Tentarei ser breve, pois o momento exige
celeridade, embora não dispense a boa compreensão do tema. Há dias, temos enfrentado
o desafio de explicar às pessoas, inclusive às pessoas pró-vida, os problemas
dos PLs 1444/2020 e 1552/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados.
Por que é um desafio? Porque já faz algum tempo que
a rede abortista entendeu que defender o aborto cru e sem amenizações não seria
eficaz para sua descriminalização, principalmente no Brasil. Assim, os
defensores do aborto, imbuídos de seu propósito e munidos de uma nova
estratégia para a promoção da morte, conseguiram avançar sua agenda e enganar a
muitos. A seguir, explico isso de maneira condensada, na esperança de conseguir
tirar as dúvidas que têm surgido com relação a tal estratégia, sem, contudo,
ter a pretensão de esgotar o tema que tem sido estudado por todo o Movimento de
Defesa da Vida há décadas.
A promoção do aborto se dava de forma mais voltada
para a técnica médica, mesmo que embasada pela sociologia e, durante muito
tempo, amparada pela demografia. As ações, que foram alvo de crítica por parte
de um importante sociólogo, se resumiam em implantar Centros de Planejamento
Familiar nos países, oferecer aborto, implantação de DIU e esterilização.
Contudo, a partir dos anos 90, uma nova abordagem
(que teve, no Brasil, o terreno preparado desde 1983, com o PAISM) para o
controle populacional foi adotada. Adrienne Germain, com o Relatório da
Fundação Ford Saúde Reprodutiva, uma estratégia para os anos 90 formou
e bancou intelectualmente inúmeros coletivos e ongs feministas. O objetivo,
claro como água cristalina descrito no relatório, era formar massa crítica para
difundir uma nova forma de promoção do aborto: os direitos das mulheres.
Muito dinheiro foi investido para que, a partir de
estudos sociológicos de alteração do comportamento e de manipulação social, as
mulheres cedessem a uma nova tentação: à tentação do direito ao próprio corpo
através do aborto e da “igualdade”.
E assim, ONGs e coletivos, movimentos sociais e
políticos ligados à esquerda começaram a desenvolver ações no país que fossem
fruto de todo o dinheiro investido na promoção da Cultura da Morte. Sobre esse
investimento, podemos ler no Relatório da Fundação Macarthur, o Lessons Learned, como a Fundação despejou mais
de 30 milhões de dólares em ongs nacionais para que o terreno para a promoção
do aborto fosse pavimentado no Brasil.
Instrumentos e ferramentas, com linguagem
camuflada, foram criados e passaram a transitar nas casas legislativas, na
mídia, nos livros didáticos, tudo para que o imaginário popular fosse se
acostumando com os termos, sem contestar nada.
A manipulação linguística foi-se aprimorando, e o
nível do disfarce foi ficando altíssimo. Assim, hoje, quando um promotor do
aborto quer propor um projeto de lei, ele já não usa mais a palavra aborto, mas
se vale de inúmeros instrumentos linguísticos, cunhados nos porões de
organizações internacionais (que financiam os coletivos, que financiam os
sociólogos para que eles criem os termos e os ressignifiquem).
Vejam alguns conceitos novos e ressignificados,
utilizados pela militância pró-aborto, para avançar sua agenda através da
enganação/manipulação linguística.
Direitos Sexuais e reprodutivos “incluem aborto”
Neste documento de uma das maiores ongs feministas
do Brasil, financiada, inclusive, pela Fundação Macarthur, CFEMEA – Centro
Feminista de Estudos e Assessoria, a autora mostra claramente o conceito de
“direitos reprodutivos”.
Em 1985, o termo “direitos reprodutivos” é
amplamente utilizado pelas feministas e, referia-se principalmente à contracepção,
esterilização, aborto, concepção e assistência à saúde. Segundo a autora,
essa configuração marcou a segunda década dos direitos reprodutivos no país.
(pág. 44)
E ainda neste documento,
As alianças com esses grupos, evidentemente,
implicaram negociações de vários matizes, republicanas e não republicanas, para
usar o termo da moda. Nessa esteira, agendas da extrema direita que haviam
perdido fôlego nos anos recentes de democracia começaram a ganhar sopro novo e
se reacenderam no debate, como por exemplo, a redução da maioridade penal; a
instituição da pena de morte; a ilegalidade do aborto em qualquer caso; a
criminalização dos movimentos sociais.
Frente ao novo governo, os movimentos de mulheres e
feminista se mobilizaram e pressionaram o poder legislativo e executivo,
exigindo garantias e medidas concretas para proteger e promover os direitos
sexuais e reprodutivos e conseguiu alguns avanços importantes neste sentido,
durante o primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006) (pág. 33)
Além da notificação compulsória da violência, a
Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde, editada em 1998
e reeditada em 2005, estabelece os parâmetros éticos para um atendimento
humanizado às mulheres vítimas de violência sexual. Dentre estes parâmetros,
destacam-se o respeito à autonomia, à individualidade e aos direitos das
mulheres; resguardo de sua intimidade e privacidade; sigilo e
confidencialidade; o direito da paciente de ser informada de todos os
procedimentos a serem realizados, respeitando-se sua opinião ou recusa;
respeito aos sentimentos decorrentes da violência tais como medo, trauma, choro
etc. (pág. 68 e 69)
Rede de enfrentamento de Combate à violência contra
a mulher
Quando tratamos com ressalvas os termos utilizados
em diversos dispositivos com relação ao aborto, o fazemos porque temos
familiaridade com os documentos oferecidos e divulgados pelos próprios
promotores do aborto. Assim, não nos é difícil perceber que eles tentam, a todo
custo, modificar o entendimento de algumas palavras. Um desses termos ou
expressões é “rede de enfrentamento à violência contra a mulher”. Eis alguns
trechos de documentos produzidos pela rede feminista, muitos amparados pelo
governo federal da época.
Em documento do Governo Federal, da Secretaria de Políticas para Mulheres, seguem outras definições e declarações.
Com vistas a padronizar as ações de capacitação dos
profissionais da Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, a SPM
elaborou em 2007, após o lançamento do Pacto Nacional, uma matriz de conteúdo
mínimo para a formação de agentes públicos responsáveis pelo atendimento às
mulheres em situação de violência. Essa matriz tem sido divulgada por meio de
editais e termos de referência para implementação do Pacto Nacional pelo
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em Estados e Municípios e é composta
por sete módulos, a saber: a) conceito de Gênero; b) conceito de violência
contra as mulheres e tipologias; c) rede de enfrentamento à violência contra as
mulheres; d) apoio psicossocial às mulheres em situação de violência; e) Lei
Maria da Penha; f) direitos sexuais, direitos reprodutivos e violência contra
as mulheres; g) tráfico de mulheres. (pág. 37)
Para além do Pacto e Política Nacional de
Enfrentamento à Violência, podem ser citados – como importantes marcos para o
fortalecimento da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres e da
rede de atendimento às mulheres em situação de violência – a promulgação da Lei
11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a criação, em 2005, da Central de
Atendimento à Mulher – Ligue 180. (pág. 10)
Passados quatro anos de implementação do Pacto
Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, foi
necessária uma releitura desta proposta e uma avaliação com olhar nas 27
Unidades da Federação pactuadas.
Assim, compreendeu-se a necessidade de manutenção,
ampliação e fortalecimento desta proposta dada a sua importância e relevância
no País, sendo que os novos eixos estruturantes são:
1) Garantia da aplicabilidade da Lei Maria da
Penha.
2) Ampliação e fortalecimento da rede de serviços
para mulheres em situação de violência.
3) Garantia da segurança cidadã e acesso à Justiça.
4) Garantia dos direitos sexuais e reprodutivos,
enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres.
5) Garantia da autonomia das mulheres em situação
de violência e ampliação de seus direitos. (pág. 11 e 12)
A construção de uma sociedade mais justa e
igualitária pressupõe, portanto, o enfrentamento a este fenômeno para além da
punição aos que perpetram e perpetuam a violência. O grande desafio é colocar
em prática ações que promovam o empoderamento feminino, interfiram nos padrões
machistas da sociedade, assegurem um atendimento qualificado e humanizado às
mulheres em situação de violência. Enfim, iniciativas que garantam o acesso de
todas as mulheres a seus direitos nas mais variadas dimensões da vida social e
que resultem em mudanças de padrões culturais vigentes.
No Brasil, de 1985 a 2002, apesar dos avanços em
vários campos, como a criação das delegacias especializadas e de serviços de
atendimento às mulheres, a visão do fenômeno da violência, do ponto de vista da
política pública, ainda era fragmentada.
A elaboração e a implementação da Política Nacional
de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a partir de 2003, incorpora
ações destinadas à prevenção, à assistência e à garantia dos direitos da mulher
em diferentes campos.
O conceito central da Política é a integração dos
serviços nas áreas de saúde, segurança, educação, assistência social, cultura e
justiça, de forma a permitir às mulheres romperem com o ciclo da violência. Ao
mesmo tempo, é fundamental envolver toda a sociedade na busca de soluções para
eliminar a violência contra as mulheres. Por isso, deve-se investir em ações
preventivas e educativas que modifiquem comportamentos e padrões culturais
machistas. (pág. 7 e 8)
Atendimento integral à mulher e atenção humanizada
Há também ressignificação dos termos “atendimento
integral à mulher” e “atenção humanizada”. No site do Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde, podemos ver algumas definições:
Atenção humanizada significa incluir a mulher nas
decisões sobre seu próprio corpo. Toda mulher tem direito ao planejamento
familiar, tendo acesso a informações sobre métodos e técnicas para prevenção da
gravidez. O SUS oferece contraceptivos como DIU, anticoncepcionais e camisinha
feminina. Já no caso das gestantes, a realização do pré-natal, incluindo
acompanhamento durante toda a gravidez e puerpério, também é uma garantia do
SUS.
Os órgãos públicos foram bombardeados com esses
novos conceitos, como podemos também observar no site do governo do Rio Grande
do Sul, quando ele, seguindo as diretrizes da ONU, OMS e pretensão de
implantação da Agenda 2030, conceitua Atenção / Atendimento Integral à Saúde da
Mulher.
A Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres
compreende a saúde como um processo resultante de fatores biológicos, sociais,
econômicos, culturais e históricos. Isso implica em afirmar que o perfil de
saúde e doença varia no tempo e no espaço, de acordo com o grau de
desenvolvimento econômico, social e humano, incluindo a questão de gênero como
condicionante/determinante social. Salienta-se que igualdade de gênero é um dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas
(ONU) para a Agenda 2030 (compromisso firmado pelo Brasil).
A incorporação da categoria gênero na avaliação de
políticas de saúde permite mostrar uma nova dimensão da desigualdade social,
assim como, explicar situações e fenômenos que não teriam visibilidade sem este
enfoque. A vulnerabilidade feminina frente a certas doenças e causas de morte
está, muitas vezes, mais relacionada com a situação de desigualdade da mulher
na sociedade do que com fatores biológicos.
Entendendo a situação de desigualdade social
relacionada ao gênero, a atuação da Seção de Saúde da Mulher desenvolve-se a
partir dos seguintes eixos:
a) Saúde sexual,
considerando a identidade de gênero, sexualidade, diversidade, prevenção e
tratamento das infecções sexualmente transmissíveis, assim como, as doenças
ginecológicas; b) Saúde reprodutiva, com ênfase na melhoria da
atenção obstétrica, no planejamento reprodutivo e na atenção ao
abortamento; c) O enfrentamento à violência doméstica e
violência sexual; d) Atenção ao câncer de mama e colo do
útero.
Não é difícil fazer a montagem do quebra-cabeças
desenvolvido para modificar o conceito das coisas, ampliar o entendimento de
“direitos” e, com o caminho pavimentado com a manipulação linguística no
imaginário e vocabulário populares, inserir o aborto como direito e um bem.
Existem mais inúmeros documentos – todos escritos e
promovidos pela militância pró-aborto, ancorados por Conferências e Tratados
Internacionais, além de organismos como ONU, OMS, UNESCO, que podem ser
facilmente encontrados na vasta internet.
Contudo, para este momento, nos basta que as
pessoas de bem, sem esforço, entendam como funciona o trabalho de promoção do
aborto e que, nunca mais, um político que promova tal tema virá com a palavra
“aborto” estampada no texto. Os disfarces e estratégias são, hoje, mais
sofisticados.
Unido a isto, colocamos toda a tentativa de
direcionar recursos para um projeto de lei que traz em seu texto, jabutis tão
sofisticados que até mesmo os deputados não conseguem perceber. Daí se dá o
nome de abortoduto, numa tentativa de criar uma rede de financiamento e
ampliação ao aborto no país.
Agora, basta ler novamente os Projetos de Lei
1444/2020 e 1552/2020 e perceber as relações entre as palavras e como elas se
ressignificam, quando analisadas à luz dos documentos citados.
O abortoduto não é fake news. Ele é real. E se todos dizem querer defender todas as
vidas, entendemos que inserir nos PLs a emenda que proíbe que qualquer recurso
a eles destinados seja usado para promover o aborto provocado é essencial para
que haja segurança para a mulher e para a criança. Mas se as senhoras deputadas
não querem colocar tal emenda, como crer que estão realmente protegendo alguém?
Por Andréia Medrado
_____________________
Senso
Incomum
Nenhum comentário:
Postar um comentário