Provocou histeria na mídia o programa de
educação sexual da ministra Damares Alves baseado na abstinência. Jornais
publicaram vários textos críticos, assinados por jornalistas e toda sorte de
ditos especialistas. Todos dizendo não haver evidências científicas; alguns em
tom de deboche, citando palavras de ordem dos “progressistas” e chamando de
“negacionistas” quem não concorde com eles.
O ponto alto desta abordagem “científica” foi
quando a colunista Flávia Oliveira, de O Globo, citou um grupo médico feminista
ao afirmar que “há muitos estudos provando que abstinência não produz resultado
em evitar gravidez e HIV”. Se não evita gravidez, não sei o que faria! Mas não
termina aí: uma integrante do grupo Porta dos Fundos, com autoridade de expert
no tema, disse que não há embasamento em se dizer que a abstinência é o único
método contraceptivo 100% eficaz. Estou curioso em saber qual seria o outro. Há
dezenas de casos documentados de gestações ectópicas mesmo em mulheres que
retiraram seu útero. Ou seja, nem retirar o útero é 100% confiável. Mas nunca
soube de gravidez sem contato com espermatozoide.
Assim como há um método contraceptivo
apropriado para cada pessoa, também há diversas formas de educação sexual que
podem ser complementares entre si, cada uma sendo adequada a um determinado
público. Além disso, a proposta do Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos é complementar à educação sexual já feita pelo Ministério da Saúde, não
excludente. Assim como também é mentira que a proposta seja a de promover a
abstinência até o casamento; ela serve para o período da adolescência, quando
uma gravidez tem um enorme potencial de comprometer toda a vida da pessoa pelo
prejuízo aos estudos.
A iniciação sexual precoce, com idade
aproximada aos 15 anos, está associada ao menor uso de preservativo, ao aumento
de relações sexuais e de parceiros, e a maior chance de DSTs e gestações
indesejadas. Então, como não incluir a abstinência sexual em uma política
dirigida para este público de adolescentes? O método da abstinência é dos mais
promovidos nos Estados Unidos, que têm uma taxa de gravidez de adolescentes de
22 casos a cada mil meninas de 15 a 19 anos. A taxa brasileira é de 56. Na
Região Norte, chega a 80. Creio que nisso nossos especialistas não tenham muito
a ensinar aos norte-americanos.
Sabendo da má vontade de grande parte da mídia
com as propostas conservadoras, realmente deveria ter havido uma melhor
explicação do tema por parte do ministério, antecipando-se às críticas que
seriam certas por parte daqueles que não conseguem aceitar o fato de a
sociedade brasileira ter optado por um governo diferente do anterior, que
pregava a descriminalização do aborto e a educação sexual baseada na “redução
de danos”. E, com o baixo nível das críticas, é preciso trazer ciência para o
tema.
Uma metanálise da Cochrane que englobou 39
estudos com mais de 37 mil participantes, avaliando a eficácia da abstinência
sexual associada a outros métodos de educação sexual, mostrou que ela pode
diminuir a taxa de infecção por HIV. Nenhum resultado adverso foi encontrado
para vários desfechos, tais como infecção por outras DSTs, taxas de gravidez e
sexo desprotegido. Mostrou vantagens, como menor frequência de relações sexuais
e melhor conhecimento de formas de contágio de DSTs. Este cenário é
encorajador, pois seria o modelo brasileiro ao combinar dois tipos de educação
sexual: o já existente e o proposto por Damares. Outro interessante estudo foi
realizado no Chile, utilizando a metodologia TeenSTAR para educação sexual
baseada na abstinência. Foram vistas mais de 1,2 mil meninas em um estudo
prospectivo randomizado com alto nível de evidência científica. As garotas
submetidas ao programa de abstinência tiveram cerca de seis vezes menos
gestações do que as submetidas ao discurso tradicional.
E o estudo chileno utilizado pela mídia para
criticar a abstinência? Foi publicado ano passado e englobou 26.157 jovens
advindos de 51 colégios (22 se recusaram a participar por motivos não
declarados). O desenho é ecológico, baixo nível de evidência. Diferentemente do
que alguns disseram, não é o número de participantes que atesta a força da
recomendação de um estudo, mas sua qualidade metodológica e seu nível de
evidência. Isso torna o estudo prospectivo chileno com 1,2 mil participantes
mais importante cientificamente que a pesquisa com 26.157 jovens. Dito isso, o
último estudo teve uma limitação declarada pelos próprios autores: não teve acesso
aos dados de contraceptivos e de gestações do setor privado, que é exatamente o
estrato que mais faz uso da educação baseada na abstinência. O programa
TeenSTAR, por exemplo, não foi implementado em nenhuma instituição pública.
Além do mais, os autores dizem que as DSTs
aumentaram no período estudado (de 2010 a 2017), mas isso não é real. Houve um
aumento nos anos finais ao se observar os gráficos, mas, em comparação com 2011
(primeiro ano de aplicação), houve redução nas taxas de DST. O próprio estudo
destaca nos resultados que houve diminuição da gravidez em adolescentes e
aumento do uso de contraceptivos, mas isso foi ignorado pela mídia e pelos
supostos “especialistas” que levaram o Brasil a este caos de explosão de
sífilis e gonorreia, ditando as regras nos últimos anos com programas
incentivando o sexo e os “direitos reprodutivos” (termo que nada mais é que
eufemismo para aborto como método contraceptivo).
Alguns críticos da abstinência sexual usaram
uma metanálise do CDC norte-americano, de 2012, com 23 estudos, e gritaram que
os números eram negativos para a abstinência. Assim como ocorre com as falsas
estatísticas sobre “mortes causadas pelo aborto”, bastou checar o artigo
original para encontrar as mentiras “progressistas”. Ele mostra que em vários
desfechos houve bons resultados para a abstinência sexual, tais como menor
número de parceiros, menor atividade sexual e menor frequência sexual. É
verdade que, mesmo sem significância estatística, houve aumento de infecções
sexuais. Mas o próprio artigo relata que os estudos que compuseram a revisão
são, em sua maioria, frágeis metodologicamente tanto para a abstinência quanto
para método tradicional. O autor também cita que, finda a revisão, surgiu um
novo ensaio clínico com 662 estudantes, com alto nível de evidência, que
mostrou excelentes resultados para a abstinência sexual, diminuindo o número de
relações sexuais em 24 meses. O autor faz um interessante comentário sobre esta
política ser a única aceita em algumas comunidades conservadoras. Como
dissemos, para tudo há seu público específico.
As evidências estão apresentadas. É um modelo
que ainda carece de estudos, principalmente em nosso país, já que nos últimos
anos o modelo predominante de educação sexual foi o que preconiza o sexo sem
freios. Bilhões foram gastos em estudos e campanhas ditadas pelos que hoje
criticam o modelo de abstinência sexual, mas que foram totalmente incompetentes
em melhorar taxas de infecção por DSTs (inclusive a Aids) e deixaram o Brasil
chegar a uma epidemia de sífilis congênita que destrói nossos bebês.
Raphael Câmara Medeiros Parente, médico
ginecologista e obstetra, doutor em Ginecologia e mestre em Saúde Pública, é
conselheiro federal do CFM.
Raphael Câmara Medeiros Parente
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