sustentando-se na
Palavra desta celebração que promete e garante a vida eterna para
quem viver em Jesus Cisto. É um contexto celebrativo marcado
essencialmente pela esperança e pela fé na vida eterna.
Além
da fé e da esperança, existe também a já citada “comunhão dos
santos”, pelo qual nós, como Igreja que vive na terra,
intercedemos à Igreja que vive no céu, que acolha aqueles que
partiram desta vida na esperança do repouso eterno. Existe esta
“comunhão dos santos” que, em outras palavras, pode ser
denominada como “comunhão de batizados”, aqueles que foram
lavados na água do Batismo e, por receberem a filiação divina,
tornam-se santos e santas. A segunda dimensão é que os santos que
vivem na terra (os batizados) intercedem para que os falecidos
participem da santidade plena da vida divina. Isso não é feito
somente no dia 2 de novembro, mas diariamente, em todas as Missas
celebradas na Igreja.
A
celebração dos santos e santas, para finalizar, não é, apenas, um
convite para refletir sobre a santidade, mas principalmente entender
a santidade como realização da vida humana, algo que nem a morte
pode destruir, porque somos redimidos no Sangue do Cordeiro vitorioso
e revestidos com a veste dos eleitos.
Vamos
ao encontro do Senhor! Esperança e vigilância
No
contexto apocalíptico que marca as celebrações da conclusão do
Ano Litúrgico — apocalíptico como revelação do destino do homem
— encontra-se também o convite da Liturgia para caminhar ao
encontro do Senhor. Este caminhar ao encontro do Senhor acontece em
duas estradas importantíssimas, do ponto de vista da espiritualidade
cristã: a estrada da esperança, que é alimentada pela fé, e a
estrada da vigilância, alimentada pela caridade, pelo amor. Isto se
faz presente nas celebrações do 32DTC-A e 33DTC-A.
Dois
enfoques ajudam a contextualizar a celebração do 32DTC-A. O
primeiro convida a se deixar encontrar por Deus e acolher a Sabedoria
divina na vida pessoal. Ao se dizer que o enfoque celebrativo do
32DTC-A consiste em se de deixar encontrar por Deus, a Liturgia está
convidando a viver na vigilância, porque Deus é quem nos procura,
que vem ao nosso encontro, presente na expressão: “O noivo está
chegando. Ide ao seu encontro”. Aqui está uma versão da linguagem
apocalíptica: a Liturgia revelando um tempo especial que consiste na
vinda do “noivo”, isto é, a 2ª vinda de Jesus Cristo. Por isso,
não se pode ficar dormindo, é preciso viver na vigilância.
O
segundo enfoque convida, justamente, a viver na vigilância com a
alegria e com a expectativa de participar de um banquete de amor com
Deus, pois nele está a fonte da vida plena. Vigilância, na proposta
das celebrações de fim de Ano Litúrgico, não significa viver
aprisionado, bloqueado ou atemorizado com os acontecimentos. Ao
contrário disso, a proposta é viver como quem se prepara para uma
festa. Como se sabe, pela experiência da vida, a preparação para
uma festa, em si, gera uma expectativa de alegria. Vigilância cristã
é um tempo alegre de quem se prepara para celebrar a festa da
santidade divina.
O
33DTC-A apresenta ainda uma outra característica da vigilância
cristã: a atividade cotidiana do trabalho. Vigilância cristã não
é inatividade, mas “viver a vida” cotidiana trabalhando pelo pão
diário para si e para os outros. A imagem simbólica dessa atitude
vigilante está na 1ª leitura do 33DTC-A: o elogio à mulher que
trabalha e administra sua casa para o bem de todos. Um modo de dizer
que a vigilância cristã é uma atitude sábia de quem teme a Deus e
se dedica diligentemente ao trabalho cotidiano.
É
pelo trabalho que os talentos são multiplicados, como diz o
Evangelho do 33DTC-A. Talentos não no sentido do senso comum de ter
dotes especiais, mas talento no sentido evangélico, que significa a
vida. Vigilante é aquele que produz mais talentos, isto é, produz
mais vida. Não nascemos para enterrar a vida, como fez o servo
inútil, mas para multiplicar a vida. Quem assim vive, vive vigilante
e terá a recompensa final.
Honra
e glória a Cristo Rei do Universo
O
último elemento das celebrações de fim do Ano Litúrgico é a
Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo. É o coroamento final do
discipulado. Quem caminhou com Jesus e nas estradas do Evangelho, no
decorrer de todo um período de tempo — o Ano Litúrgico — no
final se aproxima do trono divino para adorar, glorificar e louvar. O
motivo disso: o reconhecimento que Jesus é o Senhor, o nosso Deus,
aquele no qual vivemos, nos movemos e somos.
Voltamos,
assim, ao início da nossa reflexão: a meta da vida humana consiste
em se deixar encontrar por Deus. E, quando Deus nos encontra,
propõe-nos o caminho de uma vida que se traduz em adoração, em
louvor e em discipulado. Quem segue este caminho ouvirá, no encontro
definitivo com o Senhor, Rei do Universo, o Pastor eterno: “vinde,
benditos do meu Pai, para tomar posse do lugar que vos foi
preparado”.
Serginho
Valle
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SAV
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