quarta-feira, 19 de junho de 2013

"O povo brasileiro não merece passar por uma guerra civil"


Entrevista com especialista e filósofo, Ivanaldo Santos, professor do departamento de filosofia e da Pós-Graduação em Letras (PPGL) da UERN


Não estamos numa “revolução”, disse à ZENIT Ivanaldo Santos, casado, filósofo e professor do departamento de filosofia e da Pós-Graduação em Letras (PPGL) da UERN. “O termo que mais se aproxima dos últimos acontecimentos é ‘onda de protestos’”.

Caso os líderes dessas ondas de protestos se organizem, podem aproveitar o momento para exigir coisas concretas aos governantes “como, por exemplo, urgentes medidas de combate a inflação, maiores investimentos no sistema de transporte público e coisas semelhantes”, disse o filósofo. Até o momento o maior risco que se corre é que toda essa movimentação não se concretize e termine do jeito que começou.

Por outro lado, e não há de se descartar também, caso não se tome o devido cuidado, a conclusão poderia ser “pior do que a volta da inflação”; seria ver o “país cair no caos e na anarquia política” - disse Ivanaldo Santos enfatizando que dentro do direito legítimo e democrático de manifestar-se, “coibir a ação de grupos extremistas é um dever do Estado e uma necessidade da democracia”.

Acompanhe na íntegra a entrevista.


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ZENIT: O que o senhor acha dessa revolução que percorre o Brasil?

Ivanaldo Santos: Ainda não podemos usar o termo “revolução”. Uma Revolução pressupõe uma ruptura com um modelo de civilização ou então com algum modelo político e administrativo. Até agora, nada disso está ocorrendo. Também ainda não podemos usar o termo “revolta”, até o presente momento não houve nenhuma vítima fatal, não há um conjunto de reivindicações coerente e coeso, o governo não tomou nenhuma grande medida para contar a população. Em síntese, estamos um pouco distante do caos social vivido, por exemplo, pela Turquia e pela Síria.

O termo que mais se aproxima dos últimos acontecimentos é “onda de protestos”. Uma onda que, num primeiro momento, surgiu na cidade de São Paulo, orientada por partidos políticos de extrema esquerda que, entre outras coisas, queriam a redução da tarifa de ônibus. Logo após, num segundo momento, essa onda de protestos perdeu o seu caráter partidário e ganhou o país. Nesse segundo momento quem participa dessa onda, em tese, não são os militantes profissionais dos partidos políticos, mas estudantes universitários, donas de casa, pessoas comuns. O que chama atenção dessa onda de protestos é o seucaráter apartidário e confuso. Não há uma agenda de reivindicações, as pessoas simplesmente vão às ruas pedirem melhorias na saúde, educação, segurança, criticam a corrupção, os gastos exorbitantes com a copa do mundo e coisas semelhantes. Grande parte desse sentimento de revolta é fruto de uma percepção, inconsciente e indireta, quealgo está errado com o Brasil.

Vejamos: no cenário nacional a inflação voltou, e mesmo que o governo negue esse fato, as pessoas nas ruas já perceberam que tudo está mais caro, o real está perdendo valor, a indústria cresce pouco, já se fala em aumento do desemprego, aumento nos preços das mercadorias e coisas parecidas. Um cenário nada animador. Já no cenário internacional temos a valorização do dólar, a crise da social democracia, marcada por países como Grécia, Espanha e Portugal; as incertezas da recuperação econômica internacional. Além disso, no Brasil vive-se quase que um monopartidarismo, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados ocupam quase todos os espaços da política nacional.

Isso vai gerando uma espécie de asfixia política, ou seja, atualmente, no Brasil, falta novos horizontes e novas possibilidades políticas. A juventude, com seu espírito irrequieto, já percebeu esse fato e, por isso, quer algo novo, uma nova possibilidade de fazer política que não esteja dentro dos estreitos limites da estrutura partidária do PT e dos outros partidos tradicionais. O problema é que as multidões que estão indo as ruas não sabem expressar isso de forma coerente (não produzem um documento, não fazem um manifesto, etc). Isso torna os protestos bonitos, bons para saírem na grande mídia, mas de muito pouca utilidade prática. Esse é o tipo de protesto que os partidos políticos tradicionais gostam, pois, os manifestantes gritam muito, fazem barulhos, mas não apresentam uma pauta de reivindicações organizadas. Eles não sabem bem o que querem.

O perigo de tudo isso é essa onda de protestos terminar em nada, não haver nenhuma mudança no sistema política brasileiro. Seria bom se os líderes dessas manifestações começarem o cobrar algo de mais prático dos governantes, como, por exemplo, urgentes medidas de combate a inflação, maiores investimentos no sistema de transporte público e coisas semelhantes.

ZENIT: Será que, realmente, não há ninguém por trás de tudo isso?


Ivanaldo Santos: No início dos protestos havia a “mão invisível” dos partidos de extrema esquerda. Esses partidos vivem ainda no século XIX, nunca sequer chegaram ao século XX, muito menos no século XXI. São partidos que vivem sonhando com uma revolução socialista que criará uma ditadura no Brasil. Eles vivem planejando algum tipo de revolta popular. Aproveitaram a indignação da população da cidade de São Paulo, e de outras cidades no Brasil, com o aumento das passagens de ônibus para fomentarem protestos violentos nessas cidades. Eles queriam criar, no Brasil, uma versão das comunas de Paris no século XIX. O problema é que o povo brasileiro não tem qualquer interesse em revoluções socialistas e guerras urbanas violentas. O povo transformou os protestos violentos, com a ajuda do governo, em protestos festivos, onde as pessoas pintam o rosto para reivindicar algum tipo de melhoria no padrão de vida. Algo bem mais apropriado para a cultura brasileira.

ZENIT: Como entender que "o gigante acordou"? Acordou mesmo?

Ivanaldo Santos: Ainda é muito cedo para ficar dizendo que o “gigante acordou”. Vale lembrar que em tempos recentes tivemos ondas de protestos (Diretas Já, Fora Collor) e nem por isso o brasileiro se tornou um povo mais participativo, mais presente na vida política nacional. Em todo caso, é preciso ver com bons olhos essa nova onda de protestos. São protestos que, em tese, não tem origem nas estruturas tradicionais, arcaicas e corroídas da sociedade brasileira. Entre essas estruturas é possível citar, por exemplo, os sindicatos, os partidos de esquerda, os fóruns universitários e a UNE. O fato das pessoas estarem se organizando fora dessas estruturas demonstra certo grau de maturidade democrática. Sem contar que, de forma muito aberta, essas estruturas não representam mais os anseios da população. São estruturas envelhecidas que representam, em grande medida, seus próprios interesses burocráticos.

ZENIT: Não há um ar anárquico em tudo isso? Algo que queira desestabilizar a nação, os partidos políticos, a paz e a ordem?

Ivanaldo Santos: Até agora não podemos afirmar, de forma categórica, que existe uma anarquia nessa onda de protestos. São protestos festivos, com cara de carnaval, muita gente revoltada, sem, no entanto, saber explicar as causas de sua revolta.

Em todo caso, é preciso tomar cuidado, um protesto festivo pode terminar em grande violência. Sem contar que, pelas cenas amplamente divulgadas na grande mídia, tem muitos grupos e pessoas mal intencionadas infiltrados nesses protestos querendo usar o bom ânimo do povo brasileiro para destruir o patrimônio público, atacar policiais e fazer todo tipo de desordem nas cidades. É preciso que a política e os outros órgãos de segurança investiguem a atuação desses grupos mal intencionados. Não vivemos em uma anarquia, mas se esses grupos não forem parados poderemos viver algo bem parecido. É preciso deixar claro que pior do que a volta da inflação, será o país cair no caos e na anarquia política. Coibir a ação de grupos extremistas é um dever do Estado e uma necessidade da democracia.

ZENIT: É lícito exigir direitos e ao mesmo tempo tirar a liberdade de toda uma cidade, parando o trânsito, depredando, criando confrontos em praças públicas? Assim foi no mundo grego? Ou seja, essa é a proposta da Polis, da democracia?

Ivanaldo Santos: A proposta da Polis é que o cidadão tenha acesso ao universo público e, com isso, possa expressar livremente sua opinião. Pelo que temos visto no Brasil, isso tem acontecido. As pessoas têm saído de suas casas com seus cartazes, faixas, etc; e, com isso, tem exposto suas opiniões. Vale salientar que, no atual contexto, a grande mídia tem tido um papel importante, pois tem procurado apresentar à nação essas reivindicações.


No entanto, é bom chamar a atenção, tem uma série de grupos extremistas loucos para transformar protestos pacíficos, com cara de carnaval fora de época, em guerras campais, em atos de depredação do patrimônio público e em matança de policiais e outros agentes públicos. As pessoas tem o direito de protestar, a democracia, em grande medida, é feito de reivindicações. O que devemos ter todo cuidado, e para isso é preciso requisitar a presença do Estado e das forças policiais, é com grupos extremistas que desejam, a qualquer custo, implantar a desordem e o caos no país. São grupos que apostam que a desordem trará a tal sonhada ditadura socialista.

ZENIT: Ouvem-se analistas dizendo que é o momento de "destruir" o sistema. Como assim? O que colocar num novo sistema?

Ivanaldo Santos: Sempre quando aparecem momentos de protestos se ouvem vozes que falam no fim do sistema democrático, fim do capitalismo, etc. É uma espécie de discurso apocalíptico que fala do fim de um modelo social.

No entanto, é bom frisar que, no momento, têm-se duas importantes variantes. Primeira, não há uma ideologia ou teoria que possa substituir o sistema dominante, ou seja, a democracia liberal. O fato é que a democracia liberal tem seus problemas e erros, mas não há em vista um modelo político melhor. Talvez daqui a alguns anos os filósofos e teóricos da política possam estabelecer um sistema mais confiável que a democracia liberal, mas, até agora, ela é o modelo político mais confiável.

Segunda, as multidões que lotam as ruas das cidades brasileiras não apresentam nenhuma ideologia ou proposta de renovação política. Tudo que as multidões fazem é expressar, de forma confusa, suas frustrações econômicas e reivindicações de melhoria no padrão de vida.


Por essas duas variantes, afirmar que vivemos em algum momento de destruição do sistema da democracia liberal no Brasil é uma afirmação um pouco precipitada. Em todo caso, é sempre bom recordar que várias guerras civis começaram com protestos isolados e evoluíram para uma onda de violência e de destruição nacional. Espera-se que o Brasil não experimente esse tipo de revolta. Essa é a pior revolta que um povo pode experimentar e geralmente deixa sequelas por muitos séculos. O povo brasileiro não merece passar por uma guerra civil.
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Fonte: Zenit

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