Deus! Que palavra, que realidade! Saudade do homem,
sonho do homem, gozo do homem, tormento do homem!
Deus! Existe? Quem
viu Seu Rosto bendito? Quem jamais pôde imaginá-Lo, saber do Seu modo de ser,
tão único, tão inefável, tão Outro em relação a tudo quanto possamos imaginar,
sentir, pensar?
Deus! Onde está? Como
chegar a Ele, conhecer Sua santa vontade?
Olhando a natureza,
perscrutando o universo, o coração e a mente humanas sentem-se possuídos por
uma sensação de mistério... E lá vai o homem, descobrindo tantas leis que regem
o cosmo, decifrando tantos segredos do mundo... Mas, na medida em que descobre,
mais vai percebendo que fica por descobrir... E ainda que tudo chegasse a
descobrir deste mundo maravilhoso, deste universo impressionante, com
misteriosas conexões de espaço, tempo, energia, matéria, antimatéria, ficariam
ainda questões arrasadoras, que avassalam a alma: Por que existe tudo e não o
Nada? E, mais ainda, para que tudo existe? E, tremendamente mais sério: Por que
eu existo? Eu, com tanto de sonho, de consciência de mim e do mundo, com sede
de ser feliz, mendigo de eternidade? Por quê? Para quê?
E, então, naqueles
que não são levianos e não brincam com a existência sua e dos outros e de tudo,
brota a tremenda sensação de vertigem, de impossibilidade de responder a tão
fundamentais questões!
Vertigem,
admiração... É de pensar: Aquela pedra ali, estática, no solo de Marte, aquele
gelado tremendo deserto de Netuno, a beleza daquela galáxia gigante, Andrômeda,
a bilhões de anos-luz da nossa Via Láctea... Que sentido tem tudo isto? Para
quem tudo isto existe? E quando as duas galáxias (Andrômeda e Via Láctea) se
chocarem, daqui a 5 bilhões de anos? Para que, para quem, tudo isto? Que
misterioso desígnio a tudo preside e tudo direciona?
Ante tantas
descobertas, tantas perguntas, tanta admiração, uns procuram fugir das questões
fundamentais. Metem a cabeça e a inteligência no contingente: as leis do
universo, seu dinamismo, sua história, sua composição... Entretem-se nisso,
disso se ocupam, como se isso fosse tudo, fosse o Tudo! Ou então afogam-se no
dia-a-dia... Fogem, sorrateiramente, das questões que realmente importam para a
vida... Outros admiram, inebriam-se não somente pela vastidão dos espaços
siderais, mas também pela singeleza de uma flor, pelo sorriso de uma criança,
pela beleza de um casal de mãos dadas, pelo tremendo mistério da decrepitude
que vai devorando nossa vida até a morte... E ousam, seguindo um instinto
misterioso do coração, um chamado irrefreável do seu mais íntimo, ousam chamar
a tudo de "Criação", e vislumbram por trás de tudo um Criador: Deus!
Mas, onde está Ele?
Que fazer para compreendê-Lo, para escutá-Lo? Por que é tão misterioso, tão
fugidio? Se nos fez para Ele, por que Se esconde? Se colocou em nós essa
saudade danada, por que não Se mostra, não Se nos dá sem mistérios? Deus tão
presente! Deus tão ausente! Deus tão próximo! Deus tão distante! Deus tão
íntimo! Deus tão estrangeiro!
E nós ficamos aqui,
tão sozinhos... Parece, às vezes, que falamos sozinhos, procuramos sozinhos,
choramos sozinhos, vivemos sozinhos, morremos sozinhos...
É verdade que o
Universo diz algo sobre esse misterioso Ser! É certo que em tudo quanto existe
há algo de Suas marcas, gritando: Ele passou por aqui; nossa beleza é reflexo
pálido da Sua formosura infinita! É verdade que nosso ser, nosso coração e
nossa vida balbuciam algo sobre Ele... Mas, Ele mesmo... Quem jamais O viu?
Quem realmente O conhece? Quem pode dizer algo certo sobre Ele?
Mistério, Silêncio,
Noite, Abismo, Vertigem! Eis o fato duro, doloroso, nostálgico, trágico: o
homem não tem onde apoiar os pés para saber de Deus, falar de Deus, garantir de
Deus! Silêncio nas estrelas, silêncio por trás do rumor das ondas, silêncio
mesmo que o vento uive, amedrontador... Silêncio! Silêncio também em mim, no
meu coração: sei que sou, existo; mas não sei de onde vim nem para onde estou
indo... Deus está, Deus não está... Deus é, Deus não é... Não está como
pensamos, não é como imaginamos... Deus – a palavra mais tremenda, mais
misteriosa, mais decisiva que o homem pode pronunciar! Quase que diante Dele só
se pode calar, num silêncio adorante, ou falar, numa insolência quase
blasfema...
E continua a
pergunta, a questão: Como saber de certeza se Ele existe, se é a mais doce das
realidades ou a mais enganadora das quimeras?
Uma voz, milenar,
tênue, insistente... Talvez seja ela a brecha... Talvez seja o buraquinho de
fechadura, a portinhola estreita, diminuta, a frestazinha de nada pela qual
possamos ter algo de certeza, algo de acesso ao Mistério... Uma voz... Há
milhares de anos essa voz é repetida, é cantada, é suspirada, é rezada em
momentos de dor e de alegria, de luz e de trevas, de vida e de morte... Uma
voz! Um convite, uma exortação! Todos podem ouvi-la... Somente alguns a levam a
sério e se jogam no que ela descortina: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o
Senhor é Um!” Ouve! Do Infinito, do Silêncio eterno do Ser, da Noite mais
profunda que habita o coração do Mistério, uma voz ecoa neste insignificante
planeta Terra, no coração do tempo do homem e do mundo, no meio de um antigo
povo sem importância: “Ouve! Tu não podes saber tudo, tudo nunca verás tudo, tu
nunca compreenderás tudo! Ouve, silencia, presta atenção, acolhe humildemente:
há um Deus! O Senhor é o Deus! O Senhor é absolutamente Único, Original, Outro
em relação a tudo quanto possa existir! Escuta, pois do Silêncio eterno brotou
esta Palavra! Abandonando-te a ela, viverás a verdade de tudo, viverás a
verdade da tua própria vida! Ouve, pois, ó Israel! Grava no teu coração,
acalenta na tua vida, caminha nesta certeza: há um Deus! O Senhor nosso Deus!
Ele é Único! Tu não podes compreendê-Lo, tê-Lo na palma da mão, domesticá-Lo a
teu gosto, esquadrinhá-Lo com tua razão! A Ele abrirás teu coração, Nele viverás
a tua vida, pelos Seus caminhos orientarás os teus passos! Tu não O verás, mas
se a Ele te abrires, por vezes experimentá-Lo-ás de modo misterioso; verás que
Ele, vez por outra, mostrar-Se-á sem Se mostrar... E quando vierem estes
momentos fugidios, tudo se enche de sentido e o inteiro Universo e a totalidade
da existência tornam-se uma tremenda e maravilhosa epifania do Seu Ser e da Sua
Presença!
Cala-te, pois.
Deixa-te. Acolhe a Palavra antiga, sempre atual, mansa e tão imperativa: “Ouve,
ó Israel! O Senhor nosso Deus – Ele É! Ele existe! –, o Senhor é Único!” Se
acolhes esta tremenda revelação com todas as suas consequências, tudo muda de
figura, tudo adquire sentido... "Se tu creres, verás! Verás a Glória de
Deus, Sua doce e estonteante Presença, mesmo nas ausências da existência!"
Dom Henrique Soares da
Costa
Bispo de Palmares, PE
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