O Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, reitor do seminário de Cuiabá-MT e consultor do Vaticano para assuntos de catequese, afirmou em sua recente entrevista publicada [no blog Salvem a Liturgia]:
“Se nós olharmos para a história da Igreja, nós notaremos que nunca aconteceu aqui na terra o paraíso da Liturgia perfeita. Penso que é importante não esperar esse paraíso. O que nós podemos esperar para o nosso futuro é que nós tenhamos força e decisão moral o suficiente de proteger a Liturgia e os Sacramentos da Igreja, de lutar para que os Sacramentos e a Liturgia não sejam destruídos, mas celebrados conforme a Tradição, conforme aquilo que Jesus e os Apóstolos deixaram.”
Nesse sentido, a Liturgia instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo é ***perfeita em si mesma***. Pois Nosso Senhor Jesus Cristo está presente verdadeiramente e sibstancialmente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (Cat.), nos números 1374-1377; e que Ele se faz presente durante a Santa Missa, que é a renovação do Seu Único e Eterno Sacrifício, consumado de uma vez por todas na cruz e tornado presente no altar, pelas mãos do sacerdote (Cat. 1362-1372; 1411).
Por isso a Liturgia é sempre ***perfeita em si mesma***, porque o Santo Sacrifício da Missa possui um valor infinito. Por isso Santo Tomás de Aquino, doutor da Santa Igreja, diz: "Tanto vale a Santa Missa quanto vale a morte de Jesus." Na mesma linha, afirma o Concílio de Trento: “O próprio Deus todo-poderoso não pode fazer que exista uma ação mais sublime do que o Santo Sacrifício da Missa.”
Por outro lado, a Liturgia na terra é ***imperfeita em sua forma***, e está sempre sujeita as limitações de quem a celebra e mesmo do Rito que é celebrado – afinal, embora todos os Ritos aprovados pela Santa Igreja sejam válidos e católicos, cada um expressa de forma mais profunda uma ou outra verdade da fé; é impossível para um Rito expressar todas as verdades com a mesma profundidade, e essa riqueza especial de cada um é riqueza para toda a Igreja.
A Liturgia que é perfeita em sua essência e forma é a Liturgia celeste. Pois “na liturgia da terra, participamos, saboreando-a de antemão, na liturgia celeste, celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual nos dirigimos como peregrinos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo.” (Cat. 1090)
Hoje, seguindo a voz profética do gigante Bento XVI, muitos desejam lutar pela autêntica litúrgica católica, pela defesa da fé católica na Presença Real de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada e na Santa Missa como Renovação do Santo Sacrifício de Calvário, pelo esplendor litúrgico conforme a tradição litúrgica, pela obediência as normas litúrgicas, e assim por diante. E isso é algo maravilhoso!
Porém, em alguns desses meios, e mesmo na internet, nos comentários deixados aqui no blog, em nossas comunidades do Orkut e em nossas listas de discussão, temos percebido e nos preocupado com uma tendência perigosa, uma espécie de “efeito-colateral” deste processo, que pode ser algo pastoralmente destrutivo em nossos apostolados, e que acreditamos que é uma tendência que precisa ser podada. Que tendência é essa? É exatamente a de esperar uma Liturgia perfeita aqui na terra!
Por exemplo: mostra-se as fotos uma Santa Missa belamente celebrada, com autêntico espírito de adoração por parte do celebrante e dos fiéis, esplendor litúrgico, correta disposição do local sagrado, uso completo dos paramentos, paramentos maravilhosos e mil coisas mais...e alguém comenta: “Pô, mas a pontinha da página do missal usado está amassada!!!” Ou então: “Pô, mas o tamanho dos castiçais não está proporcional a cruz!!!”. Ou ainda: “Pô, o estilo da casula não combina com o formato das orelhas do cachorro do pároco que está no pátio da igreja!!!”
Evidente que (ao menos neste último exemplo) estou caricaturizando a situação, mas podemos nos perguntar cada um: será que não estamos esperando uma Liturgia perfeita aqui na terra, e por causa disso deixando de nos focar naquilo que realmente é mais necessário?
Explico: evidentemente, com a Santa Igreja, cremos que é necessário buscarmos a obediência as normas litúrgicas (Sacrossanctum Concilium, n. 22; Ecclesia de Eucharistia, n. 52), e buscar, o máximo possível, a beleza, o esplendor e a solenidade, segundo a tradição litúrgica católica, que as celebrações exigem. Porém, será que é possível atingir a perfeição litúrgica aqui na terra? Será que, em alguns dos exemplos dados acima, a pontinha da página do Missal não poderia estar amassada e os castiçais levemente desproporcional por simplesmente não termos outro Missal ou outros castiçais a disposição para serem utilizadas naquela ocasião? E ao olharmos as fotos desta Missa, será razoável que isso nos gere um mal-estar tão grande e nossa atenção se prenda nisso, ao invés dos inúmeros detalhes maravilhosos desta celebração, e principalmente, da sua própria essência?
O Pe. Paulo Ricardo muito tem nos falado da chamada “mentalidade revolucionária”. O revolucionário “descobriu como é a realidade”! Quando ele se depara com a realidade, que NÃO e exatamente como ele havia “descoberto”...o problema é a realidade! Esta mentalidade se manifesta em todos as revoluções liberais e totalitárias dos últimos séculos, que esperam construir o “paraíso aqui na terra”, “a terra sem males”, “o outro mundo que é possível”...mas esta mentalidade pode se “disfarçar” de uma forma mais sutil mesmo nos chamados “meios conservadores”.
Ora, se eu espero uma Liturgia perfeita aqui na terra, e quando me deparo com a realidade da nossa imperfeição e limitação humana que tornam impossível a Liturgia perfeita aqui, eu ignoro esta realidade e continuo com a minha idéia de esperar a Liturgia perfeita....eu estou sendo revolucionário, nesse sentido! E cada vez que eu me deparar com alguma limitação assim, mesmo nas Missas com as Liturgias mais cuidadosas que eu participar, terei dificuldade em lidar com essas imperfeições.
Esse comportamento “revolucionário” pode me levar a, obsessivamente, me focar nos aspectos externos da Liturgia, em detrimento dos internos, e cair em um farisaísmo, condenado por Nosso Senhor quando disse:
"Este povo somente Me honra com os lábios; mas seu coração está longe de Mim" (Mc 7,6).
"Vós, fariseus, limpais o que está por fora do vaso e do prato, mas o vosso interior está cheio de roubo e maldade. Insensatos!" (Lc 11, 39-40)
Quem de nós já não se pegou, durante a Oração Eucarística, reclamando internamente pelo castiçal desproporcional, pela pontinha amassada do Missal, pelo canto desafinado ou inadequado, pelas crianças fazendo barulho, pelo falta de paramentação do celebrante ou mesmo pela sua falta de piedade, e ficando com o pensamento e afetos fixos nisso...ao invés de contemplar o Mistério e se entregar junto com Nosso Senhor no altar?
Precisamos lembrar que, havendo sacerdote, intensão, matéria válida para a Santa Missa e palavras da Consagração conforme a Santa Igreja prescreve, a Missa é válida. Mesmo se, pela necessidade da situação ou mesmo pela falta de zelo, a Missa for celebrada debaixo de uma árvore. O Santo Sacrifício de Nosso Senhor e a Sua Presença Real na Hóstia Consagrada é maior do que a árvore.
Nesta tensão entre a excelência litúrgica que, com justiça buscamos, e as possibilidades que a realidade nos oferece, precisamos buscar o equilíbrio. Busquemos, sim, a beleza, o esplendor, a solenidade a tradição litúrgica e a obediência as normas litúrigicas; mas compreedendo que as limitações, mesmo as limitações litúrgicas, fazem parte da nossa caminhada aqui na terra; e pedindo perdão das nosas imperfeições interiores (“Oh Deus, tende piedade de mim, pois sou pecador!” – Lc 18,14), com os olhos fixos na Liturgia celeste, onde Deus será tudo em todos (ICor 15,28).
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Fonte: Salvem a Liturgia.
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