Erram aquelas pessoas que pensam que basta com aceitar
Jesus para serem salvos! Equivocam-se aqueles outros que pensam que é
suficiente a mera fé para chegar à vida eterna! Está longe da verdade o
individuo que proclama somente com a boca, “Senhor, Senhor”, sem aprofundar
essas palavras no coração, tendo-as verdadeiramente como programa de vida.
No
mesmo caminho do erro estão aqueles que pensam que para salvar-se basta com não
fazer coisas más. Estão equivocados aqueles que confundem a filantropia com a
caridade. Mas também estão longe da verdade os que insistem nas obras e
diminuem importância à graça e à fé.
Em
contra dessas visões parciais se opõe o maravilhoso equilíbrio do Evangelho.
Por um lado: “tua fé te salvou” (Lc 8,48) e “tudo é possível ao que crê” (Mc
9,23). Por outro: “nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino
dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt
7,21) e “Vinde, benditos do meu Pai, tomai posse do Reino (…) porque tive fome
e me destes de comer, tive sede e me destes de beber; era peregrino e me
acolhestes (…)” (Mt 25,34-36). Poderíamos seguir apoiando as duas caras dessa
moeda única com outros textos da Escritura Santa. O mesmo apóstolo que deixou
escrito que “o justo viverá pela fé” (Rm 1,17) disse no capítulo seguinte da
carta aos Romanos que o juízo de Deus “retribuirá a cada um segundo as suas
obras” (Rm 2,6).
Todo cristão
deve viver de fé. Mas a fé não é uma mera profissão da boca para fora, não é um
mero ato de confiança na misericórdia de Deus, não é somente acreditar que Deus
existe. A fé é algo que invade toda a nossa existência: o nosso ser, a nossa
inteligência, a nossa vontade, os nossos sentimentos. Quase se poderia dizer
que nós não temos fé, mas que a fé nos tem. Somos homens e mulheres de fé. Ao
vivermos de fé, perceberemos as consequências da fé em todas as dimensões do
nosso existir. O cristão nunca pode desassociar a sua fé da sua vida. Dizer
“Senhor, Senhor” na Missa dominical é muito importante, mas é preciso continuar
dizendo “Senhor, Senhor” nas vinte quatro horas de cada jornada, não
necessariamente com a boca, mas com as nossas ações quotidianas. É preciso
proclamar o senhorio de Jesus na família, no trabalho e em todas as demais
relações.
Comentários dos Textos Bíblicos
Leituras: Dt 11,18.26-28.32; Sl 30; Rm
3,21-25a.28; Mt 7,21-27
Em Dt 11, 18. 26-32 temos um discurso de Moisés no final
da vida. Ele relembra aos Hebreus os compromissos assumidos para com Deus e os
convida a renovar a Aliança com o Senhor. É um convite a ter a Palavra de Deus
sempre presente: “gravada no coração e na alma”.
Jesus, em Mt 7, 21-27, afirma solenemente: “Nem todo
aquele que me diz, ‘Senhor, Senhor entrará no Reino dos Céus, más sim aquele
que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus’”.
Na ocasião em que o Senhor pronunciou essas palavras,
falava diante de muitos que tinham transformado a oração numa mera recitação de
palavras e fórmulas, que depois não influíam em nada na sua conduta hipócrita e
cheia de malícia. O nosso diálogo com Cristo não deve ser assim: Ensinava São
Josemaria Escrivá: “A tua oração tem de ser a do filho de Deus; não a dos
hipócritas, que hão de escutar de Jesus aquelas palavras: “Nem todo aquele que
diz Senhor!, Senhor! entrará no Reino dos Céus”. – A tua oração, o teu clamar;
Senhor!, Senhor!, tem de andar unido, de mil formas diversas no teu dia, ao
desejo e ao esforço eficaz de cumprir a vontade de Deus” (Forja, nº 358).
O caminho que conduz ao Céu e à felicidade aqui na terra,
diz Santo Hilário, “é a obediência à vontade divina, não a repetição do seu
nome”. A oração deve fazer-se acompanhar do desejo de realizar o querer de Deus
que se nos manifesta de formas tão variadas. “Seria estranho – exclama Santa
Teresa – que Deus nos estivesse dizendo claramente que nos ocupássemos de
alguma coisa que é do seu interesse, e nós não o quiséssemos, por estarmos mais
interessados no nosso gosto”.
Que pena se Deus quisesse levar-nos por um caminho e nós
nos empenhássemos em seguir por outro! Certamente gostaríamos de merecer que
nos chamassem “aqueles que amam a vontade de Deus. Empreguemos os meios para
isso, dia após dia! E esses meios consistirão normalmente em nos perguntarmos
muitas vezes ao longo do dia: faço neste momento o que devo fazer?
O empenho em procurar em tudo a vontade de Deus – a sua
glória – dá-nos uma particular fortaleza contra as dificuldades e tribulações
que tenhamos de padecer: doenças, calúnias, dificuldades econômicas…
No texto de Mt 7, 21-27 que estamos meditando podemos
identificar os falsos profetas, os falsos discípulos, os falsos cristãos. Estes
são os que dizem “Senhor, Senhor”, mas não fazem a vontade de Deus; não mantêm
com Deus uma relação de comunhão e de intimidade; têm Deus nos lábios, mas o
seu coração está cheio de maldade… Falam muito e bem, mas as suas obras
denunciam a sua falsidade. O verdadeiro cristão é aquele que une a vontade do
Pai; aquele que une a fé à vida.
Jesus fala da casa construída sobre a rocha e sobre a
areia.
A vida do cristão que segue o Senhor com obras – a sua
casa – não desmorona, porque está edificada sobre o mais completo abandono na
vontade de Deus.
Procuremos construir a casa sobre a rocha! Somente a fé,
que se exercida numa adesão plena à vontade de Deus, permite ao homem edificar
a sua casa sobre a rocha e não teme que ventos e tempestades invistam contra
elas. A casa é a vida cristã, que, cimentada na fé de Cristo e no cumprimento
de Sua palavra, pode lançar o desafio a qualquer furacão e ainda ao tempo e à
morte, convertendo-se um dia em vida eterna.
Em que tipo de alicerce queremos construir a casa de nossa
vida?
Sobre a rocha firme da Palavra de Deus ouvida e praticada
ou sobre valores efêmeros do dinheiro, do poder, da fama, da glória, da
mentira, da injustiça ou da violência?
Um alicerce sólido e forte pode servir também de apoio
para outras edificações mais fracas. A nossa vida interior, impregnada de
oração e de realidades, pode servir de ajuda a muitos outros homens, que
encontrarão em nós a fortaleza necessária quando as suas forças fraquejarem.
Não nos separemos em nenhum momento de Jesus! “Quando te
vires atribulado…, e também na hora do triunfo, repete: – Senhor, não me
largues, não me deixes, ajuda-me como a uma criatura inexperiente, leva-me
sempre pela tua mão!”. “Jesus, eu me ponho confiadamente nos teus braços,
escondida a minha cabeça no teu peito amoroso, pegado o meu coração ao Teu
coração: quero, em tudo, o que Tu quiseres” (São Josemaria Escrivá, Forja, nº
654 e 529). Só o que Tu quiseres, Senhor! Não quero mais nada!
PARA REFLETIR
Somos crentes! Cremos que há um Deus
no céu e na terra, um Deus na nossa vida! Crer significa abrir-se para Ele,
reconhecê-lo como Origem, Sentido e Destino da nossa existência… Para nós,
viver é viver nele, morrer é ficar sem ele, pois já não teríamos um sentido
para nossa vida! Crer é poder dizer: Deus é meu chão, é meu horizonte, é meu
ambiente, é o ar que eu respiro!
É neste contexto e com estes pensamentos que devemos
escutar as exortações do livro do Deuteronômio, na primeira leitura desta
Eucaristia, ao nos falar de Deus e da sua Palavra: “Incuti estas minhas palavras em vosso coração e colocai-as como
faixas sobre a testa”. Eis: o fiel aqui é convidado a
envolver-se com a Palavra, a deixar-se abarcar por Deus, por sua vida, por seus
mandamentos, por seu amor… O fiel é exortado a respirar Deus com toda a sua
existência! Daqui depende a bênção ou a maldição de sua vida, de seu caminho
neste mundo, daqui decorre o sentido ou ausência de sentido da sua existência
neste mundo e na eternidade: “Escolhe, pois a bênção para que vivas! Façamos
aqui uma pausa e, do fundo da nossa existência, tão débil e incerta – certa
somente se for vivida em Deus – elevemos o coração ao Senhor com as palavras do
Salmista: “Senhor, eu ponho em vós a minha esperança! Sede uma rocha
protetora para mim, um abrigo bem seguro que me salve! Sim, sois vós a minha
rocha e fortaleza: salvai-me pela vossa compaixão!”
Para nós, cristãos, a vida com Deus é mais que obedecer a
preceitos: é crer, é abrir-se totalmente para Aquele que o Pai nos deu – Jesus!
Somos todos tão incapazes de agradar a Deus, tão quebrados interiormente… Não
somos bonzinhos, não somos tranquilamente abertos para Deus, disponíveis à sua
vontade a nosso respeito… Não lhe somos fiéis como deveríamos! É em Cristo – e
somente em Cristo -, no seu amor até a morte, que encontramos a vida com Deus e
em Deus. É o que nos quer dizer São Paulo na segunda leitura de hoje: “Todos pecaram e estão privados
da glória de Deus, e a justificação se dá gratuitamente por sua graça, em
virtude da redenção realizada em Jesus Cristo”. Atentos à
palavra do Apóstolo: todos somos pecadores, todos com a profunda tendência de
nos fechar à graça, de viver como quem não crer, como se Deus não existisse! O
único modo de nos abrirmos para Deus de verdade é acolher Aquele que morreu e
ressuscitou para nos justificar, isto é, tornar-nos amigos de Deus, fazer-nos
justos diante de Deus! Contemplando o quanto o Senhor Jesus deu-se por nós,
sofreu por nós, por nós morreu e ressuscitou, somos convidados a nos reconhecer
pecadores, sem-amor, indignos de Deus, e abandonarmo-nos à salvação que somente
Jesus nos pode dar! Eis o que é crer em Jesus! Notemos que é o contrário do
pensamento dominante hoje, quando a humanidade acha-se justa, santa, madura –
até chegar ao ponto de julgar Deus e seus preceitos! O crente, remando contra a
maré, reconhece-se indigno de Deus, pequeno ante ele e, cheio de confiança,
nele se abandona. A fé é o contrário da vã confiança, da prepotência presunçosa
e ilusória. Feliz era Francisco de Assis, que perguntava e respondia ao Cristo:
“Senhor,
quem és tu? Quem sou eu? Tu és o meu tudo; eu sou o teu nada!”
Mas, atenção! Esta fé em Jesus é mais que uma proclamação,
que um sentimento: é uma abertura real, uma atitude de vida, um compromisso que
envolve toda a existência nossa: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos
Céus, mas o que põe em prática a vontade do meu Pai que está os céus!” Que
estejamos bem atentos – e estejam também aqueles que, de modo unilateral e
ilusório, gritam que só a fé salva; as obras ao contam: não adianta nada, não é
sinal de verdadeira fé gritar o nome do Senhor, profetizar em nome do Senhor,
expulsar demônios em nome do Senhor, fazer muitos milagres em nome do Senhor!
Tudo isso sem um compromisso eficaz e real de nossa vida com o modo de ser e
viver que Jesus nos propõe, é inútil: “Jamais vos conheci! Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!”.
Nestes tempos em que a fé virou show de televisão e o nome
de Jesus é instrumento de alienação e lucro vil e ter fé é confundido com ser
crédulo e ingênuo, o Senhor nos aponta o sentido da verdadeira fé: construir a
casa da vida sobre a rocha que é Cristo, por ele perder-se e perder tudo, nele
tudo apostar, nele absolutamente confiar, na sua Palavra viver e morrer e nele
ter a certeza de que somente em Jesus o Pai nos disse Sim, um sim do qual ele
não se arrependerá jamais!
Pois! Que Cristo, a Palavra última e única do Pai –
Palavra que contém todas as palavras! – que Ele seja incutido em nosso coração
e em nossa alma; seja um sinal em nossas mãos e um selo o nosso coração e na
nossa vida! É esta a bênção verdadeira, esta, a vida, esta a salvação! Que o
Senhor no-la conceda na sua misericórdia! Amém.
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